Apontamentos Atuação profissional em educação física e desporto após a independência

Atuação profissional em educação física e desporto após a independência

A atuação dos professores de Educação Física após a independência de Moçambique passou a abranger o Ensino Primário e o Ensino Secundário.

O ensino Primário divide-se em três ciclos de aprendizagens nomeadamente 1º (1ª e 2ª classes), 2º (3ª, 4ª e 5ª classes) e 3º (6ª e 7ª classes). Por sua vez, o Ensino Secundário divide- se em 2 ciclos de aprendizagens: 1º (8ª a 10ª classe) e 2º (11ª e 12ª classes) (MOÇAMBIQUE, 1992).

No período entre 1975 e 2003, a Educação Física era pouco praticada nas escolas moçambicanas. Razões como programas desajustados à realidade moçambicana, saída de muitos professores de Educação Física com formação logo depois da independência, formação deficiente dos professores, aulas de Educação Física ministrada por não formados, ausência de manuais escolares para professores e escassez de espaços físicos e infraestruturas adequadas para a sua prática ditaram o fracasso desta disciplina em algumas escolas (MURIA; PICARDO; PESSULA, 2006).

Também o número excessivo de alunos por turma, entre 70 e 90 no Ensino Primário e entre 40 e 50 no Ensino Secundário, aliado ao facto de, na mesma sala de aula, estarem presentes falantes de diferentes línguas, de um total de 22 línguas do país, por vezes se encontram até 4 línguas, dificultando comunicação entre docente e estudantes, constituem outro entrave na lecionação.

O programa de Educação Física do ensino primário e secundário que vigorou no período de 1930 a 2003 não sofreu nenhuma alteração nem ajustamento ao nível dos temas, atualidade científica e metodológica, mesmo depois da evolução, a nível mundial, das modalidades em termos de regulamentação.

Os temas de Educação Física eram constituídos por Atletismo, Basquetebol, Futebol, Ginástica, Handebol e Voleibol, o que demonstra predomínio de conteúdos hegemônicos e eurocêntricos na escola em detrimento de jogos e danças tradicionais moçambicanas.

No entanto, com as reformas curriculares de 2003 (ensino primário) e 2008 (ensino secundário) verificou-se a necessidade de atribuir 20% dos conteúdos lecionados ao Currículo Local.

Nesta perspectiva, as práticas étnico-culturais da comunidade tem espaço para serem lecionados a partir dos saberes que os pais, encarregados de educação e os líderes comunitários possuem.

Outra realidade da atuação profissional é que as poucas escolas que possuem espaços para a prática debatem-se com o problema da programação dado que na mesma hora estão programadas mais de quatro turmas para terem aulas de Educação Física.

Um estudo realizado pelo INDE/MEC (2005) no ensino secundário constatou que muitos alunos responderam negativamente à preferência da disciplina de Educação Física comparativamente a outras disciplinas do currículo. Apurou-se igualmente, em uma pequena amostra da atuação profissional, que dos 46 professores de Educação Física inquiridos, 22 não tinham formação na área, 21 tinham o nível médio e 2 licenciatura.

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Outrossim, o Ministério da Educação e Cultura em parceria com o UNICEF realizou uma pesquisa para verificar quais os conhecimentos, práticas e atitudes dos professores que atuam no ensino primário e secundário em Educação Física nas províncias de Gaza, Sofala, Zambézia, Nampula e Cabo Delgado.

Do estudo, constatou-se que:

(1) Os entrevistados reconhecem a importância da Educação Física e Desporto na promoção da saúde, na formação integral da criança e na aprendizagem de outros. As crianças ingressam na escola primária com 6 anos de idade. O Currículo Local é uma componente do currículo nacional correspondente a 20% do total do tempo previsto para a lecionação de cada Disciplina. Esta componente é constituída por conteúdos definidos localmente como sendo relevantes, para a integração da criança na sua comunidade (INDE/MEC, 2003), conhecimentos;

(2) A sua implementação está sujeita a constrangimentos de ordem material, infraestrutural, capacitação de professores;

(3) Os professores privilegiam o ensino das técnicas em prejuízo das razões pelas quais são ensinadas, o jogo;

(4) A dança e jogos tradicionais não são devidamente lecionados no ensino secundário;

(5) Há interferência de questões étnico-culturais na participação das meninas nas aulas (MEC, 2009).

A atuação profissional é igualmente influenciada pelo fator cultural de divisão de papéis nas zonas rurais, como nos elucida Castiano (2008, p. 8):

Os rapazes ainda cedo são educados a ter destreza e força para poder trepar árvores para tirar frutas, poder resistir à dor, […] por isso, devem ser bravos e fortes. Cedo são lhes exigido habilidades, não só cognitivas, mas também de domínio corporal como construir uma casa, cuidar de um rebanho, correr para transmitir notícias a famílias longínquas, saber nadar, pescar e caçar. Por outro lado, as raparigas devem aprender a conhecer o seu corpo, a saber aguentar com prazer a dor da gravidez, a não serem preguiçosas porque devem trazer água, acordar muito cedo para varrer o quintal, cuidar dos irmãos mais novos, conter-se dos excessos que a vida dispõe.

Constatamos que nas zonas urbanas as preocupações com o corpo estão relacionadas com a obesidade devido à crescente urbanização.

Por isso, a Educação Física apresenta uma ideia de manutenção da saúde e a aquisição da aptidão física entre outras finalidades como atesta o artigo de Saranga, Prista e Maia (2002), que demonstra existir uma tendência de diminuir a aptidão física devido à alteração do estilo de vida das crianças e jovens provocadas pela falta de espaço para a realização das atividades físicas, jogos, brincadeiras e pela proliferação dos jogos eletrônicos.

Daí entendermos que o ensino da Educação Física nas zonas rurais e urbanas está submetido à educação de valores, isto é, educar o corpo significa fortalecê-lo para superar os desafios da vida ou moldá-lo para ser perfeito. Isto mostra que a atual Educação Física apresenta fortes marcas do paradigma cartesiano, que fragmenta e mecaniza o corpo, quando pretende educar o corpo para suportar a dor, sobreviver, ser ativo e esbelto.

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Olhando para os propósitos do Governo verificamos que a área de Educação deve assegurar que cada criança na escola tenha conhecimentos e habilidades básicas que lhe permitam saber ler, escrever e contar. Por outro, apresenta como prioridades do Governo para a área do Desporto garantir a prática regular da atividade física e desportiva em todos os subsistemas desportivos contribuindo para que os jovens desenvolvam o capital humano e social (MOÇAMBIQUE, 2015).

Todavia, podemos observar neste documento a convivência entre o corpo-objeto e o corpo-sujeito quando, por um lado prioriza-se o desenvolvimento da mente na escola (saber ler, escrever e contar) e, por outro lado, preocupa-se em desenvolver o capital humano e social através do desporto, fora da escola.

Entre 2012 e 2017, em visitas às escolas primárias nas cidades de Maputo, Matola e Tete nas quais pretendíamos observar a lecionação da Educação Física verificamos a atuação deficitária do professor de Educação Física no 1º e 2º ciclos do ensino primário, pois, estes enfrentam dificuldades didático-metodológicas para ensinar os temas. O uso de calções não é bem vista pelos mais velhos programados e algumas vezes não lecionam as aulas nestas classes alegando motivos como a escassez de instalações e materiais.

No entanto, os professores que leccionam os seus temas nas aulas de Educação Física são forçados a buscar estratégias como nos apresenta Pessula (2014), a partir da realidade da Cidade da Matola, a qual nos permite elucidar a atuação do professor aonde verificamos o uso de espaços existentes no pátio escolar para criar condições de práticas com características que se ajustam ao tipo de aula, sendo o atletismo, ginástica, futebol, basquetebol, handebol e voleibol os temas lecionados.

Simultaneamente há a produção de materiais alternativos de baixo custo como, por exemplo, paus de vassouras cortadas a tamanho de 20cm para servir de testemunhos no atletismo; capulana para servir de tapete na ginástica; cordas para servir de rede no voleibol.

Em escolas observadas na cidade de Tete foi possível verificar que os professores assumem a desconstrução de gênero nos seus discursos, porém, na prática não acontece.

Observamos na organização e orientação das aulas (prática) a separação de atividades por gênero associada às características biológicas (BIVE; PESSULA, 2018).

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