Evolução do conceito de culpa enquanto categoria analítica
Para os clássicos a culpa era meramente psicológica, ou seja, cifrava-se na relação do agente para com o facto praticado. E enquanto faziam parte da ilicitude típica todos os elementos objectivos, era em sede de categoria analítica da culpa que os clássicos arrumavam todos os elementos subjectivos.
Assim o dolo e a negligência seriam integrados, ou incluídos na culpa, como elementos subjectivos (como formas de culpa).
Este conceito de culpa evoluiu, desde logo com os neo-clássicos, que passam a encarar a culpa como um juízo de censurabilidade. Já não era só a relação psíquica do agente para com o facto praticado que interessava, mas era também necessário valorar elementos exteriores a essa relação psíquica, para fundamentar um juízo de censura de culpa.
A culpa aparece aqui já impregnada de alguns elementos normativos, já não é puramente subjectiva.
Efectivamente, Frank ao traçar a distinção entre direito de necessidade e estado de necessidade subjectivo ou desculpante chega a esta conclusão.
Na verdade uma pessoa, ao praticar um facto, pode estabelecer para com esse facto uma relação de dolo ou uma relação de negligência. A pessoa pode ter querido praticar esse facto, ou a pessoa pode ter dado origem àquele facto, porque precisamente não se preveniu no sentido de evitar violar determinados deveres; e consequentemente, a violação desses deveres deu origem à prática daquele facto.
Frank começa a filiar o fundamento das causas de desculpa com base na ideia de exigibilidade: exigibilidade ou não de um comportamento diferenciado daquele que foi tido pelo agente no caso concreto. A ilicitude:
- É um juízo generalizado que a ordem fórmula, dirigido ao agente, mas que incide sobre o facto por ele praticado;
- É um juízo material e como tal, um juízo gradual: um facto pode ser mais ou menos grave, ou mais ou menos ilícito.
No juízo da culpa, já não se trata de ver se o agente com o seu comportamento violou um dever e se actuou em contrariedade com a ordem jurídica na sua globalidade[43]. Tem antes a ver com a ideia de poder, consequentemente, é um juízo individualizado que recai sobre cada agente em concreto. Então censura-se ao agente a atitude que ele revelou ao ter-se decidido pela prática de um facto que viola as exigências de um dever, pela prática de um facto ilícito, quando podia ter adoptado um comportamento diferenciado. E podia porque:
- Tinha capacidade de culpa;
- Tinha consciência da ilicitude do facto; era-lhe exigível que adoptasse, no caso concreto, um comportamento diferenciado, podia decidir-se de harmonia com as exigências do dever, em conformidade com os ditames da ordem jurídica.
Os finalistas adoptaram um conceito normativo de culpa, porque para eles e de harmonia com o próprio conceito de acção que eles tinham (quer era uma acção final), na culpa não interessava nada a relação psicológica que o agente tinha com o facto praticado, porque essa relação psicológica é transposta, no finalismo, para uma outra categoria analítica que é o tipo.
Os finalistas incluíram precisamente no tipo o dolo como elemento subjectivo geral. Assim, os tipos ou são dolosos ou são negligentes.
- São dolosos: o dolo é o elemento subjectivo geral do tipo;
- São negligentes: o elemento subjectivo é a própria negligência.
A relação psicológica que se estabelece entre o agente e o facto por ele praticado é reconduzida e analisada em sede de tipicidade. A culpa ficava expurgada na sua subjectividade.
Mas os finalistas levaram isto ao extremo e fundamentaram o juízo de censura de culpa e a culpa em ideias puramente valorativas, portanto, um conceito de culpa normativo e valorativo, composto por vários elementos:
- Capacidade de culpa;
- Consciência da ilicitude.
Para alguns autores:
- Exigibilidade de um comportamento diferenciado
E ainda, para outros autores:
- Inexistência de processos anormais de motivação.
Sendo assim, numa análise pós-finalista da categoria dogmática da culpa, pode-se concluir que o fundamento do juízo de censura de culpa é o poder, a possibilidade que o agente tinha de observar os comandos da ordem jurídica.
E o agente só tem possibilidade de observar esses comandos impostos pela ordem jurídica, essas exigências do dever, se:
- Tiver capacidade de culpa;
- Tiver actuado com consciência da ilicitude;
- Não tiver actuado em circunstâncias tão extraordinárias que à ordem jurídica não lhe reste outra alternativa senão tolerar ou desculpar o facto praticado.