Apontamentos Resumo: Direito Indiano (Hindu)

Resumo: Direito Indiano (Hindu)

A Índia apresenta dois sistemas:

  1. HINDU (extra-oficial);
  2. COMMON LAW ou ANGLO INDIAN LAW (oficial).

 

A Índia foi colonizada pela Inglaterra, a partir do séc. XVIII e lá se estabeleceu o sistema de COMMON LAW, como nos EUA. Mas, extra-oficialmente, o povo indiano segue um outro sistema jurídico para resolver seus problemas, que é o SISTEMA HINDU.

Do mesmo modo que estudamos que o d. Muçulmano serve AOS muçulmanos, o d. Hindu serve ÀQUELE QUE FAZ PARTE DA COMUNIDADE HINDUÍSTA. E o que é o Hinduísmo?

Muitos dizem que é uma religião, mas não é, pois para ser uma religião instituída é preciso que se conheçam os dogmas, as regras que são imutáveis, inquebráveis, que fundamentam a religião e a população é obrigada a seguir tais dogmas para poder fazer parte daquela religião. No caso do HINDUÍSMO é muito mais uma FILOSOFIA DE VIDA, do que propriamente uma religião. Percebe-se que o d. Hindu não prevê sanção para o ser humano, porque cada um está livre, enquanto indivíduo, para fazer a coisa certa ou errada e segundo prega a doutrina HINDU, se vc faz o errado, o maior prejudicado é vc mesmo, essa é a perspectiva.

Então o que acontece com o d. HINDU é que ele é na realidade é um conjunto de regras, de princípios que são recomendados a cada indivíduo, para seguí-los. Esses princípios fazem com que o indivíduo construa um certo modo de vida, que para os HINDUÍSTAS é considerado o modo correto de viver e vc, como ser humano, tem que, desde a mais tenra infância, estar pronto para respeitar esse modo de vida e conseqüentemente viver, de forma correta. Não deve abrir espaço para o erro, tendo que sempre que tentar viver de forma bastante correta e isso significa, de forma bastante PACÍFICA. A pessoa é obrigada a seguir esses princípios, que vêem de uma prática.

A primeira coisa que se deve entender é que o d. Hindu é muito mais entendido como um conjunto de regras para regulamentar o comportamento do homem, mas que cabe ao homem seguir ou não, cada indivíduo toma um partido e segue sua escolha. Palavra importante: ESCOLHA. Então essa primeira característica é a de que O INDIVÍDUO ESTÁ LIVRE.

Uma segunda característica é a de que o d. Hindu fundamenta-se na crença de que cada ser humano é parte essencial no equilíbrio do Universo. A pessoa, enquanto indivíduo, ao agir de forma correta, viver direito e seguir as regras, está assim se preservando e ao mesmo tempo está preservando o ambiente e o mundo como um todo. Então quando se segue o d. Hindu, ao indivíduo é dada a escolha de segui-lo ou não, no entanto, é ensinado à pessoa, desde criança, que se ela não segue a regra, ela esta se prejudicando e prejudicando a humanidade inteira com o seu mau comportamento. Assim, sendo a pessoa educada desde criança, ela é livre para seguir ou não, mas se não seguir estará prejudicando todo o mundo. Claro que, se a pessoa é educada desta forma, ao crescer e tornar-se adulto, será provavelmente, UM INDIVÍDUO ORDEIRO, aquele que segue a ordem. Essa é a essência da segunda característica: O d. Hindu é baseado na crença na ORDEM e na OBEDIÊNCIA. Ao indivíduo, desde pequeno, é ensinado que o certo é obedecer, o certo é seguir, embora ele tenha o poder de escolha nas mãos.

A lei é muito importante para o lado ocidental do mundo, mas para o lado oriental há uma perspectiva cultural muito forte, e a lei não toca nestas questões porque eles recebem uma educação cultural de que, desde pequeno, se aprende que “O CERTO É O CERTO” e não se deve questionar essa afirmação.

O princípio fundamental do d. Hindu é não matar, consideram essa uma atitude escandalosa, e a pessoa ficará eternamente sendo punida pelo crime cometido. Se a pessoa sabe que tal atitude é errada, então ela não faz, e não é porque a COMMON LAW lhe diz que é errado… ela não faz porque aprendeu que não deve sequer tocar num ser humano e muito menos, matá-lo.

Existe a tradição da EDUCAÇÃO E DA ORDEM que são muito mais importantes do que a lei. Deve-se considerar que a Índia vem se desenvolvendo, mas a maior parte da população ainda é pobre e analfabeta. Porém, consideram que mais importante é a EDUCAÇÃO e a OBEDIÊNCIA.

Outra base do d. Hindu é o sistema de castas. Se eles acreditam que o indivíduo tem que ser educado, desde pequeno, baseado na ordem, o indivíduo nasce numa determinada classe social e morre nessa mesma classe (casta) social. E de nada vale inquirir e pedir mudança de CASTA SOCIAL, pelo contrário, a sociedade Indiana é bastante pacífica e não tem o costume de fazer reivindicações, revoluções, pois tudo permanece do mesmo modo, dos tempos passados até os de hoje… porque se aprende que a ORDEM é muito importante e a ORDEM começa desde o dia em que o indivíduo nasce e assim, tudo já está programado na vida dele. Assim, se ele nasceu numa determinada casta, não lhe cabe discutir isso, apenas lhe cabe aprender a tradição da sua casta social e seguir a tradição à risca. Se o indivíduo segue o que foi determinado par ele, não terá problemas.

Esse sistema de castas, oficialmente, não existe mais. A COMMON LAW aboliu o sistema de castas na Índia e oficialmente, todos os cidadãos são iguais, homens e mulheres, ricos ou pobres, pela Constituição Indiana, todos são iguais. O que ocorre é que, como eles pouco se importam com a lei e a constituição, eles ainda seguem a doutrina Hinduísta, que diz que todos são DIFERENTES. Então cada um, desde o seu nascimento, já tem sua vida programada. Há estatísticas de que há cerca de 6.000 subcastas na Índia, então cada indivíduo tem, de fato, a sua situação programada e só lhe cabe seguir e obedecer, sem questionar. Assim, para todo tipo de situação há CASTAS SOCIAIS.

Outra característica do d. Hindu é que cada indivíduo é diferente na sociedade a partir da CASTA a qual ele pertence. O d. Hindu não prevê os direitos e deveres iguais para todos, pelo contrário, os direitos e os deveres são diferentes a partir da CASTA da pessoa. Se o indivíduo pertence à CASTA “A”, terá certos deveres e certos privilégios… P ex.: A principal CASTA na Índia é a CASTA SACERDOTAL, são os BRÂMANES, aqueles que são aceitos nos cultos religiosos, que tem praticamente todos os privilégios e quase nenhuma obrigação. Quase nem são julgados, mesmo tendo cometido um erro, perante o sistema HINDU praticamente todos “passam a mão” na cabeça dele e ele não será culpabilizado por nada porque ele é um BRÂMANE, pertencente à CASTA mais importante da Índia. Quando os BRÂMANES cometem erros, geralmente eles não são julgados, nem mesmo advertidos, apenas por serem da CASTA principal, sendo considerados indivíduos acima de qualquer suspeita.

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Como existem CASTAS DIREFERENTES com deveres e privilégios diferentes, há também regras para o casamento e cada um deles sabe, desde que nasce, com quem pode e deve se casar. Assim, os BRÂMANES  casam-se entre eles, com indivíduos de sua CASTA, do mesmo jeito que a elite governamental casa-se com pessoas da sua mesma elite, entre eles, que vão continuar governando. Assim, quem nasceu nas subcastas casa-se com nascidos nas mesmas subcastas e seus filhos pertencerão às mesmas subcastas.

Essa característica do d. Hindu é a HIERARQUIA DAS CASTAS SOCIAIS. Se a pessoa nasce numa CASTA, morre pertencendo a ela, não havendo opção para mudar.

Mas, oficialmente, isso não existe!

Todos deveriam casar-se com quem desejasse, casamentos entre quaisquer pessoas, mas na prática é diferente, e as CASTAS regem as relações entre as pessoas. E quanto mais adentrarmos ao interior da Índia, quanto mais “camponesa”for a comunidade, as CASTAS são mais fortes ainda. Nos grandes centros urbanos isso já tem mudado e a COMMON LAW tem atingido as pessoas, as quais tem seguido o sistema jurídico oficial, com mulheres na rua, trabalhando, assumindo cargos em empresas multinacionais, mulheres jovens que vão estudar fora do país e voltam para trabalhar na Índia, dando surgimento ao fenômeno da NOVA CLASSE MÉDIA INDIANA, porque, até então, há uns dez anos, ainda não havia classe média na Índia, havendo a classe muito rica, que mandava em tudo e em todos, enquanto 90% da população era composta de miseráveis, muito pobres, que passavam fome mesmo, mas que viviam baseados na ORDEM, sem nenhuma mudança e a elite, mandando em todos.  Isso foi se modificando e atualmente surgiu a classe média Indiana, uma classe “meio termo”, uma classe que vem buscar seu sustento e sucesso através do estudo, mudando de vida.

Essa mudança tem sido lenta, mas gradual, porém não há revoluções sociais, não tem sido de uma hora para outra, mas as transformações vem acontecendo paulatinamente, nada de mudanças avassaladoras… Assim, também há classes que, mesmo sendo muito ricos, tem mudado sua situação, apesar de privilegiados. Exemplo disso é que há pessoas que saíram da Índia para estudar, voltaram formados doutores e abriram escolas, como modo de diminuir esse “buraco” entre as pessoas, através da EDUCAÇÃO para os mais pobres, aqueles que não podem pagar seus estudos no exterior e nem mesmo no seu próprio país, como as crianças das subcastas, as pobres e órfãs, que nessas escolas recebem comida e educação. A tentativa e louvável intenção é que assim, pelo estudo, eles sejam formados e sejam elevados à categoria BRÂMANE, mesmo sem terem nascido nessa CASTA.

A doutrina Hindu está baseada em três princípios:

O DHARMA= É o mais importante. É a ciência do justo, diferentemente do sentido de justiça. É o justo no sentido universal, ser justo na sua vida. P.ex.: Não tirar nada de ninguém, não matar, preservar a natureza… é o justo enquanto ser humano justo, nada de jurídico. O DHARMA ensina como cada ser humano deve ser justo na vida.

O ARTHA = É a ciência do enriquecimento, do bom governo, pois os Indianos, segundo a tradição, acreditam que, se a pessoa nasceu pobre e miserável, não tem que roubar e matar para ascender socialmente e mudar de vida, mas nada impede que o indivíduo, de forma digna e ordeira, através de seu trabalho, enriqueça. Não é porque nasceu pobre que tem que morrer pobre, pois pela doutrina, o ARTHA  possibilita ao ser humano enriquecer.

O KHAMA = É a ciência do prazer. O Hinduísmo prega que para o ser humano ser completo e obedecer à ordem cósmica, tem que obedecer aos princípios.

Então, a pessoa tem que ser justa, tem que buscar uma vida próspera e buscar uma vida feliz e prazerosa, ter todo tipo de prazer na vida… boa vida, boa alimentação, vestimentas. Pra que o homem diga o direito, ele tem que ser um homem completo e ter tudo isso na sua vida. Na miséria, a pessoa tem que ser positiva e buscar o desenvolvimento.

O sentido do DHARMA é o justo, sendo o mais importante na tradição Indiana. O DHARMA não separa o que é conduta jurídica do que é conduta social, semelhante ao d. Muçulmano. Para ser justo, o bom cidadão deve ter uma boa conduta jurídica e social, pois o DHARMA não separa o que é jurídico do que não é, o que importa e ser um cidadão completo e ter uma conduta correta na sua vida, tal como o d. Muçulmano. O DHARMA abrange no seu conjunto a conduta dos homens, não distinguindo entre direitos religiosos e obrigações jurídicas.

E onde se encontram os princípios de vida do d. Indiano? Nos SASTRAS.

Sastras são obras, livros, que contém todo o conjunto de regras da doutrina Hinduísta. Tudo o que se precisa saber para ter uma boa conduta na vida, seja religiosa ou jurídica, está nos SASTRAS. A maioria da população analfabeta não irá ler esse livro, aprendendo através da TRADIÇÃO, da EDUCAÇÃO.  Os SASTRAS contém um conjunto de regras, do que pode e o que não pode, mas o HINDUÍSMO prevê que a pessoa tem liberdade de escolha. Nos SASTRAS não se encontram SANÇÕES, e essa é sua grande diferença do d. Muçulmano, que determina a sanção no FIQH. Se a pessoa descumpriu ao SASTRAS, o maior prejudicado será ela mesma, no sentido religioso do prejuízo, pois acreditam que a pessoa sofrerá sucessivas encarnações e se ela descumpre algo aqui na terra, que o correto seria cumprir, a maior prejudicada será ela mesma, porque futuramente poderá voltar à terra da forma mais horrível possível…

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Enfim, os SASTRAS trazem a REGRA, mas não trazem a SANÇÃO. Mas independentemente da doutrina, prega que o homem deve ser ORDEIRO, do bem. Porém como todos cometemos erros, em qualquer lugar do mundo não existe perfeição, como ordenar e coordenar uma população de mais de um bilhão de pessoas, sem ter uma punição par ser impingida, estabelecida? Sabemos que toda regra prevê uma sanção, desde a Idade das Pedras…

Na prática, as questões jurídicas são regulamentadas por outro princípio que não é o do DHARMA (o justo), e sim o princípio do ARTHA (ciência do bom governo). Cada aldeia tem seu governante e sua parte privilegiada que manda em todos. Esse governante nasceu naquela CASTA, mas ele tem os seus auxiliares, a sua ASSEMBLÉIA. Esse governante (Príncipe) é auxiliado por um grupo de homens que compõem ASSEMBLÉIA. Eles é quem tomam as decisões de cada caso jurídico ocorrido naquela aldeia, e dessa decisão pode vir uma SANÇÃO bastante severa, isso pode acontecer. Na hora de julgar, o governante pode se afastar do princípio maior que é o princípio do DHARMA, o princípio do justo. O governante pode se afastar do DHARMA, só não pode impor a pena de morte, pois pelo princípio maior, não se pode matar ninguém.

A SANÇÃO varia de lugar para lugar, de cultura para cultura, porque cada aldeia vai ser diferente uma da outra, tendo costumes diferentes. Então as penas que são impostas, são de acordo com a cultura do lugar. O PRÍNCIPE e mais a ASSEMBLÉIA decidem o veredicto culpado ou inocente, e determinam a SANÇÃO ao julgado culpado. A SANÇÃO existe mas não está prevista nos livros de conduta, os SASTRAS.

A SANÇÃO depende da classe social e quem pertence à classe privilegiada, geralmente nada sofre, mesmo cometendo erros e abusos e aos da classe pobre resta a SANÇÃO que chega com mais severidade.  Uma coisa é a teoria, outra é a prática.

Segundo prega a doutrina Hindu, o ser humano não tem que seguir igualmente cada tipo de decisão, cada um tem que seguir os três princípios, mas dependendo da sua CASTA SOCIAL o indivíduo segue mais a um do que a outro. P. ex.: Quanto ao DHARMA, quem deve ser o mais justo são os BRÂMANES; quem deve usar o ARTHA, os dirigentes, o Príncipe, que devem saber mais da arte de governar, a fórmula do sucesso, enfim, dependendo da CASTA do indivíduo ele enquadra-se mais em um do que no outro, porém todos devem ser justos, prósperos e felizes!

A legislação e precedentes judiciais não são considerados pelo DHARMA e pela doutrina Hindu como fontes do direito.  “É permitido ao Príncipe legislar, porém a arte de governar e as instituições de direito público dependem do ARTHA e não do DHARMA, que exige que obedeçam às ordens do Príncipe, mas ele próprio continua pela sua própria natureza, fora das “intromissões” do príncipe. A legislação e ordens do Príncipe não podem produzir efeito algum sobre o DHARMA, sendo apenas medidas ditadas pela oportunidade e possuem caráter temporário.

O princípio do DHARMA continua sendo superior à todos os outros, é o princípio maior, mas o príncipe pode se afastar dele se houve problema na sua aldeia, se ocorreu um homicídio, ele tem que julgar, independentemente daquilo estar errado perante a comunidade, deve julgar e tomar uma atitude, não significando que ele modificou o que está prescrito nos  SASTRAS e sua decisão não altera o que está escrito, não altera o princípio maior que é o DHARMA.

O príncipe cria leis, mas dentro da aldeia existem regras, que mudam de lugar para lugar, desde que ao criar regras, ele não altere algo superior, que esteja nos SASTRAS, apenas se afasta, mas não rompe com o que rege o d. Hindu.

A maioria da população, em pleno séc. XXI, rege suas vidas pelo sistema extra-oficial. Apesar de quantitativamente existir uma população que segue o sistema Hinduísta, não significa dizer que os 80% da população estão ”protegidos” da Common Law, pelo contrário. A Anglo Indian Law é o que vale para 100% da população e suas regras e suas sanções valem para todos.

O que acontece é que, tanto a regra quanto a sanção, não chegam aos lugares muito distantes, a população não sabe que existe um tribunal, que existe um juiz, se eles nem sabem ler… se eles vivem numa pequena propriedade, que mal dá para se alimentar e nunca viram um médico ou um juiz. Na prática muitos nem sabem que ocorreu a Independência e que existe uma Constituição. Nada disso é do conhecimento desse povo, que continua vivendo segundo apenas o que aprendem. Nas grandes cidades existe o aparato do Estado  par controlar as pessoas, ou seja, existe polícia, justiça para coibir, controlar os crimes e ordenar a sociedade. Então tudo funciona como em qualquer cidade do mundo, ou quase…

Na aldeia, eles dirigem-se ao chefe da aldeia para dirimir os conflitos, na prática. A legislação e o precedente não são os mais importantes; o mais importante são o COSTUME e a TRADIÇÃO. Então, ao invés de procurar a polícia e a justiça, procuram-se os governantes e eles receberão a queixa e decidirão o que fazer.

CONCLUSÃO: o SISTEMA Hindu existe na Índia de forma extra-oficial pois a ANGLO INDIAN LAW, baseada na jurisprudência é o sistema oficial. Cerca de 80% da população na Índia segue o sistema Hinduísta, que ainda prevê a OBEDIÊNCIA À TRADIÇÃO E AO SISTEMA DE CASTAS.