A Administração Periférica Territorial do Estado
I. No âmbito do Título XII da CRM, o último capítulo – que é o IV – é reservado aos Órgãos Locais do Estado, verificando-se uma direta relevância constitucional a Administração Periférica Territorial do Estado, sendo três
os artigos que o articulado fundamental lhe dedica.
Estas disposições constitucionais têm de ser relacionadas com uma outra, logo situada no início do texto constitucional, segundo o qual “A República de Moçambique organiza-se territorialmente em províncias, distritos, postos administrativos, localidades e povoações”.
II. A legislação ordinária, por seu lado, completou o quadro constitucional através da Lei dos Órgãos Locais do Estado (LOLE), aprovada pela L no 8/2003, de 19 de maio, alterada pela L no 11/2012, de 8 de fevereiro, diploma que organiza a presença da Administração do Estado nos diversos escalões territoriais, com 59 artigos iniciais e a seguinte sistematização:
– Capítulo I – Disposições gerais
– Capítulo II – Âmbito territorial
– Capítulo III – Estruturas dos órgãos locais do Estado
– Capítulo IV – Disposições financeiras
– Capítulo V – Disposições finais
III. A Administração do Estado que aqui se refere tem a natureza de uma administração periférica, organizada segundo o princípio da desconcentração administrativa.
Neste caso, trata-se de uma administração periférica de índole territorial, porque a distribuição dos poderes, serviços e órgãos assenta num critério de delimitação territorial na definição da respetiva atividade.
É isso o que se pode ler no texto da CRM: “Os órgãos locais do Estado garantem, no respetivo território, sem prejuízo da autonomia das autarquias locais, a realização de tarefas e programas económicos, culturais e sociais de interesse local e nacional, observando o estabelecido na Constituição, nas deliberações da Assembleia da República, do Conselho de Ministros e dos órgãos do Estado do escalão superior”.
IV. Contudo, importa frisar que a Administração Periférica Territorial do Estado não se confunde com o Poder Local, nem sequer pode tolher a autonomia deste, se bem que possa haver zonas de confluência e até de sobreposição, as quais não deixam de ter um resguardo constitucional: “Na sua atuação, os órgãos locais do Estado respeitam as atribuições, competências e autonomia das autarquias locais”.
Nem sequer o texto da CRM deixa qualquer dúvida ao frisar a representação do Estado que estes órgãos realizam ao nível do seu escalão territorial:
“Os órgãos locais do Estado têm como função a representação do Estado ao nível local para a administração e o desenvolvimento do respetivo território e contribuem para a integração e unidade nacionais”.
A própria LOLE é muito explícita ao sublinhar a dependência dos órgãos locais do Estado da sua Administração Central através destes dois preceitos:
– “Os órgãos locais do Estado observam o princípio da estrutura integrada verticalmente hierarquizada”;
– “As relações entre os órgãos centrais e os órgãos locais do Estado se desenvolvem com observância dos princípios de unidade, hierarquia e coordenação institucional”.
V. De resto, parece ser preferível a expressão “Administração Periférica Territorial do Estado” à expressão “Administração Local do Estado”, sendo esta ainda menos má do que a expressão “Órgãos Locais do Estado”,
por duas razões:
– primeiro, porque a dimensão em causa não é apenas “local”, mas também “provincial” e “distrital”, sendo o uso do adjetivo local redutor da realidade abrangida;
– depois, porque a expressão “administração local” ou “órgãos locais” pode gerar não poucos equívocos de assimilação a uma estrutura administrativa totalmente distinta, como é a Administração Autárquica, razão por que, aliás, se fez uma importante alteração à CRM, na sequência do processo de autarquização do país.
É assim que a locução “Administração Periférica Territorial do Estado” se afigura mais correta, ao situar-se numa das duas modalidades da Administração Periférica do Estado – que pode ser territorial ou setorial – e utilizando o adjetivo mais amplo, acolhendo os diversos escalões territoriais nas duas possíveis dimensões, além de poder coenvolver outros organismos desconcentrados que não têm de ser órgãos do Estado.
As opções fundamentais da Administração Periférica Territorial do Estado em Moçambique
I. Em termos territoriais, a Administração desconcentrada do Estado não é monodimensional e está associada a uma divisão múltipla do território de Moçambique para efeitos de atuação da administração do Estado.
É o próprio texto constitucional moçambicano a fixar cinco categorias dos escalões administrativos territoriais1208, às quais corresponde o seguinte número:
– província: “A província é a maior unidade territorial da organização política, económica e social da administração local do Estado” (11 províncias);
– distrito: “O distrito é a unidade territorial principal da organização e funcionamento da administração local do Estado e a base da planificação do desenvolvimento económico, social e cultural da República de Moçambique” (150 distritos);
– posto administrativo: “O posto administrativo é a unidade territorial imediatamente inferior ao distrito, tendo em vista garantir a aproximação efetiva dos serviços da administração local do Estado às populações e assegurar maior participação dos cidadãos na realização dos interesses locais” (405 distritos);
– localidade: “A localidade é a unidade territorial base principal de organização e contacto permanente da Administração do Estado com as comunidades locais e compreende as povoações”;
– povoação: “A povoação é a menor unidade territorial da organização, funcionamento e contacto permanente da administração local do Estado com as comunidades”.
Mapa das 11 Províncias de Moçambique
II. A estrutura desta Administração Periférica Territorial do Estado concretiza algumas preocupações de proximidade com as populações, mas sem nunca se deixar de garantir a coordenação que emana dos órgãos centrais do Estado, num equilíbrio espinhoso, de que é exemplo patente a quase impossível conciliação destes dois preceitos constitucionais, apelando em simultâneo à “direção do Governo” do Estado e à “participação ativa dos cidadãos”:
– “A organização e o funcionamento dos órgãos do Estado a nível local obedecem aos princípios de descentralização e desconcentração, sem prejuízo da unidade de ação e dos poderes de direção do Governo”;
– “No seu funcionamento, os órgãos locais do Estado, promovendo a utilização dos recursos disponíveis, garantem a participação ativa dos cidadãos e incentivam a iniciativa local na solução dos problemas das comunidades”.
III. O funcionamento da Administração Periférica Territorial do Estado é referido a diversos órgãos administrativos que atuam com essa incumbência localizada, conforme a circunscrição administrativa em causa:
– Órgãos de província: o Governador Provincial e o Governo Provincial;
– Órgãos de distrito: o Administrador Distrital e o Governo Distrital;
– Órgãos de posto administrativo: o Chefe do Posto Administrativo e o Conselho Administrativo
– Órgãos da localidade: o Chefe de Localidade e o Conselho Administrativo;
– Órgãos de povoação: o Chefe de Povoação e o Conselho Administrativo.