Apontamentos Organizações dos Tribunais

Organizações dos Tribunais

A pluralidade de jurisdições

I. A organização dos tribunais é complexa em face dos múltiplos critérios possíveis para discernir as competências jurisdicionais exercidas, sendo ao mesmo tempo certo que a sua pluralidade é inevitável perante a evidência de não
se poder concentrar numa única instância todo o poder jurisdicional.

É assim que se pode observar que essa pluralidade de instâncias jurisdicionais se arruma de acordo com dois importantes critérios: o da hierarquia e o da matéria.

O texto constitucional alude a esses dois critérios para construir o edifício da jurisdição moçambicana, sendo certo, porém, que existem outros critérios relevantes para se aquilatar das competências dos tribunais.

Tem a máxima relevância apreciar o art. 223 da CRM e que neste ponto se afigura central:

Artigo 223
(Espécies)

1. Na República de Moçambique existem os seguintes tribunais:

a) o Tribunal Supremo;
b) o Tribunal Administrativo;
c) os tribunais judiciais.

2. Podem existir tribunais administrativos, de trabalho, fiscais, aduaneiros, marítimos, arbitrais e comunitários.

3. A competência, organização e funcionamento dos tribunais referidos nos números anteriores são estabelecidos por lei, que pode prever a existência de um escalão de tribunais entre os tribunais provinciais e o Tribunal Supremo.

4. Os tribunais judiciais são tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais.

5. Na primeira instância, pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas.

6. Sem prejuízo do disposto quanto aos tribunais militares, é proibida a existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes.

II. No plano da lei ordinária, é indispensável tomar nota da Lei da Organização Judiciária (LOJ), aprovada pela L no 24/2007, de 20 de agosto, com 120 artigos, debruçando-se sobre os seguintes assuntos:

– Capítulo I – Princípios gerais
– Capítulo II – Organização, competência e funcionamento dos Tribunais
– Capítulo III – Juízes eleitos
– Capítulo IV – Direção do aparelho judiciário
– Capítulo V – Inspeção judicial
– Capítulo VI – Disposições finais e transitórias

III. Numa perspetiva material, deparamos com o seguinte elenco de jurisdições diferenciadas:

– a jurisdição constitucional – “O Conselho Constitucional é o órgão de soberania ao qual compete especialmente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional”;
– a jurisdição comum – “Os tribunais judiciais são tribunais comuns em matéria civil e criminal…”;

– a jurisdição administrativa – “O controlo da legalidade dos atos administrativos e da aplicação das normas regulamentares emitidas pela Administração Pública, bem como a fiscalização da legalidade das despesas públicas e a respetiva efetivação da responsabilidade por infração financeira, cabem ao Tribunal Administrativo”.

A jurisdição comum é também a jurisdição residual, que se define por exclusão de partes, pois os tribunais judiciais “…exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais”.

A jurisdição militar deixou de ser permanente, passando a jurisdição eventual na situação de estado de guerra: “Durante a vigência do estado de guerra são constituídos tribunais militares com competência para o julgamento de crimes de natureza estritamente militar”.

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IV. De acordo com a perspetiva hierárquica, existem situações diferentes, de nenhuma diferenciação e de uma dupla instância de decisão judicial:

– jurisdição única, embora com mecanismos processuais que fazem admitir mais de um grau de decisão judicial, como sucede com parte das competências do Conselho Constitucional;

– jurisdições diferenciadas, em que os tribunais se apresentam por diferentes categorias, como sucede com os tribunais judiciais (o Tribunal Supremo e outros tribunais comuns inferiores).

O Tribunal Supremo e a jurisdição comum 

I. O Tribunal Supremo é considerado pela CRM como “…o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais”, integrando o elenco dos tribunais superiores.

Nos termos da LOJ, o “…Tribunal Supremo é o mais alto órgão da hierarquia dos tribunais judiciais e tem jurisdição em todo o território nacional”.

É ainda inerente às relevantes atribuições do Tribunal Supremo a faculdade que lhe é constitucionalmente deferida de ser um órgão uniformizador da jurisprudência, com o significado de assim se legitimar, ao nível da CRM, esta tarefa: “O Tribunal Supremo garante a aplicação uniforme da lei na esfera da sua jurisdição e ao serviço dos interesses do povo moçambicano”.

II. O Tribunal Supremo é também o mais alto tribunal dentro de uma jurisdição, que contém uma pluralidade hierarquizada de tribunais, que são os tribunais judiciais, com as seguintes instâncias:

– Tribunal Supremo;
– Tribunais Superiores de Recurso;
– Tribunais Judiciais de Província;
– Tribunais Judiciais de Distrito.

III. O Tribunal Supremo é composto por juízes conselheiros, com os seguintes cargos:

– Presidente e Vice-Presidente: “O Presidente da República nomeia o Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal Supremo, ouvido o Conselho Superior da Magistratura Judicial”;

– Juízes Conselheiros: “Os Juízes Conselheiros são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura Judicial, após concurso público, de avaliação curricular, aberto aos magistrados e a outros cidadãos nacionais, de reputado mérito, todos licenciados em Direito, no pleno gozo dos seus direitos civis e
políticos”.

Como requisito comum a todos os cargos dispõe-se que “Os Juízes Conselheiros do Tribunal Supremo devem, à data da sua designação, ter idade igual ou superior a trinta e cinco anos, haver exercido, pelo menos durante
dez anos, atividade forense ou de docência em Direito, sendo os demais requisitos fixados por lei”.

IV. O funcionamento do Tribunal Supremo apresenta três modalidades:

– pelo Presidente;
– pelo plenário; e
– pelas secções.

O Tribunal Administrativo e a jurisdição administrativa

I. Outra categoria de tribunais é a dos tribunais administrativos, realidade que deve ser vista no plural, não obstante a CRM se referir especificamente ao Tribunal Administrativo na Secção III do Capítulo III, relativa à Organização dos Tribunais.

Que assim é facilmente o comprova o próprio texto constitucional, ao admitir, a seguir à alusão que faz ao Tribunal Administrativo, a existência de outros tribunais administrativos: “Podem existir tribunais administrativos, de trabalho, fiscais, aduaneiro, marítimos, arbitrais e comunitários”.

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A CRM foi do mesmo modo assim interpretada pela Lei do Contencioso Administrativo, Financeiro, Fiscal e Aduaneiro (LCAFFA), a L no 24/2013, de 1 de novembro.

Fica, portanto, bem resolvida a questão de saber se existe uma jurisdição administrativa: existe e até é plural, simultaneamente do ponto de vista territorial, material e hierárquico.

II. Claro que o estatuto constitucional é quase monopolizado pelas regras que são dirigidas ao Tribunal Administrativo, que melhor se chamaria Supremo Tribunal Administrativo, até por harmonia com a sua posição de cúpula da jurisdição administrativa e por razões de igualdade material e protocolar com os outros supremos tribunais.

Seja como for, dele o texto da CRM diz: “O Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos, fiscais e aduaneiros”.

III. Já os restantes tribunais administrativos contam com um estatuto essencialmente dependente da LCAFFA, que no conjunto dos seus 81 artigos versa os múltiplos temas da matéria, na seguinte arrumação sistemática:

– Capítulo I – Disposições gerais
– Capítulo II – Tribunal Administrativo
– Capítulo III – Tribunais administrativos provinciais e Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo
– Capítulo IV – Tribunais fiscais e aduaneiros
– Capítulo V – Direção do aparelho judiciário administrativo
– Capítulo VI – Ministério Público
– Capítulo VII – Serviços de jurisdição administrativa
– Capítulo VIII – Disposições finais e transitórias

IV. Quer isto dizer que a jurisdição administrativa em Moçambique oferece os seguintes traços fundamentais:

– âmbito da jurisdição: “O contencioso administrativo e a fiscalização prévia da legalidade, concomitante e sucessiva das receitas e das despesas públicas, através do visto, são exercidas pelo Tribunal Administrativo, pelos tribunais administrativos provinciais e da Cidade de Maputo”, acrescentando-se que “Compete, ainda, ao Tribunal Administrativo o exercício do contencioso fiscal e aduaneiro, em instância única ou em segunda e terceira instâncias”;

– órgãos de jurisdição: o Tribunal Administrativo, os tribunais administrativos provinciais e da Cidade de Maputo, os tribunais fiscais e os tribunais aduaneiros;

– espécies de contencioso: contencioso administrativo, financeiro (de contas públicas), fiscal e aduaneiro.

V. A composição do Tribunal Administrativo recebe ainda algumas regras específicas, que vêm confirmar a sua posição de supremo tribunal na jurisdição administrativa, sendo composto por juízes conselheiros:

– Presidente: “O Presidente da República nomeia o Presidente do Tribunal Administrativo, ouvido o Conselho Superior da Magistratura Judicial Administrativa”;

– Juízes Conselheiros: “Os Juízes Conselheiros do Tribunal Administrativo são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura Judicial Administrativa”.

Também há um requisito comum àqueles cargos: “Os Juízes Conselheiros do Tribunal Administrativo devem, à data da sua nomeação, ter idade igual ou superior a trinta e cinco anos e preencher os demais requisitos estabelecidos por lei”.