Apontamentos Extinção e modificação do acto administrativo

Extinção e modificação do acto administrativo

1. A Extinção do Acto Administrativo em Geral

Os efeitos jurídicos do acto administrativo podem extinguir-se por vários modos.

Assim, e desde logo, em certos casos esses efeitos cessam imediatamente com a prática do acto: é o que se passa com os actos de execução instantânea, cujos efeitos jurídicos se esgotam ou consomem num só momento, numa aplicação isolada.

Noutros casos, os efeitos do acto administrativo perduram no tempo, só se extinguindo uma vez decorrido um certo período: é o que acontece com os actos de execução continuada.

A certos actos administrativos, por seu turno, podem ter sido apostos um termo final ou uma condição resolutiva: e então, uma vez atingido o termo ou verificada a condição, cessam os efeitos de tais actos.

Mas pode ainda suceder que os actos administrativos se extingam por ter sido praticado ulteriormente um outro acto cujo o conteúdo é oposto ao conteúdo do primitivo acto. Nestes casos, o segundo acto como que toma o lugar do primeiro, passando a ocupar o espaço até aí preenchido pelo acto originariamente praticado.

2. A Revogação

É o acto administrativo que se destina a extinguir os efeitos de outro acto administrativo anterior.

Com a prática da revogação, ou acto revogatório, extinguem-se os efeitos jurídicos do acto revogado.

Os seus efeitos jurídicos recaem sobre um acto anteriormente praticado, não se concebendo a sua prática desligada desse acto preexistente.

O conteúdo da revogação é a extinção dos efeitos jurídicos produzidos pelo acto revogado ou, se se preferir, é a decisão de extinguir esses efeitos.

O objecto da revogação é sempre o acto revogado, justamente porque a revogação é um acto secundário, um dos mais importantes actos sobre os actos.

É fundamental sublinhar que à revogação é, ela mesma, um acto administrativo: como tal, são-lhe aplicáveis todas as regras e princípios característicos do regime jurídico dos actos administrativos.

3. Figuras Afins

Da revogação há que distinguir certas figuras afins.

a) Em primeiro lugar, devem distinguir-se da revogação aqueles casos em, que a Administração pratica um acto administrativo de conteúdo contrário ao de um acto anteriormente praticado.

b) Em segundo lugar, não devem ser confundidos com a revogação aqueles casos em que é declarada a caducidade de um acto administrativo anterior.

c) Em terceiro lugar, também não devem ser confundidos com a revogação os casos em que a Administração declara a inexistência, ou a nulidade, de um acto administrativo anterior.

d) Em quarto lugar, há que distinguir da revogação a suspensão de um acto administrativo anterior. O conteúdo do acto de suspensão é a mera paralisação temporária da eficácia do acto administrativo anterior.

e) Em quinto e último lugar, a ratificação de erros materiais ou a aclaração de acto administrativo anterior não constituem igualmente casos de revogação.

4. Espécies

As espécies de revogação podem apurar-se à luz de diversos critérios, dos quais destacam-se quatro:

  1. Quanto à iniciativa: a revogação pode ser espontânea (ou oficiosa), é praticada pelo órgão competente independentemente de qualquer solicitação nesse sentido; ou provocada (art. 138º CPA), é motivada por um requerimento do interessado, dirigido a um órgão com competência revogatória.
  2. Quanto ao autor: a revogação pode ser feita pelo próprio autor do acto revogado está-se perante a retractação; ou por órgão administrativo diferente, o acto revogatório é praticado pelo superior hierárquico do autor do acto revogado ou pelo delegante, relativamente a actos anteriormente praticados por um subalterno ou por um delegado.
  3. Quanto ao fundamento: a revogação pode-se basear-se na ilegalidade (ou anulação graciosa), com ela visa-se reintegrar a ordem jurídica violada, suprimindo-se a infracção cometida com a pratica de um acto ilegal; ou na inconveniência do acto que é seu objecto, a prática do acto revogatório encontra a sua razão por ser um juízo de mérito, isto é, numa nova valoração do interesse público feita pelo órgão competente, independentemente de qualquer juízo de legalidade sobre o acto objecto da revogação.
  4. O conteúdo da revogação, que consiste na extinção dos efeitos do acto revogado, pode revestir uma de duas modalidades: a mera cessação, “ad futurum”, dos efeitos jurídicos do acto revogado – é a denominada revogação ab-rogatória –, ou a destruição total dos efeitos jurídicos do acto revogado, mesmo dos que tenham sido produzidos no passado – é a chamada revogação anulatória (art. 145º CPA).

Diz-se que a eficácia da revogação ab-rogatória é “ex nunc” (desde agora), e a revogação anulatória, tem eficácia “ex tunc” (desde então).

Assim, a revogação ab-rogatória ajusta-se aos casos em que o órgão administrativo competente mude de critério e resolva extinguir um acto anterior por considerar inconveniente; ao passo que a revogação anulatória é reservada pela lei para os casos em que acto a revogar tenha sido praticado com ilegalidade.

5. Regime da Revogabilidade dos Actos Administrativos

Pode afirmar-se que entre nós vigora o princípio da revogabilidade dos actos administrativos, nos termos do qual a Administração Pública dispõe da faculdade de extinguir os efeitos jurídicos de um acto que anteriormente praticou, desde que o repute ilegal ou inconvenientemente.

Com que limites, porém?

A este propósito há a distinguir dois tipos de situações: casos de revogação impossível e casos de revogação proibida.

a) Os casos de revogação impossível.

A revogação não pode ter lugar, porque, pura e simplesmente, faltam os efeitos jurídicos a extinguir.

Nestes casos, a revogação não pode produzir-se, nem lógica nem juridicamente.

E quais são os casos de impossibilidade da revogação (art. 139º CPA)?

1) É impossível a revogação de actos inexistentes ou de actos nulos;

2) É impossível a revogação de actos cujos efeitos já tenham sido destruídos, seja através de anulação contenciosa, seja através de revogação anulatória;

3) E impossível a revogação de actos já integralmente executados;

4) É também impossível a revogação de actos caducados.

b)    Os casos de revogação proibida.

Diferentemente, outras situações há em que a Administração, não deparando já com uma impossibilidade absoluta de revogação, não deve, todavia, sob pena de ilegalidade, revogar actos que haja anteriormente praticado.

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São fundamentalmente duas as situações que, importa referir:

  1. A Administração não deve revogar aqueles actos que tenham sido praticados no exercício de poderes vinculados e em estrita obediência de uma imposição legal. Há contudo, algumas excepções, nomeadamente, são revogáveis os actos vinculados se conferirem direitos renunciáveis e os titulares destes validamente renunciarem a esses direitos.
  2. Também não devem ser objecto de revogação os actos constitutivos de direitos que tenham sido legalmente praticados pela Administração Pública, ainda que no uso de poderes discricionários: assim o determinam, com efeito, o princípio da segurança nas relações jurídicas e a própria lei expressa

6. Actos Constitutivos de Direitos

Estes não são revogáveis pela Administração, a menos que sejam ilegais. Isto porque, de acordo com a lei, atribuíram direitos a alguém. A partir desse momento, a pessoa a que os direitos foram atribuídos tem de poder confiar na palavra dada pela Administração e tem de poder desenvolver a sua vida jurídica com base nos direitos que legislativamente adquiriu. É o princípio do respeito pelos direitos adquiridos, base da confiança na palavra dada.

Pelo contrário, os actos não constitutivos de direitos são livremente revogáveis pela Administração em qualquer momento e com qualquer fundamento. Justamente porque, não tendo criado direitos para ninguém, não há que ter em conta a protecção dos direitos adquiridos.

São actos constitutivos de Direitos, todos os actos administrativos que atribuem a outrem direitos subjectivos novos, ou que ampliam direitos subjectivos existentes, ou que extinguem restrições ao exercício dum direito já existente.

O conceito de acto constitutivo de direitos deve ir tão longe quanto a sua própria razão de ser: ora a razão de ser deste conceito é a necessidade de protecção de direitos adquiridos pelos particulares, para sua segurança e certeza das relações jurídicas.

Entende-se que deve-se considerar como actos constitutivos de direitos:

  1. Os actos criadores de direitos, poderes, faculdades e, em geral, situações jurídicas subjectivas;
  2. Os actos que ampliam ou reforçam esses direitos, poderes, faculdades ou situações jurídicas subjectivas;
  3. Os actos que extingam restrições ao exercício de direitos, nomeadamente as autorizações;
  4. Os actos meramente declarativos que reconheçam a existência ou a validade de direitos, poderes, faculdades ou situações jurídicas subjectivas. São os actos a que a doutrina chama verificações-constitutivas.

Devem ser considerados, pelo contrário, como actos não constitutivos de direitos:

  1. Actos administrativos internos;
  2. Actos declarativos que não consistam no reconhecimento da existência de direitos, poderes, faculdades ou situações jurídicas subjectivas;
  3. Actos constitutivos de deveres ou encargos;
  4. Autorizações e licenças de natureza policial;
  5. Actos precários por natureza;
  6. Actos em que a Administração Pública tenha validamente incluído uma cláusula do tipo “reserva de revogação”;
  7. Actos administrativos sujeitos, por lei ou cláusula acessória, à condição “sem prejuízo dos direitos de terceiros”;
  8. Actos inexistentes e actos nulos.

7. Regime de Revogação dos Actos Constitutivos de Direitos Ilegais

Os traços principais do regime jurídico da revogação de actos constitutivos de direitos são os seguintes:

1) O fundamento exclusivo da revogação é a ilegalidade do acto anterior;

2) A revogação de actos constitutivos de direitos ilegais deve ser feita:

a) Dentro do prazo fixado na lei para o recurso contencioso que no caso caiba;

b) Se tiver sido efectivamente interposto um recurso contencioso, pode o acto recorrido ser revogado – no todo ou em parte – até ao termo do prazo para a resposta ou contestação da autoridade recorrida (art. 28º e 47º LPTA).

8. Regime de Revogação dos Actos Não Constitutivos de Direitos

Os aspectos principais deste regime são:

  1. A revogação de actos não constitutivos de direitos pode ter por fundamento a sua ilegalidade, a sua inconveniência, ou ambas: afectivamente, a lei dispõe que essa revogação pode ter lugar em todos os casos;
  2. A revogação destes actos pode ter lugar a todo o tempo.

Efectivamente, a revogação de actos não constitutivos de direitos com fundamento em ilegalidade também só pode ter lugar dentro do prazo de recurso contencioso fixado na lei (art. 18º LOSTA e art. 77º LAL Revogação, reforma e conversão das deliberações:

 As deliberações dos órgãos autárquicos, bem como as decisões dos respectivos titulares, podem ser por ele, revogadas, reformadas ou convertidas, nos termos seguintes:

a) Se não forem constitutivas de direitos, em todos os casos e a todo o tempo;

b) Se forem constitutivas de direitos, apenas quando ilegais e dentro do prazo fixado na lei para o recurso contencioso ou até à interposição deste).

9. Competência para a Revogação

Pertence ao autor do acto, aos seus superiores hierárquicos (salvo, por iniciativa destes, se se tratar de acto da competência exclusiva do subordinado), ao delegante e, excepcionalmente e nos casos previstos na lei, ao órgão que exercer tutela revogatória (art. 142º CPA).

A lei não confere ao órgão competente numa determinada matéria o poder revogar o acto viciado de incompetência relativa praticado nessa matéria por outro órgão. Julgamos que faz mal, pois deveria ser também possível ao titular da competência dispositiva, com fundamento na invasão desta pelo órgão incompetente, revogar o acto administrativo praticado por este órgão. Não parece razoável que apenas lhe assista a possibilidade de recorrer de tal acto.

10. Forma e Formalidades da Revogação

O princípio que vigora aqui é o princípio da identidade ou do paralelismo das formas: quer isto dizer que tanto as formalidade como a forma do acto revogatório se hão-de apurar por referência às formalidades e à forma do acto revogado (art. 143º CPA).

Suscita-se, no entanto, a questão de saber se um tal parâmetro se deve buscar na forma legalmente prescrita para o acto revogado ou, diversamente, na forma efectivamente adoptada quanto a esse acto. No primeiro caso, a forma do acto de revogação será a consagrada na lei, independentemente da forma que tenha sido dada ao acto revogado; no segundo, a forma do acto de revogação deverá ser idêntica a forma do acto revogado, independentemente da sua conformidade ou desconformidade face à lei.

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Ora, a este propósito, cumpre distribuir aquilo que se passa com as formalidades daquilo que ocorre com a norma do acto revogatório.

Em relação às formalidades da revogação, a regra do paralelismo remete-nos para a observância daquelas que se encontram fixadas na lei, isto é, para as formalidades legalmente devidas, com uma excepção: daquela que se traduz em não haver lugar à observância de formalidades cuja a razão de ser se esgota na prática do acto revogado (art. 144º CPA).

11. Efeitos Jurídicos da Revogação

Os seus efeitos jurídicos, a revogação pode ser de dois tipos: revogação anulatória, retroage, os seus efeitos jurídicos ao momento da prática do acto revogado, a revogação opera “ex tunc”; aqui tudo se passa, como se o acto revogado nunca tivesse existido – o que, é consequência da ilegalidade que originariamente afectava esse acto. E revogação ab-rogatória, aqui respeitam-se os efeitos já produzidos pelo acto inconveniente, apenas cessando, para o futuro, os efeitos que tal acto ainda estivesse em condições de produzir. A revogação só opera “ex nunc”.

A revogação não produz efeitos apenas em relação a quem solicitou, mas sim em relação a todos (“erga omnes”), devendo, portanto, os seus efeitos ser acatados pelo particular interessado, pela Administração e por terceiros.

12. Fim da Revogação

A revogação não é a única possibilidade dada por lei à Administração para agir sobre actos que haja ilegalmente praticado: com efeito, para além de os poder revogar, ela pode ainda ratificá-los, convertê-los ou reformá-los. A Administração pode optar entre revogar acto ilegal e saná-lo. Ora, se assim é, pode concluir-se que a lei não quis vincular os órgãos administrativos à revogação de actos anteriores ilegais, antes lhe deixando a possibilidade de escolher entre a revogação e as modalidades de sanação da ilegalidade do acto que ao caso mais convenham.

Importa apurar qual o fim da revogação. Este só pode ser um de dois:

a) No caso de revogação de acto ilegal, a defesa da legalidade, através da supressão do acto que a ofendera;

b) No caso de revogação por inconveniência, a melhor prossecução do interesse público, tornada possível mediante uma reapreciação do caso concreto.

Nestes casos refere-se a desvio de poder.

13. Natureza Jurídica da Revogação

A regra geral não pode ser a de toda a revogação acarretar sempre um efeito repristinatório. Na grande maioria dos casos, a revogação não tem efeito repristinatório, pura e simplesmente porque não pode logicamente tê-lo, porque o problema não se põe.

Assim, se for revogada a revogação de um acto vinculado, a segunda revogação terá ou não efeito repristinatório consoante o sentido imposto pela vinculação legal: se o acto primário cumpriu o estabelecido na lei, a sua primeira revogação foi ilegal, e portanto a revogação desta deve entender-se que repõe em vigor o acto primário, por se tratar de um acto devido; se o acto primário foi ilegal, e a sua primeira revogação foi conforme à lei, a revogação desta é necessariamente ilegal e não pode ter como efeito repor em vigor o acto primário, por se tratar também de um acto ilegal.

Diferentemente se passam as coisas se for revogada a revogação de um acto discricionário: se o órgão competente revoga um acto administrativo que ele podia praticar ou deixar de praticar, ou dotar com um ou outro conteúdo, de acordo com a sua vontade, não parece lícito ligar sempre um efeito repristinatório à segunda revogação. O órgão competente pode com ela querer fazer renascer o acto primário, mas também pode querer apenas eliminar obstáculos à reponderação ulterior do assunto, sem se comprometer desde logo com uma determinada solução.

Na maior parte dos casos a revogação não tem efeito repristinatório, e se só o pode ter quando isso resulta claramente da vontade da lei ou da vontade do autor do acto, parece de concluir que em regra a revogação tem natureza meramente negativa ou destrutiva – visa na verdade extinguir, e não repor em vigor, actos anteriormente praticados.

Excepcionalmente, a revogação tem natureza construtiva quando o efeito repristinatório for consequência necessária de uma dada vinculação legal.

14. A Suspensão do Acto Administrativo

E a paralisação temporária dos seus efeitos jurídicos (art. 150º/2 CPA). Um acto administrativo pode ser suspenso por um de três modos distintos:

  1. Por efeito da lei ou “ope legis”: quando ocorrem certos factos que nos termos da lei produzem automaticamente um efeito suspensivo;
  2. Por acto da Administração ou suspensão administrativa: ocorre sempre que um órgão administrativo para o efeito competente decide, por acto administrativo, suspender um acto administrativo anterior.
  • Quem tem competência para proceder à suspensão administrativa? Vários tipos de órgãos:
  • Os órgãos activos a quem a lei conferir expressamente o poder de suspender;
  • Os órgãos competentes para revogar, porque “quem pode o mais, pode o menos”;
  • Os órgãos de controle que disponham do poder de voto suspensivo.
  1. A suspensão jurisdicional ou por decisão do Tribunal Administrativo: é aquela que pode ser imposta por um Tribunal Administrativo em conexão com um recurso contencioso de anulação.

 15. Ratificação, Reforma e Conversão do Acto Administrativo

Pertencem à categoria dos actos sobre os actos, por isso que os seus efeitos jurídicos se vão repercutir sobre os efeitos do acto ratificado, reformado ou convertido, como e, por natureza, tais efeitos produzem-se ex tunc, isto é, retroagem ao momento da prática do acto cuja ilegalmente visam sanar.

A “ratificação” (ou ratificação sanação), é o acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprido a ilegalidade que o vicia.

A “reforma”, é o acto administrativo pelo qual se conserva de um acto anterior a parte não afectada de ilegalidade.

A “conversão”, é o acto administrativo pelo qual se aproveitam os elementos válidos de um acto ilegal para com eles se compor um outro que seja legal.