1. Conceito de Organização
A organização pública é um grupo humano estruturado pelos representantes de uma comunidade com vista à satisfação de necessidades colectivas predeterminadas desta.
O conceito de organização pública integra quatro elementos:
a) Um grupo humano;
b) Uma estrutura, isto é, um modo peculiar de relacionamento dos vários elementos da organização entre si e com o meio social em que ela se insere;
c) O papel determinante dos representantes da colectividade do modo como se estrutura a organização;
d) Uma finalidade, a satisfação de necessidades colectivas predeterminadas.
2. Preliminares
Importa fazer três observações prévias.
A primeira consiste em sublinhar que as expressões pessoa colectiva pública e pessoa colectiva de Direito Público são sinónimas, tal como o são igualmente entre si pessoa colectiva privada e pessoa colectiva de Direito Privado.
Em segundo lugar, convém sublinhar desde já a enorme importância da categoria das pessoas colectivas públicas e da sua análise em Direito Administrativo. É que, na fase actual da evolução deste ramo de Direito e da Ciência que o estuda, em países como o nosso e em geral nos da família Romano-germânica, a Administração Pública é sempre representada, nas suas relações com os particulares, por pessoas colectivas públicas: na relação jurídico-administrativa, um dos sujeitos, pelo menos, é em regra uma pessoa colectiva.
Enfim, cumpre deixar claro que, ao fazer-se a distinção entre pessoas colectivas públicas e pessoas colectivas privadas, não se pretende de modo nenhum inculcar que as primeiras são as que actuam, sempre e apenas, sob a égide do Direito Público e as segundas as que agem, apenas e sempre, à luz do Direito Privado; nem tão-pouco se quer significar que umas só têm capacidade jurídica pública e que outras possuem unicamente capacidade jurídica privada.
3. Conceito
Pessoas colectivas públicas são entes colectivos criados por iniciativa pública para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, dispondo de poderes políticos e estando submetidos a deveres públicos.
Vejamos em que consistem os vários elementos desta definição:
a) Trata-se de entidades criadas por iniciativa pública. O que significa que as pessoas colectivas públicas nascem sempre de uma decisão pública, tomada pela colectividade nacional, ou por comunidades regionais ou locais autónomas, ou proveniente de uma ou mais pessoas colectivas públicas já existentes: a iniciativa privada não pode criar pessoas colectivas públicas. As pessoas colectivas públicas são criadas por “iniciativa pública”, expressão ampla que cobre todas as hipóteses e acautela os vários aspectos relevantes:
b) As pessoas colectivas públicas são criadas para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos. Daqui decorre que as pessoas colectivas públicas, diferentemente das privadas, existem para prosseguir o interesse público – e não quaisquer outros fins. O interesse público não é algo que possa deixar de estar incluído nas atribuições de uma pessoa colectiva pública: é algo de essencial, pois ela é criada e existe para esse fim.
c) As pessoas colectivas públicas são titulares, em nome próprio, de poderes e deveres públicos. A referência à titularidade “em nome próprio” serve para distinguir as pessoas colectivas públicas das pessoas colectivas privadas que se dediquem ao exercício privado de funções públicas: estas podem exercer poderes públicos, mesmo poderes de autoridade, mas fazem-no em nome da Administração Pública, nunca em nome próprio.
4. Espécies
As categorias de pessoas colectivas públicas no Direito português actual, são seis:
a) O Estado;
b) Os institutos públicos;
c) As empresas públicas;
d) As associações públicas;
e) As autarquias locais;
f) As regiões autónomas.
Quais são os tipos de pessoas colectivas públicas a que essas categorias se reconduzem? São três:
a) Pessoas colectivas de população e território, ou de tipo territorial – onde se incluem o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais;
b) As pessoas colectivas de tipo institucional – a que correspondem as diversas espécies de institutos públicos que estudámos, bem como as empresas públicas;
c) As pessoas de tipo associativo – a que correspondem as associações públicas.
5. Regime Jurídico
O regime jurídico das pessoas colectivas públicas não é um regime uniforme, não é igual para todas elas: depende da legislação aplicável. No caso das autarquias locais, todas as espécies deste género têm o mesmo regime, definindo basicamente na Constituição, na LAL e no CA. Mas já quanto aos institutos públicos e associações públicas, o regime varia muitas vezes de entidade para entidade, conforme a respectiva lei orgânica.
Da análise dos diversos textos que regulam as pessoas colectivas públicas, podemos concluir que os aspectos predominantes do seu regime são os seguintes:
a) Criação e extinção – são criadas por acto do poder central; mas há casos de criação por iniciativa pública local. Elas não se podem extinguir a si próprias, ao contrário do que acontece com as pessoas colectivas privadas, uma pessoa colectiva pública não pode ser extinta por iniciativa dos respectivos credores só por decisão pública;
b) Capacidade jurídica de Direito Privado e património próprio – todas as pessoas colectivas públicas possuem estas características, cuja a importância se salienta principalmente no desenvolvimento de actividade de gestão privada.
c) Capacidade de Direito Público – as pessoas colectivas públicas são titulares de poderes e deveres públicos. Entre eles, assumem especial relevância os poderes de autoridade, aqueles que denotam supremacia das pessoas colectivas públicas sobre os particulares e, nomeadamente, consistem no direito que essas pessoas têm de definir a sua própria conduta alheia em termos obrigatórios para terceiros, independentemente da vontade destes, o que naturalmente não acontece com as pessoas colectivas privadas.
d) Autonomia administrativa e financeira – as pessoas colectivas públicas dispõem de autonomia administrativa e financeira.
e) Isenções fiscais – é um traço característico e da maior importância.
f) Direito de celebrar contractos administrativos – as pessoas colectivas privadas não possuem, em regra, o direito de fazer contractos administrativos com particulares.
g) Bens do domínio público – as pessoas colectivas são ou podem ser, titulares do domínio público e não apenas de bens domínio privado.
h) Funcionários públicos – o pessoal das pessoas colectivas públicas está submetido ao regime da função pública, e não ao do contracto individual de trabalho. Isto por via de regra: as empresas públicas constituem importante excepção a tal princípio.
i) Sujeição a um regime administrativo de responsabilidade civil – pelos prejuízos que causarem a outrem, as pessoas colectivas públicas respondem nos termos da legislação própria do Direito Administrativo, e não nos termos da responsabilidade regulada pelo Código Civil.
j) Sujeição da tutela administrativa – a actuação destas pessoas colectivas está sujeita à tutela administrativa do Estado.
k) Sujeição à fiscalização do Tribunal de Contas – as contas das pessoas colectivas públicas estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, também aqui com a excepção das empresas públicas.
l) Foro administrativo – as questões surgidas da actividade destas pessoas colectivas pertencem à competência dos Tribunais do contencioso administrativo, e não à dos Tribunais Judiciais.
6. Órgãos
A estes cabe tomar decisões em nome da pessoa colectiva ou, noutra terminologia, manifestar a vontade imputável à pessoa colectiva (art. 2º/2 CPA). São centros de imputação de poderes funcionais.
A respeito da natureza dos órgãos das pessoas colectivas debatem-se duas grandes concepções:
a) A primeira, que foi defendida por Marcello Caetano, considera que os órgãos são instituições, e não indivíduos.
b) A segunda, que foi designadamente defendida entre nós por Afonso Queiró e Marques Guedes, considera que os órgãos são os indivíduos, e não as instituições.
Há fundamentalmente três grandes perspectivas na teoria geral do Direito Administrativo – a da organização administrativa, e da actividade administrativa, e das garantias dos particulares. Ora, pondo de lado a terceira, que não tem a ver com a questão que se está a analisar, tudo depende de nos situarmos numa ou noutra das perspectivas indicadas.
Se nos colocarmos na perspectiva da organização administrativa – isto é, na perspectiva em que se analisa a estrutura da Administração Pública – é evidente que os órgãos têm de ser concebidos como instituições.
O que se analisa é a natureza de um órgão, a sua composição, o seu funcionamento, o modo de designação dos seus titulares, o estatuto desses titulares, os poderes funcionais atribuídos a cada órgão, etc. Por conseguinte, quando se estuda estas matérias na perspectiva da organização administrativa, o órgão é uma instituição; o indivíduo é irrelevante.
Mas, se mudar de posição e nos colocarmos na perspectiva da actividade administrativa – isto é, na perspectiva da Administração a actuar, a tomar decisões, nomeadamente a praticar actos, ou seja, por outras palavras, se deixar-mos a análise estática da Administração e passar-se à análise dinâmica –, então veremos que o que aí interessa ao Direito é o órgão como indivíduo: quem decide, quem delibera, são os indivíduos, não são centros institucionalizados de poderes funcionais.
Para nós, os órgãos da Administração (isto é, das pessoas colectivas públicas que integram a Administração) devem ser concebidos como instituições para efeitos de teoria da organização administrativa, e como indivíduos para efeitos de teoria da actividade administrativa.
6.1. Classificação dos Órgãos
Podem-se classificar de várias maneiras, mas as mais importantes são:
a) Órgãos singulares e colegiais: são órgãos “singulares” aqueles que têm apenas um titular; são “colegiais” os órgãos compostos por dois ou mais titulares. O órgão colegial na actualidade tem, no mínimo, três titulares, e deve em regra ser composto por número ímpar de membros.
b) Órgãos centrais e locais: órgãos “centrais” são aqueles que têm competência sobre todo o território nacional; órgãos “locais” são os que têm a sua competência limitada a uma circunscrição administrativa, ou seja, apenas a uma parcela do território nacional.
c) Órgãos primários, secundários e vicários: órgãos “primários” são aqueles que dispõem de uma competência própria para decidir as matérias que lhes estão confiadas; órgãos “secundários” são os que apenas dispõem de uma competência delegada; e órgãos “vicários” são aqueles que só exercem competência por substituição de outros órgãos.
d) Órgãos representativos e órgãos não representativos: órgãos “representativos” são aqueles cujos titulares são livremente designados por eleição. Os restantes são órgãos “não representativos”.
e) Órgãos activos, consultivos e de controle: órgãos “activos” são aqueles a quem compete tomar decisões ou executá-las. Órgãos “consultivos” são aqueles cuja função é esclarecer os órgãos activos antes de estes tomarem uma decisão, nomeadamente através da emissão de pareceres. Órgãos “de controle” são aqueles que têm por missão fiscalizar a regularidade do funcionamento de outros órgãos.
f) Órgãos decisórios e executivo: os órgãos activos, podem por sua vez classificar-se em decisórios e executivos. São órgãos “decisórios” aqueles a quem compete tomar decisões. São órgãos “executivos” aqueles a quem compete executar tais decisões, isto é, pô-las em prática. Dentro dos órgãos decisórios, costuma-se reservar-se a designação de órgãos “deliberativos” aos que tenham carácter geral.
g) Órgãos permanentes e temporários: são órgãos “permanentes” aqueles que segundo a lei têm duração indefinida; são órgãos “temporários” os que são criados para actuar apenas durante um certo período.
h) Órgãos simples e órgãos complexos: os órgãos “simples” são os órgãos cuja a estrutura é unitária, a saber, os órgãos singulares e os órgãos colegiais cujos os titulares só podem actuar colectivamente quando reunidos em conselho. Os órgãos “complexos” são aqueles cuja estrutura é diferenciada, isto é, aqueles que são constituídos por titulares que exercem também competências próprias a título individual e são em regra auxiliados por adjuntos, delegados e substitutos.
6.2. Dos Órgãos Colegiais em Especial
Há no Código do Procedimento Administrativo toda uma secção que se ocupa desta matéria – secção II do cap. I da Parte II, intitulada “Dos órgãos colegiais”, que integra os arts. 14º a 28º do CPA.
Principais regras em vigor no Direito português sobre a constituição e funcionamento dos órgãos colegiais.
a) Composição do órgão (art. 14º/1 CPA) e à sua composição;
b) Reuniões (arts. 16º e 17º CPA) e às sessões;
c) Marcação e convocação das reuniões (arts. 17º e 21º CPA) e à ordem do dia (arts. 18º e 19º CPA);
d) Deliberação e votação;
e) Quórum da reunião (art. 22º CPA) e ao quórum da votação;
f) Formas de votação (art. 24º CPA);
g) Formação de maiorias (art. 25º CPA);
h) Voto de qualidade (art. 26º CPA) e voto de desempate;
i) Demissão, à dissolução e à perda de mandato (art. 9º e 13º da Lei n.º 87/89, de 9 de Setembro).
7. Atribuições e Competência
Os fins das pessoas colectivas públicas chamam-se “atribuições”. Estas são por conseguinte, os fins e interesses que a lei incumbe as pessoas colectivas públicas de prosseguir.
“Competência” é o conjunto de poderes funcionais que a lei confere para a prossecução das atribuições das pessoas colectivas públicas.
Qualquer órgão da Administração, ao agir, conhece e encontra pela frente uma dupla limitação: pois por um lado, está limitado pela sua própria competência – não podendo, nomeadamente, invadir a esfera de competência dos outros órgãos da mesma pessoa colectiva –; e, por outro lado, está limitado pelas atribuições da pessoa colectiva em cujo o nome actua – não podendo, designadamente, praticar quaisquer actos sobre matéria estranha às atribuições da pessoa colectiva a que pertence.
Os actos praticados fora das atribuições são actos nulos, os praticados apenas fora da competência do órgão que os pratica são actos anuláveis.
Tudo depende de a lei ter repartido, entre os vários órgãos da mesma pessoa colectiva, apenas competência para prosseguir as atribuições desta, ou as próprias atribuições com a competência inerente.
8. Da Competência em Especial
O primeiro princípio que cumpre sublinhar desde já é o de que a competência só pode ser conferida, delimitada ou retirada pela lei: é sempre a lei que fixa a competência dos órgãos da Administração Pública (art. 29º/1 CPA). É o princípio da legalidade da competência, também expresso às vezes, pela ideia de que a competência é de ordem pública.
Deste princípio decorrem alguns corolários da maior importância:
a) A competência não se presume: isto quer dizer que só há competência quando a lei inequivocamente a confere a um dado órgão.
b) A competência é imodificável: nem a Administração nem os particulares podem alterar o conteúdo ou a repartição da competência estabelecidos por lei.
c) A competência é irrenunciável e inalienável: os órgãos administrativos não podem em caso algum praticar actos pelos quais renunciem os seus poderes ou os transmitam para outros órgãos da Administração ou para entidades privadas. Esta regra não obsta a que possa haver hipóteses de transferência do exercício da competência – designadamente, a delegação de poderes e a concessão –, nos casos e dentro dos limites em que a lei o permitir (art. 29º/1/2 CPA).
9. Critérios de Delimitação da Competência
A distribuição de competências pelos vários órgãos de uma pessoa colectiva pode ser feita em função de quatro critérios:
a) Em razão da matéria;
b) Em razão da hierarquia: quando, numa hierarquia, a lei efectua uma repartição vertical de poderes, conferindo alguns ao superior e outros ao subalterno, estamos perante uma delimitação da competência em razão da hierarquia;
c) Em razão do território: a repartição de poderes entre órgãos centrais e órgãos locais, ou a distribuição de poderes por órgãos locais diferentes em função das respectivas áreas ou circunscrições, é uma delimitação da competência em razão do território;
d) Em razão do tempo: em princípio, só há competência administrativa em relação ao presente: a competência não pode ser exercida nem em relação ao passado, nem em relação ao futuro.
Um acto administrativo praticado por certo órgão da Administração contra as regras que delimitam a competência dir-se-á ferido de incompetência.
Estes quatro critérios são cumuláveis e todos têm de actuar em simultâneo.
10. Espécies de Competências
a) Quanto ao modo de atribuição da competência: segundo este critério, a competência pode ser explícita ou implícita. Diz-se que a competência é “explícita” quando a lei confere por forma clara e directa; pelo contrário, é “implícita” a competência que apenas é deduzida de outras determinações legais ou de certos princípios gerais do Direito Público.
b) Quando aos termos de exercício da competência: a competência pode ser “condicionada” ou “livre”, conforme o seu exercício esteja ou não dependente de limitações específicas impostas por lei ou ao abrigo da lei.
c) Quanto à substância e efeitos da competência: à luz deste terceiro preceito, fala-se habitualmente em competência dispositiva e em competência revogatória. A “competência dispositiva” é o poder de emanar um dado acto administrativo sobre uma matéria, pondo e dispondo acerca do assunto; a “competência revogatória” é o poder de revogar esse primeiro acto, com ou sem possibilidade de o substituir por outro diferente.
d) Quanto à titularidade dos poderes exercidos: se os poderes exercidos por um órgão da Administração são poderes cuja titularidade pertence a esse mesmo órgão, diz-se que a sua competência é uma “competência própria”; se, diferentemente, o órgão administrativo exerce nos termos da lei uma parte da competência de outro órgão, cujo o exercício lhe foi transferido por delegação ou por concessão, dir-se-á que essa é uma “competência delegada” ou uma “competência concedida”.
e) Quanto ao número de órgãos a que a competência pertence: quando a competência pertence a um único órgão, que a exerce sozinho, temos uma “competência singular”; a “competência conjunta” é a que pertence simultaneamente os dois ou mais órgãos diferentes, tendo de ser exercida por todos eles em acto único.
f) Quanto à inserção da competência nas relações inter-orgânicas: sob esta óptica, a competência pode ser “dependente” ou “independente”, conforme o órgão seu titular esteja ou não integrado numa hierarquia e, por consequência, se ache ou não sujeito ao poder de direcção de outro órgão e ao correspondente dever de obediência. Dentro da competência dependente há a considerar os casos de competência comum e de competência própria: diz-se que há “competência comum” quando tanto o superior como o subalterno podem tomar decisões sobre o mesmo assunto, valendo como vontade manifestada; e há “competência própria”, pelo contrário, quando o poder de praticar um certo acto administrativo é atribuído directamente por lei ao órgão subalterno.
Por seu turno, dentro da competência própria, há ainda a considerar três sub-hipóteses:
- Competência separada;
- Competência reservada;
- Competência exclusiva.
g) Competência objectiva e subjectiva: esta distinção aparece feita no art. 112º/8 da CRP. Conjunto de poderes funcionais para decidir sobre certas matérias. E “competência subjectiva” é uma expressão sem sentido, que pretende significar “a indicação do órgão a quem é dada uma certa competência”.