Apontamentos A conservação como acção abrangente

A conservação como acção abrangente

Antes de começar a intervir num edifício, classificado ou não, o arquitecto tem de ter umas noções fundamentais.

As cartas já o dizem, mas aqui resume-se os requisitos essenciais.

Assim:

a] Toda a reabilitação não deverá afectar, ou afectar o mínimo possível, o existente. Deverá afectar o mínimo possível a estrutura do edifício, do lugar, do ambiente e do uso original;
b] Não deverão ser destruídas as qualidades e características únicas do edifício, da estrutura ou do lugar e o ambiente não poderá ser danificado. A remoção ou a alteração de material histórico ou de elementos particularmente notáveis da arquitectura, deverá ser evitada;
c] Todos os edifícios, estruturas ou lugares deverão ser reconhecidos como produtos da sua própria época. Não se deverá purgar qualquer tipo de intervenções feitas ao longo da história;
d] Todas essas alterações que decorreram ao longo do tempo, devem ser respeitadas e reconhecidas pelo seu valor intrínseco;
e] Os elementos estilísticos talhados por grandes mestres, deverão ser tratados com cuidado e sensibilidade;
f] Os elementos arquitectónicos deteriorados deverão ser reparados em vez de substituídos. Se tal não for possível, o novo material terá de se inserir o mais harmoniosamente possível no edificado existente – a composição, o desenho, a cor, a textura e outras características visuais deverão ser compatíveis e idênticas ao antigo.  A reparação ou a substituição de peças danificadas deverá ser feita com base em documentos históricos autênticos, físicos ou gráficos de reconhecido valor e precisão, ligados a testemunhos desse objecto, e não de outras construções;
g] A limpeza de fachadas será feita com métodos adequados ao material que as compõe, jactos de areia ou outros métodos conhecidos por danificar os suportes não deverão ser utilizados.
h] Todos os esforços deverão ser feitos para preservar os achados arqueológicos afectos ao projecto, ou à sua envolvente;
i] A arquitectura contemporânea não deverá ser desencorajada, quando essas intervenções ou ampliações não destruam testemunhos históricos, arquitectónicos ou culturais significativos, e desde que o desenho seja compatível com o tamanho, escala, cor, material, as características da propriedade, da vizinhança e do ambiente;
j] Todas as intervenções terão de ter um carácter reversível (esta ideia centra-se mais em objectos móveis).

A preservação de um edifício, e do seu carácter histórico, está baseada nos seguintes pressupostos:

a] Os materiais e o tipo de construção são de importância primordial;
b] Consequentemente, deverão ser protegidos e reparados o melhor e com a maior precisão possível, evitando remoção ou substituição com materiais e métodos construtivos falsos, enganando a historicidade dos elementos compósitos.

Para que estes objectivos sejam cumpridos com sucesso, é necessária uma avaliação (composta por duas partes) feita por profissionais de reconhecida qualidade nessa área.

1o] A identificação dos materiais e das técnicas construtivas para uma melhor definição histórica;
2o] Estudo de impacto que uma intervenção contemporânea terá, para adequação às necessidades do presente.

Com estes pressupostos em mente, resta-me definir alguns dos graus de intervenção.

Segundo Bernard Fielden há sete graus de intervenção (anastilose é um sub-grupo do restauro) no edificado: A conservação abrange intervenções em várias escalas e níveis de intensidade, que são determinadas pelas condições físicas, pelas causas da deterioração, entre outros factores.

São discriminados 7 níveis: prevenção da deterioração, preservação, consolidação, restauro, (restauro por anastilose), reabilitação, reprodução e reconstrução. Assim:

Prevenção da deterioração (ou conservação indirecta) 

A prevenção consiste na protecção da peça de forma a controlar a decadência e os danos provocados por vários tipos de agentes. Por exemplo: humidade, temperatura, fogo, roubo e vandalismo, a poluição e o tráfego. A manutenção e a reparação também podem ser vistas como formas de prevenção.

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Preservação

Esta acção fundamentasse no mantimento do edifício no estado em que se encontra, dever-se-á intervir de forma a travar a decadência, os danos exteriores e as infiltrações de humidade.

Consolidação (ou conservação directa)

Intervenção ou aplicação de materiais que assegurem a durabilidade do objecto e a sua integridade estrutural, não danificando as evidências históricas. No caso dos imóveis a consolidação pode limitar-se à injecção ou adição de ligantes para fixação de pinturas murais.

A reversibilidade tem de ser considerada como atitude primordial, e os materiais tradicionais deverão ser utilizados sempre que possível. Mas se estes não possibilitarem uma consolidação correcta, poder-se-á recorrer a novas tecnologias.

Em casos excepcionais é aconselhável tentar ganhar tempo recorrendo a fixações temporárias, esperando que o futuro crie o material indicado para aquela patologia.

Restauro

O objectivo do restauro é reavivar o aspecto original da peça, a sua legibilidade e conceito. O restauro e reintegração de pequenos detalhes ou partes do edifício acontece, sempre baseados em documentos autênticos, achados arqueológicos ou desenhos originais.

A substituição de elementos em falta deverá ser feita de forma a conjugar harmoniosamente com o existente, mas possibilitando a distinção fácil.

A limpeza de edifícios também pode ser considerado um restauro. A intervenção não poderá purgar os elementos de épocas diferentes da época de construção.

Restauro por anastilose 

Ou seja, o preenchimento de partes em falta, justifica-se, desde que seja suportada por evidências arqueológicas, ou para melhor compreensão do imóvel, permitindo que os volumes possam ser vistos como um todo. Mas se não for cuidadosamente estudado e cair no exagero, poder-se-á tornar num cenário.

Reabilitação

A melhor forma de preservar os edifícios, em oposição aos objectos móveis, é mante-los em uso.

A utilização inicial é sempre preferencial, ou quanto menor for a alteração, melhor. Por outro lado, a reabilitação muitas vezes é a única forma de preservação de um edifício. Esta traduz-se na aplicação de um novo uso a um edifício, originalmente com uma função diferente.

Reprodução

A reprodução gera polémica e gera, muitas vezes, o pastiche. A reprodução consiste na cópia de partes de elementos ou de elementos completos, por forma a substituir os que faltam.

Geralmente esta acção aplicasse a elementos decorativos, proporcionando uma leitura harmoniosa do objecto. Se determinadas peças estão em perigo, poderão ser substituídas por réplicas e transportadas para um local seguro.

Reconstrução

Na reconstrução de edifícios históricos e de centros históricos os novos materiais poderão ser necessários após incidentes como incêndios, terramotos ou guerras. Esta acção não poderá falsear a patina do tempo, e terá de se basear em documentos autênticos, achados arqueológicos ou desenhos originais.

A deslocação de edifícios inteiros do local da implantação original é outra forma de reconstrução, possível nos tempos que correm recorrendo a novas tecnologias.

Qualquer uma destas intervenções não poderá ser começada sem a realização dos inventários, já citados anteriormente, e das inspecções iniciais de estudo do estado do edificado e das causas das anomalias existentes.

Durante a obra deverá ser mantido um registo periódico das actividades em curso, tal como após deverá ser reunido num só documento as acções realizadas. Esta documentação deverá ser bastante descritiva, recorrendo a análises e/ou a relatórios, a fotografias e/ou a desenhos.

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Para além dos graus descritos nos parágrafos anteriores, a salvaguarda hoje em dia, ou a intervenção no edificado antigo, baseia-se num certo número de conceitos, ligados a uma nova
noção historicista.

Alois Riegl foi o primeiro a sistematizar e a analisar os valores que distinguem a arquitectura moderna e a tradicional, ou seja, o monumento construído como um memorial, transmitindo uma mensagem do passado para o futuro, versus um edifício histórico que se transforma em monumento com o passar da história associando-se a determinados períodos e características.

Podemos, então, salientar como aspectos modernos da conservação e da herança construída, os seguintes:

Valor universal

Este valor sofreu alterações ao longo dos tempos: de divino ou modelo a copiar (mimesis) passou a uma soma de particularidades comuns em tudo o que é autêntico e individual de cada cultura, segundo definições de Nietzsche, Heidegger e Brandi.

«O significado moderno de valor universal no património mundial não é, por isso, uma sequência da anterior noção de que todos os objectos deveriam seguir um ideal ou um modelo em particular, mas antes da ideia de que cada peça é única e uma expressão criativa identificativa de uma sociedade ou artista, tal como uma representação relevante num contexto cultural.»

Autenticidade

Se formos ao dicionário ver o seu significado vemos que autêntico é original oposto a cópia, real oposto a imitação, algo genuíno. Comparar autêntico com idêntico, é a mesma coisa que comparar especifico com genérico.

Ser autêntico é agir autonomamente, ter autoridade, ser original, único, sincero, verdadeiro ou genuíno. Ser idêntico é ser representativo de uma classe com as mesmas propriedades.

«A autenticidade de uma obra de arte é a possibilidade de medir a verdade da uma criação única, da sua manifestação física na peça, e com os efeitos em si marcados da passagem do tempo.»

No documento de Nara sobre autenticidade (Japão – 1994 , é de referir:

a] A conservação da herança cultural em todas as suas formas e de todos os diferentes períodos da história, está enraizada em valores que lhes são atribuídos pelo tempo. A nossa capacidade de compreender esses valores depende, em parte, da garantia de que as fontes de que dispomos são verdadeiras e de fácil compreensão, sem equívocos e segundos sentidos. Como requisitos básicos para aceder a todos os aspectos da autenticidade, temos o conhecimento e a compreensão dessas fontes, em relação a características originais da cultura em questão.

b] Todos os julgamentos sobre os valores atribuídos a propriedades culturais tal como à sua credibilidade, poderão ser diferentes nas diferentes culturas, ou mesmo dentro da mesma. Logo, não é possível criar critérios de autenticidade fixos para toda a humanidade.

Integridade

Na sua definição geral integridade quer dizer: estado inquebrável, material completo. Na Carta de Veneza tal definição é fundamentada com a recomendação de que as esculturas, as pinturas ou os elementos decorativos que formem parte integrante de um monumento só poderão ser removidos se não for possível a sua preservação no local original. Nos Estados Unidos foram definidos sete aspectos para reconhecer a integridade de um dado objecto: localização, desenho, montagem, materiais, trabalho do artífice, sentimento e associação.

Na Lista do Inventário Mundial de património, a integridade dos locais é referenciada relativamente à integridade estrutural no ecossistema, integridade funcional e integridade visual.

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