1. Conceito
Os interesses públicos a cargo do Estado, ou de qualquer outra pessoa colectiva de fins múltiplos, podem ser mantidos pela lei no elenco das atribuições da entidade a que pertencem ou podem, diferentemente, ser transferidos para uma pessoa colectiva pública de fins singulares, especialmente incumbida de assegurar a sua prossecução.
Entende-se por “integração” o sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo Estado, ou pelas pessoas colectivas de população e território, são postos por lei a cargo das próprias pessoas colectivas a que pertencem.
E consideramos como “devolução de poderes” o sistema em que alguns interesses públicos do Estado, ou de pessoas colectivas de população e território, são postos por lei a cargo de pessoas colectivas públicas de fins singulares.
2. Vantagens e Inconvenientes
A principal vantagem da devolução de poderes é a de permitir maior comodidade e eficiência na gestão, de modo que a Administração Pública, no seu todo, funcione de forma mais eficiente, uma vez que se descongestionou a gestão da pessoa colectiva principal.
Quais são os inconvenientes da devolução de poderes? São a proliferação de centros de decisão autónomos, de patrimónios separados, de fenómenos financeiros que escapam em boa parte ao controle global do Estado.
3. Regime Jurídico
A devolução de poderes é feita sempre por lei.
Os poderes transferidos são exercidos em nome próprio pela pessoa colectiva pública criada para o efeito. Mas são exercidos no interesse da pessoa colectiva que os transferiu, e sob a orientação dos respectivos órgãos.
As pessoas colectivas públicas que recebem devolução de poderes são entes auxiliares ou instrumentais, ao serviço da pessoa colectiva de fins múltiplos que as criou.
4. Sujeição à Tutela Administrativa e à Superintendência
Importa começar por afirmar que os instrumentos públicos e as empresas públicas estão sujeitos a tutela administrativa. Não se pense, pois, que pelo facto de essas entidades se encontrarem, também sujeitas a superintendência não se acham submetidas a tutela.
Mas as entidades que exercem administração indirecta por devolução de poderes estão sujeitas a mais do que isso: além da tutela administrativa, elas estão sujeitas ainda a uma outra figura, a de um poder ou conjunto de poderes do Estado, a que a Constituição chama superintendência.
A superintendência, é o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa colectiva de fins múltiplos, de definir os objectivos e guiar a actuação das pessoas colectivas públicas singulares colocadas por lei na sua dependência.
É pois, um poder mais amplo, mais intenso, mais forte, do que a tutela administrativa. Porque esta tem apenas por fim controlar a actuação das entidades a ela sujeitas, ao passo que a superintendência se destina a orientar a acção das entidades a ela submetidas.
Temos três realidades distintas:
a) A administração directa do Estado: o Governo está em relação a ela na posição de superior hierárquico, dispondo nomeadamente do poder de direcção;
b) A administração indirecta do Estado: ao Governo cabe sobre ela a responsabilidade da superintendência, possuindo designadamente o poder de orientação;
c) A administração autónoma: pertence ao Governo desempenhar quanto a ela a função de tutela administrativa, competindo-lhe exercer em especial um conjunto de poderes de controle.
A superintendência é um poder mais forte do que a tutela administrativa, porque é o poder de definir a orientação da conduta alheia, enquanto a tutela administrativa é apenas o poder de controlar a regularidade ou a adequação do funcionamento de certa entidade: a tutela controla, a superintendência orienta.
A superintendência difere também do poder de direcção, típico da hierarquia, e é menos forte do que ele, porque o poder de direcção do superior hierárquico consiste na faculdade de dar ordens ou instruções, a que corresponde o dever de obediência a uma e a outras, enquanto a superintendência se traduz apenas numa faculdade de emitir directivas ou recomendações.
Qual é então, do ponto de vista jurídico, entre ordens, directivas e recomendações? A diferença é a seguinte:
- As ordens são comandos concretos, específicos e determinados, que impõem a necessidade de adoptar imediata e completamente uma certa conduta;
- As directivas são orientações genéricas, que definem imperativamente os objectivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e às formas a adoptar para atingir esses objectivos;
- As recomendações são conselhos emitidos sem a força de qualquer sanção para a hipótese do não cumprimento.
5. Natureza Jurídica da Superintendência
Três orientações são possíveis:
a) A superintendência como tutela reforçada: é a concepção mais generalizada entre os juristas. Corresponde à ideia de que sobre os institutos públicos e as empresas públicas os poderes da autoridade responsável são poderes de tutela. Só que, como comportam mais uma faculdade do que as normalmente compreendidas na tutela, isto é, o poder de orientação, entende-se que a superintendência é uma tutela mais forte, ou melhor, é a modalidade mais forte da tutela administrativa.
b) A superintendência como hierarquia enfraquecida: é a concepção que mais influencia na prática a nossa Administração. Considera nomeadamente que o poder de orientação, a faculdade de emanar directivas e recomendações, não é senão um certo “enfraquecimento” do poder de direcção, ou a faculdade de dar ordens e instruções;
c) A superintendência como poder de orientação: é a concepção que preconizamos. Consiste fundamentalmente em considerar que a superintendência não é uma espécie de tutela nem uma espécie de hierarquia, mas um tipo autónomo, sui generis, situado a meio caminho entre uma e outra, e com uma natureza própria.
A superintendência também não se presume: os poderes em que ela se consubstancia são, em cada caso, aqueles que a lei conferir, e mais nenhum. A lei poderá aqui ou acolá estabelecer formas de intervenção exagerada; a Administração Pública é que não pode ultrapassar, com os seus excessos burocráticos, os limites legais.
A superintendência tem natureza de um poder de orientação. Nem mais, nem menos: não é um poder de direcção, nem é um poder de controle.