Para um único referente podem existir várias palavras. Por exemplo: as palavras “candonga”, “chapa-100”, “van”, “toca-toca”, “busão” referem-se ônibus no PB. Por outro lado, uma unidade lexical pode ter vários significados.
Por exemplo: “neca”, no PM refere-se a “amarelinha” no PB. Estas variações lexicais são causadas por razões culturais, sociais e geográficas. As crianças brincam do mesmo jeito, as regras são iguais e o que muda é simplesmente o nome.
No caso de Moçambique, quando uma unidade lexical for inexistente no português, os falantes vão buscar do acervo das suas LB para completar o espaço em branco ou vazio.
As unidades lexicais: matapa (folhas de mandioqueira ou prato feito com folhas de mandioqueira), kwassa-kwassa (dança tradicional africana), mamba (cobra perigosa e venenos), matorritorri (cocada), nembo (seiva viscosa que é usada para apanhar pássaros), ntchuva (jogo tradicional no qual o jogador move pedrinhas colocadas em filas de covas) refletem a realidade local.
Estas unidades lexicais provêm da língua Xichangana para enriquecer o léxico português. Há que considerar muitos rituais tradicionais que não têm equivalência em português. Mendes (2010, p.149) apresenta os seguintes exemplos: tinlholo: ossículos utilizados pelos curandeiros na adivinhação; uputsu: bebida tradicional, confeccionada à base de mapira; ciputu: Rito de iniciação feminino makhuwa; jando: rito de iniciação masculina yao.
É mais frequente a entrada de unidades léxicas de LB no PM, causado por força da distância geográfica (Portugal-Moçambique), sociais, culturais, e sob a influência das línguas locais.
Este fenómeno traz pouco e pouco novos vocábulos, novas expressões idiomáticas, novas construções inexistentes no português europeu, tal como Gonçalves (2005b, p.47-72) explica quando fala sobre os Falsos sucessos no processamento do input na aquisição de L2: papel da ambiguidade na gênese do Português de Moçambique.
Voltando insistir sobre o léxico é importante sublinhar que este está conectado à história, como se pode ver nos exemplos apresentados por Vilela (1995) e Timbane (2012): (a) lobolar, (b) kandongueiro, (c) cooperante, (d) desconseguir, (e) confusionar, (f) matabicho entre muitas outras unidades lexicais.
(a) provêm do verbo kulovòla (dote) da língua xichangana. Lobolar é ato de pagar dote aos pais da noiva, prática frequente em linhagens patrilineares. (b) alguém que pratica o negócio ilícito. Vem do substantivo kandonga (indivíduo que faz negócios ilícitos). Ndonga é sobrenome também. (c) nome atribuído a qualquer estrangeiro que vem em missão de ajuda. (d) não conseguir (e) ser confuso (f) É uma importação do contexto da língua xichangana.
Na cultura bantu acreditava-se que quando alguém sente fome havia bichos no estômago que roncavam procurando comida.
Para os calar era preciso comer alguma coisa. Até nos dias de hoje, os falantes da língua xichangana ainda dizem: dlaya nyocana! (matar o bicho!) para se referir a primeira refeição do dia que ocorre antes das 12h.
E assim, houve transporte desse contexto para português: matabicho que significa “café da manhã” (no PB) ou pequeno-almoço (no PE).
É importante que em muitas LB não existe palavra para designar o “café da manhã” uma vez que pela cultura se tem duas refeições por dia: almoço e jantar. O “café da manhã” apareceu com as tradições/civilizações européias.
Ora, esta criação de unidades lexicais é uma característica “normal” das línguas. O português do Brasil é exemplo mais que claro que ilustra a criatividade lexical de uma língua: de cheeseburger se formou x-burger e seus derivados: x-bacon, x-egueburguer, x-salada, x-tudo, x-coração, x-galinha, x-coração, x-tudo.