Durante muitos anos, os especialistas em reparações de edifícios históricos conheceram os perigos da utilização das argamassas fortes, baseadas em cimento.
Mas o mundo especialista está dividido entre aqueles que advogam o emprego de pequenas quantidades de cimento Portland como aditivo nas argamassas de cal e os que rejeitam quaisquer aditivos de cimento.
Evidências recentes iluminam esta controvérsia, com algumas conclusões radicais.
A adição de cimento nas argamassas de cal é uma prática vulgaríssima, quase tradicional, mas poucos pensam porque razões será feita e quais as suas consequências. Também existe
alguma confusão acerca das substâncias e da química envolvidas.
A cal aérea endurece por um processo lento de carbonatação, reagindo com o dióxido carbónico da atmosfera durante um período de semanas.
As cales hidráulicas e o cimento ganham presa rapidamente, por reacção com a água, numa questão de horas. Uma cal aérea (não hidráulica) pode ser levada a ganhar presa muito mais rapidamente pela adição de um aditivo hidráulico ou “pozolânico”.
Esta prática é chamada de “abastardar” a massa. Estes aditivos incluem o pó de tijolo finamente triturado, as PFA (cinzas volantes), o HTI (pó de tijolo refractário), a pozolana, o “trass” e o cimento (branco ou Portland normal).
Estes aditivos contêm sílica finamente dividida e, portanto, altamente reactiva e/ou alumina, as quais são os constituintes necessários para se obter uma presa química rápida, pela reacção da sílica com água. Dentre eles, o cimento é de longe o aditivo mais usado no Reino Unido, e o mais barato.
As proporções típicas, que se usam vulgarmente, são 1:1:6 (cimento: cal aérea: agregado) e 1:2:9.
Existem, como era de se esperar, quer vantagens quer desvantagens no “abastardamento” das argamassas de cal aérea com cimento, para as tornar hidráulicas.
Vantagens
- (O cimento) proporciona uma presa hidráulica que ocorre antes que ocorra a retracção, reduzindo, portanto, os riscos de fissuração.
- As (sucessivas) camadas podem ser sobrepostas mais rapidamente, sem que seja necessária uma longa espera pela presa de cada uma antes da aplicação da seguinte.
• Endurecem rapidamente, proporcionando assim protecção contra a chuva antes de se ter completado a carbonatação. Isto ajuda a vencer o inclemente clima Britânico.
• Sendo uma substância artificial, manufacturada sob condições rigorosamente controladas, é de utilização fiável e previsível.
• Vende-se numa gama de cores à escolha, o que é útil quando é necessário acertar-se a cor com uma argamassa ou reboco já existente.
Desvantagens
- O rápido tempo de presa limita o tempo disponível para o utilizador que vai trabalhar com esta argamassa “bastarda”.
- Alguns cimentos contêm apreciáveis quantidades de sais solúveis, em particular de sulfato de potássio, que se podem constituir numa causa de degradação na alvenaria.
- O uso de cimento tende a levar o utilizador a tratar a argamassa “bastarda” como se ela fosse apenas de cal hidráulica ou cimento. Confia-se em excesso na presa química inicial, negligenciando-se a importância da carbonatação a longo termo dos elementos não hidráulicos presentes.
• Ocorrem riscos de segregação, já que o cimento se separa da cal conforme a argamassa seca e endurece.
A segregação é o maior risco quando se “abastardam” argamassas de cal com cimento. Quando a argamassa ganha presa, o colóide de cimento tende a migrar para os poros da argamassa de cal, conforme se vai formando, selando-os e provocando uma porosidade fortemente reduzida.
Se a proporção de cimento for suficientemente alta, a segregação tem menos probabilidades de ocorrer, mas a argamassa resultante será mais forte. Se essa proporção for baixa, a argamassa será menos forte, mas é mais provável que ocorra segregação.
A argamassa resultante ficará seriamente enfraquecida, com uma estrutura porosa pobremente formada, tornando-a muito susceptível de sofrer danos por congelamento e degradações, mesmo após ter tido lugar a carbonatação da cal aérea presente.
O Projecto Smeaton, um programa de pesquisas iniciado pela British Heritage, indica que uma mistura de 1:1:1:6, contendo 50% de ligante de cimento, é improvável segregar, enquanto que uma mistura de 1:2:9 contendo 33% de ligante de cimento, está quase de certeza em risco.
Até muito recentemente, era considerado uma boa prática “abastardarem-se” as argamassas de cal com tão pouco quanto 5% de cimento, apenas o necessário para lhes conferir presa hidráulica, mas nunca o suficiente para tornar as argamassas apreciavelmente mais resistentes.
No entanto, todas as amostras do Projecto Smeaton contendo menos que 25% falharam.
Em consequência do possível risco de segregação, uma argamassa de cal não “bastarda”, baseada apenas na carbonatação, é provável que seja mais resiliente a longo prazo do que outra “abastardada” com uma pequena quantidade de cimento.
Esta necessita de especiais precauções na sua aplicação, bem como de uma “alimentação” cuidada para se assegurar que
vai carbonatar correctamente. Se for pretendida uma certa presa química, uma alternativa segura será usar-se uma cal hidráulica.
Nesta, os componentes hidráulicos estão tão proximamente associados com os não hidráulicos (aéreos) que a segregação não ocorre. Esta argamassa tende a ser dura e impermeável, mas geralmente não mais do que uma mistura de 1:1:6. O pó de tijolo é um aditivo pozolânico altamente eficiente e barato, que proporciona uma alternativa útil ao cimento.
O cimento só por si é inofensivo, mas o seu uso indiscriminado e insensível já não o é. Pode ser usado como um muito útil aditivo pozolânico para argamassas não hidráulicas (aéreas), mas as
pessoas que o especificarem e usarem devem esclarecer porque o fazem, e porque são desejados os seus efeitos.
Dado que é, actualmente, aceite por todos que a argamassa deve ser mais fraca e mais porosa do que o material que está a unir ou a reparar, é provavelmente melhor, na maioria das circunstâncias, confiar-se numa boa argamassa não hidráulica (aérea), usando-se cal em pasta bem amadurecida e um agregado anguloso e bem graduado, aplicada com cuidado e subsequentemente bem cuidada para se assegurar uma carbonatação correcta.