Resumo
Durante os últimos trinta anos, o mundo da conservação experimentou uma importante orientação para o que tem sido conhecido pelo conceito da intervenção mínima.
Actualmente, esta moldura largamente aceite vem dando uma força especial à aplicação de medidas de conservação preventiva na preservação das colecções e, por outro lado, tem preterido outras abordagens mais interventivas e activas.
A larga aceitação da intervenção mínima como sendo o “modus operandi” correcto baseia-se, principalmente, numa crescente preocupação com o valor histórico e documental dos objectos.
Este texto discute as vantagens e as desvantagens das abordagens minimalistas e analisa onde é que as políticas não interventivas são suficientes para preencherem todos os requisitos de conservação colocados pelas colecções museológicas.
Introdução
Durante as últimas três décadas, as abordagens não interventivas ou de intervenção mínima têm vindo a receber uma importância gradualmente crescente e têm sido reconhecidas como devendo ser os princípios orientadores para a preservação da património cultural.
A largamente espalhada popularidade deste tipo de estratégias de conservação é hoje tanta que, nalgumas disciplinas, os tratamentos de activos de conservação quase foram descontinuados, confiando-se no controlo ambiental e nas medidas de conservação preventivas como sendo os meios para se evitar ou para se retardar a degradação.
Observam-se frequentemente procedimentos não interventivos a proporcionarem uma utilização muito eficiente de recursos na conservação das colecções.
Além disso, eles garantem a preservação da autenticidade, dos sinais da idade e da integridade histórico-documental dos objectos sem inviabilizarem a aplicação de futuros tratamentos, caso necessários.
Por estas razões, muitas grandes instituições à escala internacional adoptaram políticas de intervenção mínima.
As origens da intervenção mínima
A preservação de aspectos tais como a história e o valor documental dos objectos, a sua autenticidade, os sinais naturais do seu envelhecimento, etc. é uma preocupação crescente entre as pessoas que se ocupam da conservação do património cultural.
Este é, provavelmente, um dos factores principais que valorizam as abordagens não interventivas de conservação. A ideia é que ao restringirem-se ao mínimo os tratamentos de conservação interventiva, ficam limitados os riscos de alteração nos objectos, assim como é garantida a sua integridade histórica.
O desenvolvimento da conservação preventiva e a reavaliação do conceito da reversibilidade são os outros dois principais factores que influenciam a actual predominância das tendências minimalistas na conservação.
Durante, aproximadamente, as últimas duas décadas do século XX, os conservadores começaram a questionar a existência da “verdadeira” reversibilidade e, inevitavelmente, a conclusão é que não se consegue nenhum tratamento de conservação cem por cento reversível.
Por isso, foi um período de descontentamento generalizado, pelo que se tornou imperativa a reavaliação dos conceitos de reversível e de reversibilidade.
Em 1987, Applebaum apresentou o conceito de “re-tratabilidade” reconhecendo que, se não forem totalmente reversíveis, as actividades da conservação, no mínimo, não devem impedir a possibilidade de re-tratamento no futuro.
Neste contexto, entendeu-se que a conservação minimalista era o melhor caminho a ser seguido. Como uma linha de acção minimalista implica a aplicação de tratamentos menos interventivos, o princípio da re-tratabilidade seria, assim, totalmente cumprido.
Nos últimos trinta anos, as abordagens não interventivas ou minimalistas também têm sido encorajadas pelo grande desenvolvimento e impacto da conservação preventiva.
Neste sentido, a publicação do livro “The Museum Environment” por Thomson, em 1978, foi um factor da maior importância para a disseminação de duas ideias – preocupações ambientais e conservação preventiva.
A partir desse momento, o interesse passou a estar focado nos aspectos relacionados com o ambiente dos museus, sendo progressivamente abandonada uma conservação mais intensamente interventiva.
Limitações
As políticas minimalistas de intervenção demonstraram serem bastante adequadas à protecção da integridade histórica dos objectos, assim como cumpriram com o princípio da re-tratabilidade.
No entanto, outros objectivos da conservação, igualmente importantes, tais como a preservação a longo prazo, o melhoramento da aparência estética e a possibilidade de acesso aos objectos não conseguiam ser cumpridos por meio de uma abordagem minimalista.
Deve-se ter em consideração que a maioria dos tratamentos não interventivos ou minimamente interventivos são medidas a curto prazo e, consequentemente, não se consegue obter a preservação do objecto a longo prazo.
Isto implica que esses tratamentos de conservação têm que ser aplicados mais regularmente (num maior número de vezes) para se conseguir manter a condição física do objecto e, no final, isto pode ter como consequência uma maior alteração ou a produção de danos.
O principal valor de muitos objectos de museu é, frequentemente, histórico e/ou documental (por ex. colecções de arquivos). No entanto, existem outros artigos que, além de valores históricos, têm funções puramente estéticas.
As obras de arte são um claro exemplo disso já que, para a maioria do público, o seu objectivo mais óbvio e importante é, de facto, estético. Como a conservação minimalista mostra pouco interesse pelo melhoramento da aparência geral e da legibilidade das obras, ela falha na salvaguarda da respectiva aparência estética.
De forma semelhante, os objectos etnográficos estão em situação quase idêntica porque as abordagens minimalistas são incapazes de preservarem os seus dois significados – conceptual e cultural.
Outra limitação associada à conservação mínima é o seu conflito com a acessibilidade. Durante a última década, houve um importante aumento de exposições itinerantes como resposta à crescente popularização dos museus e das exposições junto do grande público. Por essa razão, o acesso às colecções tornou-se uma exigência crescente, e os museus têm a obrigação de a satisfazerem.
A existência de uma política de intervenção mínima, numa dada instituição, pode frequentemente significar que alguns artigos têm que ser considerados como incapazes para serem transportados ou exibidos porque a respectiva condição não é suficientemente saudável para ser confrontada com os riscos envolvidos.
Além disso, a utilização generalizada do vidro, das redomas, etc., como medidas de preservação não interventiva pode prejudicar uma adequada apreciação visual dos artigos, restringindo assim a sua acessibilidade.
Tomando em consideração todos estes aspectos, parece que o desejo de se empregarem tratamentos de intervenção mínima conduziu a contradições interessantes no campo da conservação e a uma certa dúvida acerca sobre quais serão verdadeiramente os objectivos de um tratamento: conseguir-se uma preservação a curto ou a logo prazo? proporcionar-se acessibilidade ou garantir-se a re-tratabilidade?
O caminho a seguir
Tendo sido compreendidas as origens da conservação minimalista e tendo sido sopesadas as suas vantagens e desvantagens, é possível concluir-se que o minimalismo não pode ser considerado como um princípio orientador completo para a conservação dos objectos dos museus.
As políticas de intervenção mínima são incapazes de responder a todos os complexos requisitos colocados pelas colecções museológicas, pelo facto de os seus critérios para tratamento serem pouco claros e parciais.
Todos os códigos de ética da conservação afirmam que um tratamento só deve ser efectuado na mínima extensão necessária. A pergunta é, o que se entende por necessário?
Artigos diferentes têm necessidades diferentes? As abordagens de intervenção mínima pura podem, de facto, ser apropriadas em certos casos como, por exemplo, quando o artigo está armazenado e não vai ser pedido para empréstimo.
No entanto, pode-se tornar imperativo um certo nível de tratamento se for necessário proporcionar-se o seu acesso ao público. Sim, objectos diferentes têm requisitos diferentes.
Por essa razão, a conservação deve ter sempre como objectivo proporcionar soluções equilibradas em resposta às necessidades de objectos ou de colecções individuais. Todas as actividades de conservação devem, portanto, efectuar a investigação suficiente para identificarem as necessidades dos objectos e para salvaguardarem os seus valores e funções.
Frequentemente, tem que se atingir um compromisso entre os diferentes objectivos da conservação (preservação dos valores físico, histórico, documental, estético e simbólico do objecto) atendendo-se ao carácter, função e utilização desse objecto. Só se conseguem obter soluções equilibradas pela procura da cooperação interdisciplinar e pela integração das medidas preventivas com o necessário tratamento de conservação. Por isso, essas soluções podem envolver maiores níveis de intervenção do que os actualmente considerados como aceitáveis pelos seguidores do minimalismo.
Conclusão
A crescente preocupação com a integridade dos objectos, a aceitação da reversibilidade completa como um objectivo inalcançável e o desenvolvimento da conservação preventiva são alguns dos factores que têm contribuído para a actual predominância das abordagens de conservação não interventivas ou minimalistas.
As abordagens minimalistas são capazes de preservar os valores histórico e documental dos objectos e de garantirem a re-tratabilidade.
No entanto, o minimalismo não pode ser considerado como um princípio orientador completo para a conservação, já que tem importantes limitações: ele não garante a preservação a longo prazo, o adequado acesso aos objectos e o melhoramento da sua aparência estética.
Pelo contrário, a conservação deve proporcionar soluções equilibradas para cada contexto individual, guiadas por princípios elementares da boa prática profissional.
Assim, quer as medidas preventivas, quer os tratamentos de conservação devem ser aplicados com sabedoria e inteligência, para se garantir as integridades física, histórica, estética e simbólica dos objectos.