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Administração Pública

O estatuto constitucional e legal da Administração Pública

I. A relevância jurídico-constitucional da Administração Pública é assumida pela dignidade que lhe é conferida pelo Título XII da CRM, o qual, contudo, não concentra tudo o que se relaciona com a matéria, havendo ainda que coligir
outros elementos dispersos noutros títulos do texto constitucional, e que são os seguintes:

– Capítulo I do Título XII – Administração Pública
– Capítulo IV do Título XII – Órgãos Locais do Estado
– Capítulo III do Título XIV – Poder Local

A densificação constitucional da Administração Pública, no primeiro destes capítulos, que é o mais geral de todos, inclui os seguintes tópicos:

– Princípios fundamentais;
– Estrutura;
– Acesso e estatuto dos funcionários;
– Hierarquia;
– Direitos e garantias dos administrados.

II. O estatuto jurídico fundamental da Administração Pública não é apenas constituído por estas disposições constitucionais, sendo necessário referir legislação ordinária que tem a máxima importância no desenvolvimento daquelas orientações.

É o caso da Lei do Procedimento Administrativo (LPA) (L no 14/2011, de 10 de agosto), que incorpora diversas disposições sobre o exercício do poder administrativo, bem como a defesa da posição dos administrados, diploma
estruturante do Direito Administrativo Moçambicano, com 190 artigos, assim organizados:

– Capítulo I – Disposições gerais
– Capítulo II – Princípios da atuação da Administração Pública
– Capítulo III – Garantias dos Administrados e da Administração Pública
– Capítulo IV – Órgãos da Administração Pública
– Capítulo V – Interessados
– Capítulo VI – Procedimento Administrativo
– Capítulo VII – Direito dos interessados à informação
– Capítulo VIII – Notificações
– Capítulo IX – Prazos e dilações
– Capítulo X – Marcha do procedimento
– Capítulo XI – Atividade administrativa
– Capítulo XII – Atos administrativos
– Capítulo XIII – Impugnações
– Capítulo XIV – Contrato administrativo
– Capítulo XV – Disposições finais

III. É também o caso de um outro diploma estruturador da Administração Pública Moçambicana, agora na perspetiva organizatória e não tanto procedimental, que é Lei das Bases Gerais da Organização e Funcionamento da
Administração Pública (LBGOFAP), a L no 7/2012, de 8 de fevereiro, com 127 artigos, que se arrumam do seguinte modo:

– Capítulo I – Disposições gerais
– Capítulo II – Administração Direta do Estado
– Capítulo III – Administração Central do Estado
– Capítulo IV – Serviços Públicos
– Capítulo V – Entidades temporárias
– Capítulo VI – Representação da Administração do Estado no estrangeiro
– Capítulo VII – Administração Local do Estado
– Capítulo VIII – Descentralização
– Capítulo IX – Setor empresarial do Estado
– Capítulo X – Associações Públicas
– Capítulo XI – Instituições Públicas do Ensino Superior e de Investigação Científica
– Capítulo XII – Disposição final

IV. Afigura-se relevante mencionar, no plano da dimensão jurídico-constitucional, estes três tópicos:
– os princípios retores da atividade administrativa;
– a estrutura da Administração Pública;
– os direitos e garantias dos Administrados.

Isso não sem que antes se esclareçam os conceitos fundamentais relacionados com a função administrativa e com a Administração Pública, tal como eles são recebidos pelo texto constitucional moçambicano.

Função Administrativa e Administração Pública

I. A atividade de satisfação das necessidades coletivas, numa sociedade organizada, nem sempre pode ser levada a cabo pela iniciativa privada, fundada na liberdade individual.

São múltiplas as situações em que não se pode prescindir do poder público, seja em paralelismo com a iniciativa privada, seja mesmo em exclusividade ou predomínio relativamente ao setor privado.

Tal é verdade nos mais variados segmentos das necessidades humanas: da saúde à segurança, passando pelos transportes ou pela justiça, de entre muitas outras tarefas.

II. Por essa razão, não é possível que algumas das necessidades humanas, individuais ou coletivas, sejam solucionadas pela atividade privada, emergindo nesse contexto o poder público, que se encarrega de as satisfazer.

É assim que surge a função administrativa, parcela do poder público – lado a lado com a função constitucional, a função legislativa, a função política e a função jurisdicional – que está cometida à satisfação das necessidades coletivas das pessoas.

Como assinala Diogo Freitas do Amaral, “Todas as necessidades coletivas que mencionámos se situam na esfera privativa da administração pública. Trata-se, em síntese, de necessidades coletivas que podemos reconduzir a três espécies fundamentais: a segurança, a cultura e o bem-estar”.

III. Consequentemente, nessa atividade administrativa, bem pode divisar-se três dimensões distintas, complementares entre si:

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– a função administrativa enquanto atividade: a satisfação das específicas necessidades de segurança, cultura e bem-estar de que as pessoas carecem;

– a função administrativa enquanto organização: as estruturas institucionais a quem se defere o papel de produzir a satisfação dessas necessidades coletivas;

– a função administrativa enquanto poder: os atos que exprimem a autotutela, declarativa e executiva, do Direito, sendo produzidos por quem pode impor efeitos de autoridade, contrariamente ao Direito Privado, fundado nos princípios da liberdade e da igualdade.

Ora, ao conjunto de entidades que desenvolvem a função administrativa, e que se reconduzem à segunda dimensão referida, dá-se o nome de Administração Pública, nelas se integrando as pessoas coletivas de Direito Público.

Os princípios retores da atividade administrativa

I. O primeiro dos artigos constitucionais enunciados em matéria de Administração Pública tem a preocupação de estabelecer um conjunto de princípios fundamentais que regem a atividade administrativa, com dois preceitos
fundamentais:

– “A Administração Pública serve o interesse público e na sua atuação respeita os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos”;
– “Os órgãos da Administração Pública obedecem à Constituição e à lei e atuam com respeito pelos princípios da igualdade, da imparcialidade, da ética e da justiça”.

II. O Direito Legal, através da LPA, enumera vários destes princípios, numa lista que é ainda mais exaustiva:

– princípio da legalidade;
– princípio da prossecução do interesse público;
– princípio da igualdade;
– princípio da proporcionalidade;
– princípio da justiça e da imparcialidade;
– princípio da boa-fé;
– princípio da colaboração da administração com os particulares;
– princípio da participação dos administrados;
– princípio da decisão;
– princípio da responsabilização da Administração Pública;
– princípio da fundamentação dos atos administrativos;
– princípio da transparência;
– princípio da gratuitidade;
– princípio do acesso à Justiça e ao Direito.

III. Muitos destes princípios não são exclusivos da atividade administrativa, dado que se aplicam a qualquer manifestação de poder público, nele igualmente se inserindo o poder administrativo.

Alguns destes princípios até são autonomamente mencionados noutros preceitos constitucionais e integram o sistema político-constitucional moçambicano baseado no Estado Democrático de Direito.

É o que sucede com os princípios da legalidade, igualdade, proporcionalidade ou do acesso à justiça, os quais também regem os outros poderes públicos.

IV. Só que tal não quer dizer que não haja a enunciado de alguns princípios fundamenais privativos da atividade administrativa ou que aqui, pelo menos, assumam uma configuração própria.

Muitos deles estão presentes em diploma legal específico, a Lei da Probidade Pública (LPPu) (L no 16/2012, de 14 de agosto), através do qual se visa estabelecer “…as bases e o regime jurídico relativo à moralidade pública e ao respeito pelo património público por parte do servidor público”.

Trata-se de um longo diploma legal, com 91 artigos, que se distribuem por cinco capítulos:

– Capítulo I – Disposições Gerais
– Capítulo II – Conflito de interesses
– Capítulo III – Declaração de património
– Capítulo IV – Sanções
– Capítulo V – Disposições finais

É um regime que se aplica a todos os titulares de cargos públicos – não sendo privativo dos cargos administrativos, incluindo os cargos políticos.

– e tem como novidade fundamental a formulação de vários novos princípios éticos que se impõem à atividade pública, neles sobressaindo:

– o dever de probidade pública: “O servidor público observa os valores da boa administração e honestidade no desempenho da sua função, não podendo solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, direta ou indiretamente, quaisquer presentes, empréstimos, facilidades ou quaisquer ofertas que possam pôr em causa a liberdade da sua ação, a independência do seu juízo e a credibilidade e autoridade da administração pública, dos seus órgãos e serviços”;
– o dever de respeito pelo património público: “O servidor público não deve usar o património público para fins pessoais, bem como praticar atos que lesem ou que sejam suscetíveis de reduzir o seu valor”.

A estrutura geral da Administração Pública

I. A Administração Pública em sentido institucional (ou orgânico) agrupa as pessoas coletivas, dotadas de poderes de autoridade ou ius imperii, que desempenham atribuições reconhecidas pelo Direito Administrativo, no âmbito da satisfação daquelas necessidades coletivas das pessoas.

Todavia, o seu conjunto é tudo menos uniforme, na medida em que são diversos os tipos por que podem apresentar-se, evidenciando-se o seguinte esquema, na esteira da taxonomia proposta por Diogo Freitas do Amaral, tomando por referência o Estado-Administração:

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– a Administração Estadual Direta, que tem no Estado a entidade jurídico-administrativa máxima, no plano das atribuições e da liberdade normativa, em relação às mesmas dispondo do poder de direção, que é a faculdade administrativa máxima do ponto de vista da orientação dos serviços administrativos;

– a Administração Estadual Indireta, que integra o conjunto das instituições que, sendo formalmente autónomas na sua existência e ação, também são pessoas coletivas de Direito Público, ainda assim desenvolvendo as atribuições que, no fim de contas, se podem reconduzir aos interesses estaduais, mas que o Estado para si não reservou diretamente, antes lhes delegou para o fazerem autonomamente, relativamente às quais pode exercer um intermédio poder de superintendência, que é composta pelos institutos públicos e pelas entidades públicas empresariais;

– a Administração Autónoma do Estado, que integra o conjunto de instituições que, levando a cabo atribuições próprias e já distintas das do Estado, se autonomizam em maior medida deste, em relação à qual aquele apenas exerce um ténue poder tutelar de mera legalidade, que é integrada pelas associações públicas e pelas entidades administrativas independentes.

II. É precisamente tendo por base esta diversidade das entidades administrativas que o texto da CRM tem o propósito de responder com algumas orientações fundamentais no tocante à sua estruturação, sendo de referir os
seguintes princípios administrativos organizatórios:

– o princípio da descentralização administrativa;
– o princípio da desconcentração administrativa;
– o princípio da simplificação administrativa;
– o princípio da aproximação dos serviços às populações.

III. A LBGOFAP vai mais longe na enumeração destes e de muitos outros princípios da Administração Pública, distinguindo entre os princípios relativos à organização administrativa e os princípios atinentes ao funcionamento administrativo:

– princípios da organização administrativa: desconcentração e descentralização, desburocratização e simplificação de procedimentos, unidade de ação e poderes de direção do Governo, coordenação e articulação dos órgãos da Administração Pública, fiscalização e supervisão através de órgãos administrativos, supervisão da Administração Pública pelos cidadãos, modernização, eficiência e eficácia, aproximação da Administração Pública ao cidadão, participação do cidadão na gestão da Administração Pública, continuidade do serviço público, estrutura
hierárquica e responsabilidade pessoal; e
– princípios do funcionamento administrativo: legalidade, prossecução do interesse público, igualdade e proporcionalidade, justiça e imparcialidade, ética e boa-fé, colaboração da Administração com os Administrados, participação dos administrados, decisão, responsabilização da Administração Pública, fundamentação dos atos administrativos, transparência, gratuitidade e acesso à Justiça e ao Direito.

Os direitos e as garantias dos Administrados

I. O exercício do poder administrativo tem como contraponto essencial num Estado de Direito a consagração de direitos e garantias dos Administrados, categoria que incorpora posições de vantagem daqueles que são os destinatários desse poder público.

É verdade que os direitos e garantias dos Administrados podem coincidir com alguns tipos de direitos fundamentais na medida em que a pessoa e o cidadão é também um administrado.

Mas os direitos e as garantias dos Administrados podem corporizar um espaço normativo-constitucional próprio, bem mais afeiçoados às características fundamentais do poder administrativo e da Administração Pública.

II. Vem a ser essa a preocupação do texto da CRM, que apresenta os seguintes direitos dos administrados:

– o direito à informação administrativa: “Os cidadãos têm o direito de serem informados pelos serviços competentes da Administração Pública sempre que requeiram sobre o andamento dos processos em que estejam diretamente interessados nos termos da lei”;
– o direito à notificação e à fundamentação das decisões administrativas: “Os atos administrativos são notificados aos interessados nos termos e nos prazos da lei e são fundamentados quando afetam direitos ou interesses dos cidadãos legalmente tutelados”;
– o direito de acesso à justiça administrativa: “É assegurado aos cidadãos interessados o direito ao recurso contencioso fundado em ilegalidade de atos administrativos, desde que prejudiquem os seus direitos”.

III. A LPA também se detém sobre as garantias dos Administrados, enumerando-os do seguinte modo:

– requerimento;
– reclamação;
– recurso hierárquico;
– recurso hierárquico impróprio;
– recurso tutelar;
– recurso de revisão;
– queixa;
– denúncia;
– petição, queixa ou reclamação ao Provedor de Justiça;
– recurso contencioso.

Eis um vasto leque de espécies de garantias dos Administrados, que cruzam as várias classificações possíveis, sendo possível deparar com:

– garantias políticas, administrativas e jurisdicionais, conforme o órgão perante quem são apresentadas; e

– garantias petitórias e garantias impugnatórias, conforme se solicite a revisão do ato ou a sua destruição.