Noção
São três os requisitos exigidos no art. 940º CC para que exista uma doação:
a) Disposição gratuita de certos bens ou direitos, ou assunção de uma dívida em benefício do donatário, ou seja, a atribuição patrimonial sem correspectivos;
b) Diminuição do património do doador;
c) Espírito de liberalidade.
A atribuição patrimonial, geradora de um enriquecimento, apresenta-se correntemente nas doações sob a forma duma transferência, do doador para o donatário, de um direito, especialmente de um direito de propriedade ou de outro direito real. Mas pode transferir-se por doação um direito de crédito (art. 578º/1 CC) e pode a transferência resultar do pagamento ou da assunção duma dívida do donatário, casos em que, igualmente, a uma diminuição de um dos patrimónios corresponde o aumento do outro, como pode resultar da remissão dum crédito do doador (art. 863º/2 CC). E pode a atribuição donativa consistir mesmo na remissão de um crédito a favor do devedor ou na contracção de uma nova obrigação, a título gratuito, para com a outra parte, como sucede na promessa de doação. A promessa de doação, aceita pelo beneficiário, constitui assim uma verdadeira doação, na medida em que cria desde logo um direito de crédito em benefício do promissário à custa do património do promitente. O direito real constituído no património do donatário pode não existir previamente, como tal, no património do doador, visto a doação não ter forçosamente natureza translativa. Assim, o usufruto objecto da doação tanto pode ser constituído pelo proprietário pleno (mediante alienação ou sucessão constitutiva), como ser pura e simples transmitido pelo usufrutuário.
Por último, o enriquecimento patrimonial integrador da doação pode consistir numa diminuição do passivo do beneficiário (perdão, remissão ou pagamento de uma dívida do beneficiário), em vez de se traduzir num aumento do activo, como é mais frequente.
O mútuo e o comodato também não integram a figura geral da doação, porque ao enriquecimento obtido à custa do património do mutuante ou do comodante, através da prestação constitutiva do contrato, corresponde, como elemento típico deste contrato, a obrigação de restituir, que neutraliza tal enriquecimento.
Forçoso é, para haver doação, que a atribuição patrimonial seja gratuita, e que não exista, portanto, um correspectivo de natureza patrimonial. Pode existir, entretanto, um correspectivo de natureza moral, sem que o acto perca a sua gratuitidade, assim como podem existir encargos impostos ao donatário (cláusulas modais), que limitem o valor da liberalidade (art. 963º CC).
Importa também, para que haja doação, que a atribuição patrimonial seja feita à custa do património do doador, que envolva uma diminuição da substância deste, que não haja um simples omissio adquirendi. Está, portanto, excluída toda a prestação de serviços, o comodato, o mútuo sem juros, o não exercício dum direito de preferência na intenção de beneficiar alguém – que não envolvem nenhuma diminuição do património do atribuinte.
Exige-se, por último, o espírito de liberalidade por parte do disponente. A liberalidade implica, em regra, a ideia de generosidade ou espontaneidade, oposta à de necessidade ou de dever. Aquele que cumpre, por exemplo, uma obrigação natural, não faz uma doação.
O espírito de liberalidade é um elemento subjectivo, sempre depende do Estado psicológico do doador, ao contrário da gratuitidade que depende da estrutura típica de cada um dos negócios jurídicos, tal como aprecem regulados na lei.
Doação remuneratória
O que caracteriza as doações remuneratórias (art. 941º CC) é a circunstância de não terem os serviços que se pretende remunerar a natureza de dívida exigível; não há uma obrigação por parte do doador em relação ao donatário. Sobressai, pois, nos dizeres da lei, o princípio de que há doação sempre que haja liberdade e espontaneidade. Por isso se não pode considerar como doação, por falta daquele requisito, nem o cumprimento da obrigação natural, nem o donativo conforme aos usos sociais, mesmo que haja remuneração, como no caso da gorjeta. Não havendo, porém, nem o dever jurídico nem o dever moral ou social de remunerar o serviço, a liberalidade não representa uma solutio nem uma dação em cumprimento: é uma doação. É esta a solução a que conduz este artigo 941º CC.
Por outro lado, elevando os serviços recebidos pelo doador à categoria de elemento típico ou diferenciador desta modalidade especial da doação (doação remuneratória), a lei atribui um relevo essencial a esses serviços – cuja inexistência há-de, por conseguinte, arrastar consigo a nulidade da doação.
Objecto da doação
A doação pode, em princípio, ter por objecto mediato bens de qualquer natureza: móveis ou imóveis, coisas simples ou compostas, fungíveis ou não fungíveis, consumíveis ou não consumíveis, divisíveis ou indivisíveis.
A doação de bens futuros é afastada por virtude da natureza especial do contrato de doação.
Consideram-se bens futuros, nos termos do art. 211º CC todos os que não estão ainda no poder do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial. As coisas alheias são sempre, portanto, para este efeito, bens futuros, e, por isso, se consideram nulas as doações de tais bens (art. 956º CC). Não deve, porém, confundir-se a doação de bens futuros com a doação, não de bens, mas de um direito que tenha por objecto coisas ainda não existente no património do doador. Como exemplos característicos de tais negócios poder-se-á citar o da doação de um usufruto e o da doação do direito de explorar uma pedreira ou uma mina. Os frutos, a pedra e o minério são coisas futuras, mas o direito transmitido é actual.
Aceitação da doação
Para que se conclua o processo constitutivo do contrato de doação, é necessário a aceitação do donatário. Antes dela, poderá existir uma simples proposta de doação, mas não uma doação, pois o acordo de vontades é sempre elemento essencial nos termos do art. 232º CC da formação de qualquer contrato. A lei admite, todavia uma excepção em relação às doações puras, feitas a pessoas que não têm capacidade para contratar, as quais produzem efeitos independentemente da aceitação em tudo o que aproveite aos donatários (art. 951º/2 CC). Mas já não admite a possibilidade, de a doação se ter por consumada com a simples falta de repúdio do donatário, no caso de o doador fixar um prazo para a aceitação do donatário e este nada declarar dentro do prazo estabelecido.
A aceitação deve ter lugar, sob pena de caducidade da proposta, durante a vida do doador, não sendo necessário porém, que ocorra no mesmo momento em que é feita a declaração do doador.
À parte o caso de aceitação tácita, previsto no art. 945º/2 CC deve entender-se, em regra, que a simples intervenção do donatário no acto da doação, sem que este exprima o seu dissentimento, é manifestação bastante de aceitação (art. 217º CC).
É havida como aceitação, nos termos do art. 945º/2 CC a tradição para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada ou do seu título representativo.
Pode a tradição verificar-se no momento da proposta ou num momento posterior, mas terá de realizar-se antes da morte do doador (art. 945º/1 CC); e pode a tradição ser feita pelo doador ou por seu representante, mandatário ou comissário. Ela tem sempre o mesmo significado, desde que, como diz a lei, seja feita para o donatário, como tem o mesmo significado de aceitação a entrega do título representativo do direito transmitido. Claro que não é assim, imperativamente. A tradição não significa aceitação, quando tem uma causa diferente, como acontece na hipótese de o declaratário receber os bens a título de administrador e não de donatário.
Quando a proposta não é aceita no próprio acto (aceitação contratual) ou não se verifica a tradição, a aceitação tem de obedecer, nos termos do art. 945º/3 CC), à forma prescrita no art. 947º CC e ser declarada ao doador, sob pena de ineficácia. Tratando-se, pois, de doação de coisa imóvel, há necessidade de nova escritura pública. Tratando-se de coisa móvel, a aceitação tem de ser feita por escrito.
Se a coisa doada não for entregue no acto da doação, a realização posterior da prestação devida pelo doador não constitui, evidentemente, uma nova doação ou uma doação renovada.
Tratar-se-á apenas do cumprimento duma obrigação ou seja, de uma atribuição patrimonial realizada solvendi causa, sem por esse facto deixar de ser uma atribuição gratuita, visto a sua causa repousar no contrato básico de doação.
Forma de doação
A exigência de escritura pública para as doações de bens imóveis é confirmada pelo art. 80º/1 Código de Notariado. Essas doações estão, além disso, sujeitas a registo, nos termos do art. 2º/1-a Código de Registo Predial.
Não basta, para preencher o objectivo visado pela lei, a simples tradição da coisa móvel, mediante constituto possessório, que aliás não é vulgar em relação às coisas móveis. Quando, por qualquer razão, o doador pretenda continuar na posse da coisa doada, haverá necessidade de recorrer a documento escrito, para assegurar a validade do acto.
Capacidade para fazer ou receber doações
a) Capacidade activa
Os incapazes não podem, portanto, fazer doações, e nem os seus representantes o podem fazer em nome deles, como se preceitua no art. 949º/2 CC (ver quanto ao tutor art. 1937º-a CC). Envolve, porém, uma importante derrogação a esta regra o disposto no art. 1708º CC quanto à capacidade para celebrar convenções antenupciais, e, consequentemente, quanto às doações que podem constituir parte integrante das mesmas convenções (doações entre esposados e doações, por morte, de esposados a terceiros). Nestes casos, inspirados pelo favor matrimonii, os menores, os inabilitados, podendo celebrar convenções antenupciais com autorização dos respectivos representantes legais, podem fazer, nas mesmas condições, doações entre esposados e doações por morte a terceiros, estas nos termos do art. 1700º/1-b CC desde que tenham capacidade para contrair casamento.
A regra de que a capacidade é regulada pelo Estado em que o doador se encontra ao tempo da declaração negocial (proposta de doação), conjugada com a de que a capacidade do donatário é fixada no momento da aceitação (art. 950º/2 CC), conduz à possibilidade de a doação se tornar efectiva num momento em que o doador já não tem capacidade para doar. Não se afasta a lei, de resto, sob este aspecto, do princípio geral contido no art. 231º CC acerca da incapacidade superveniente do proponente, embora quanto à morte destes as coisas se passem de outra maneira, dado que as doações têm de ser aceitas em vida do doador (art. 945º/1 CC).
Quanto à capacidade das pessoas colectivas para fazer doações, importa ter presente a regra da especialidade, através da qual deve ser filtrada, no que toca às associações e fundações, a capacidade geral das pessoas singulares (art. 160º CC).
b) Capacidade passiva
Tal como no tocante à capacidade activa, também no que respeita à capacidade do donatário se não adoptou o princípio da equiparação à capacidade em matéria testamentária.
Não se estabelece no art. 950º CC qualquer desvio às regras gerais sobre capacidade contratual. Apenas se admitem inibições especialmente previstas na lei, entre essas inibições, contam-se as abrangidas no art. 953º CC. Além disso, o art. 952º CC admite que a doação seja feita não só a favor dos concebidos, como de nascituros nem sequer concebidos ainda.
As pessoas colectivas também podem aceitar livremente doações que lhes sejam feitas, mesmo que tenham por objecto imóveis.
A aceitação é a declaração de vontade constitutiva do contrato, por parte do donatário. Ela pode ser contemporânea da proposta de doação e pode ter lugar num momento posterior e, consequentemente, num momento em que já seria incapaz o proponente. Não há, neste aspecto, desvios das regras gerais.
Tal como a declaração do doador, também a vontade de aceitação do donatário tem carácter pessoal, embora o donatário possa ser representado para o efeito nos termos acima referidos e até por meio de representante voluntário.
- 7. Carácter pessoal da doação
O carácter pessoal das doações ficou equiparado ao das disposições testamentárias, admitindo-se as mesmas excepções, que são a da repartição dos bens doados por uma generalidade de pessoas e a da escolha do donatário de entre pessoas determinadas pelo doador (art. 2182º/2 CC) – casos em que a vontade do terceiro, em lugar de se substituir à vontade do doador, vem apenas completá-la ou executá-la, visto esta se encontrar já determinada nos seus aspectos fundamentais.
Art. 949º/2 CC não admite também que os representantes legais dos incapazes façam doações em nome destes, ao contrário do que sucede quanto à possibilidade de, em nome deles, as aceitarem.
No Código Civil em disposição especial, proíbe-se o tutor de dispor a título gratuito dos bens do menor (art. 1937º-a CC), sendo esta disposição aplicável à tutela de maiores (art. 139º CC) – por aqui se vendo, com toda a clareza, que não é uma falta de capacidade dos menores ou interditos, que se trata, mas de uma falta de legitimação dos tutores para a realização dos actos a título gratuito.
- 8. Efeitos das doações
a) Efeitos essenciais
Este artigo harmoniza-se com a noção de doação expressa no art. 940º CC.
Sempre que incida sobre coisa determinada, a doação é um contrato de eficácia real (quod effectum), no sentido de que a transferência da propriedade ou da titularidade do direito se verifica em consequência do próprio contrato (art. 408º CC), e dele nasce, consequentemente, para o doador, a obrigação de entregar a coisa doada (não a obrigação de transferir o domínio ou o direito doado). Este preceito do art. 954º CC consagrando a imediata eficácia translativa ou constitutiva do contrato de doação, equivale ao do art. 879º CC relativo à compra e venda. Não há nele, porém, nenhuma referência ao preço, por este não existir, e há referência à assunção da obrigação, que não existe no outro. Esta diversidade reflecte a diferença entre a onerosidade da compra e venda e a gratuitidade da doação.
Os efeitos referidos são os efeitos essenciais. Muitos outros resultam, ou podem resultar, quer das cláusulas acessórias eventualmente insertas no contrato, quer de eventos previstos na lei. A alguns deles se fará referência especial.
Tratando-se de doação de coisas imóveis, há sempre que ter em contra, não só a exigência de forma constante do art. 947º/1 CC mas também a necessidade de registo para a eficácia do acto e, relação a terceiros.
b) Entrega da coisa
Os dois números do art. 955º CC correspondem, apenas com a necessária adaptação, aos dois primeiros números do art. 882º CC relativos ao contrato de compra e venda.
À obrigação de entrega da coisa, que recai sobre o doador, são no entanto aplicáveis as regras gerais válidas para o comum das obrigações de prestação de coisa, nomeadamente as que se referem ao tempo, lugar e modo do cumprimento e as que fixam os efeitos da mora do devedor (v.g. art. 807º CC), bem como as consequências da violação positiva do contrato.
O princípio de que a coisa doada deve ser entregue no estado em que se encontra ao tempo da aceitação encontra-se intimamente relacionado com a regra (art. 957º CC) que limita a sua responsabilidade pelos vícios da coisa.
c) Doação de bens alheios
Como princípio geral, a doação de coisa alheia é nula, como nula é a compra e venda, não podendo o doador opor a nulidade do contrato ao donatário de boa fé, como o vendedor não apode opor ao comprador nas mesmas condições (art. 892º CC). Esta última solução dará como resultado que a doação se convalida, na hipótese de o doador, na hipótese de o doador vir a adquirir, por qualquer título, a coisa doada, antes de a declaração de nulidade ser requerida por algum interessado.
Pelo que respeita, porém, à responsabilidade do doador perante o donatário, no caso de este ser privado da coisa ou do direito, já o regime é diferente. Em princípio, o doador não é responsável pelo prejuízo que sofra o donatário. Mal se compreenderia, na verdade, que ele respondesse por esse prejuízo, tendo-se despojado gratuitamente dos bens. Pode dizer-se mesmo, com rigor, que o donatário não tem prejuízo. Apenas se vê privado dum benefício, do lucro que teria, se o negócio fosse válido.
A título excepcional admite-se, porém, a responsabilidade do doador, no art. 956º/2 CC, se, por um lado, o donatário tiver procedido de boa fé, isto é, tiver aceitado a doação convicto de que a coisa ou o direito pertencia ao doador, e, por outro lado, se verificar uma das circunstâncias previstas na lei.
A indemnização, quando haja lugar a ela nos termos do art. 956º/2 CC abrange apenas os danos emergentes e não os lucros cessantes (art. 564º CC); mas é computado naqueles danos o valor da coisa ou do direito doado. Aproxima-se esta solução da do art. 899º CC haja ou não dolo por parte do doador (art. 956º/2-b CC).
- 9. Revogação das doações
a) Revogação da proposta de doação
Estabelecem-se no art. 969º CC dois desvios às regras gerais dos negócios jurídicos: o da livre revogação da proposta, enquanto não for aceita; e o da não caducidade desta.
O direito de revogação duma proposta negocial não é reconhecido, em princípio, depois de esta ser recebida pelo destinatário ou ser dele conhecida (art. 230º CC). Por outro lado, porém, a proposta caduca, decorridos os prazos referidos nas três alíneas do art. 228º/1 CC.
Ora, em relação à doação, o recebimento da proposta não priva o proponente do direito de a revogar enquanto ela não for aceita, e o decurso daqueles prazos não inibe, por seu turno, o donatário de a aceitar. A referência genérica que é feita a todos os prazos no art. 228º/1 CC mostra que esta possibilidade de aceitação existe mesmo no caso previsto no art. 228º/1-a CC o que significa, afinal, que o doador não pode impor eficazmente, ao donatário um prazo para a aceitação. Se aquele quiser evitar que a doação se torne efectiva e irrevogável, precisa, em qualquer caso, de a revogar, com observância das formalidades da proposta.
b) Prazo e legitimidade para a acção
A natureza pessoal do direito de revogação resulta claramente do art. 976º/1 CC. Em princípio, só o doador pode intentar a respectiva acção, e esta só pode ser proposta contra o donatário e não contra os seus herdeiros. Não há, pois, possibilidade de exercício da acção sub-rogatória por parte dos credores (art. 606º CC). Permite apenas, no art. 976º/2 CC que a acção de revogação prossiga a favor de herdeiros ou contra herdeiros, se o doador ou os donatários falecerem na pendência dela, não sendo assim possível aos herdeiros do doador intentar a acção revogatória, mesmo que o doador tenha morrido antes de decorrido o prazo de um ano, dentro do qual ele a poderia instaurar.
Estabelecem-se no art. 976º CC dois prazos para a proposição da acção: um para o doador; outro para os herdeiros deste, no caso especial do art. 976º/3 CC.
O primeiro é de um ano a contar do facto que deu causa à revogação ou do momento em que o doador teve conhecimento dele. Intentada, pois, a acção depois de decorrido um ano sobre o facto, terá o autor de provar que só posteriormente teve conhecimento da sua existência. Nos casos das alienas a) e b) do art. 2034 CC ou das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 2166º CC, o facto que fundamenta a revogação é a condenação e não o crime, pelo que o prazo se conta a partir da condenação.
O segundo prazo é igualmente de um ano a partir da morte do doador. É preciso, porém, entender em termos hábeis a atribuição deste novo prazo. O que a lei pretende, obviamente, é assegurar aos herdeiros um prazo mínimo para a proposição da acção, e não limitar-lhes os prazos concedidos ao doador.
Ambos os prazos referidos são de caducidade, e não de prescrição, concluindo-se da sua brevidade que há o maior interesse em que o doador ou os seus herdeiros definam com bastante prontidão a sua atitude, quanto à manutenção da liberalidade, em face da conduta reprovável do donatário. Não podem os prazos sofrer suspensão, nem podem ser interrompidos (art. 328º CC).
c) Efeitos da revogação
A revogação dum contrato assemelha-se à sua resolução, mas não se identifica com ela, por virtude da eficácia retroactiva de que goza, em princípio, a resolução. É por vezes difícil fixar os limites divisórios dos dois fenómenos, porque, em qualquer dos casos, a ideia geral que domina a sua eficácia é a da eliminação do contrato. Simplesmente, aqui não pareceu correcto falar de resolução, com aplicação das disposições dos arts. 432º segs. CC, julgando-se antes preferível falar em revogação, com aplicação do regime especial dos arts. 978º e 979º CC: o primeiro, quanto aos efeitos em relação aos contraentes; o segundo, quanto aos efeitos em relação a terceiros. Em vez de se equiparar a revogação à nulidade, como se fez no art. 433º CC em relação à resolução do contrato, considera-se apenas extinto o contrato a partir da proposição da acção, de acordo com a eficácia ex nunc própria da revogação.
Decretada a revogação pelo tribunal, os bens doados devem ser restituídos ao doador, no estado em que se encontrem. Este direito não tem porém, natureza real; é simplesmente um direito de crédito, pois se os bens tiverem sido alienados ou não poderem ser restituídos em espécie, por causa imputável ao donatário, serão restituídos apenas em valor – o valor que tinham ao tempo em que forma alienados ou se verificou a impossibilidade da restituição.
Se os bens tiverem perecido por causa não imputável ao donatário, este não é obrigado à restituição, nem em espécie nem em valor. O risco corre, portanto, por conta do doador e não do donatário. O donatário goza, na verdade, até à proposição da acção, do direito absoluto de utilizar a coisa em seu benefício. O donatário responderá, no entanto, pelo prejuízo que cause intencional ou culposamente, com base na responsabilidade por factos ilícitos, uma vez que o direito do doador à revogação existe desde a verificação do facto que lhe serve de fundamento.
d) Efeitos em relação a terceiros
Respeitam-se todos os direitos reais que tenham sido constituídos por terceiro anteriormente à demanda. Assim acontecerá com uma hipoteca, um penhor, uma consignação de rendimentos, um usufruto, uma servidão, etc., sem prejuízo, diz a lei, das regras relativas ao registo. Estes direitos, quando incidam sobre coisas imóveis, necessitam, pois, de ser registados antes do registo da acção de revogação.
A manutenção dos direitos reais constituídos em benefício de terceiros importa para o donatário a obrigação de indemnizar o doador. A solução harmoniza-se com a do art. 978º/3 CC respeitante à alienação dos bens. À restituição em valor corresponde, neste caos, uma indemnização pela diminuição do seu valor.