O discurso sobre a ética de responsabilidade social empresarial ganhou intensa visibilidade nos últimos anos devido ao avanço da globalização. Autores mostram que diferentes abordagens para o tema foram desenvolvidas em diversos contextos históricos ou fases. Essas análises mostram que as várias abordagens ou fases são fortemente relacionadas a transformações sociais históricas importantes e a influentes agentes ou instituições. A influência do contexto histórico e de instituições é evidenciada na profusão de definições de responsabilidade social na literatura durante as décadas de 1980 e 1990. No contexto contemporâneo a literatura de ética de responsabilidade social está em franca ascensão e passou a ser de interesse de muitos agentes e instituições. É um interesse explicado pelo cenário de desafios e contradições trazidas pela globalização, os quais, não devem ser resolvidos tão e somente pela ética de responsabilidade social. Conflitos relativos à questão ambiental, ao abuso de consumidores, à interferência no âmbito das políticas públicas, entre outros.
1. Surgimento da Responsabilidade social empresarial ou organizacional
A emergência das ciências administrativas e a rápida profissionalização dessa actividade, no início do século XX nos EUA, provocaram debates sobre a dimensão social das empresas. Havia naquela época grande desilusão frente às promessas do liberalismo econômico devido ao crash da Bolsa de Nova Iorque. Os elevados lucros de grupos empresariais que actuavam em monopólios despertavam forte descontentamento na população, que discutia a distribuição justa de riquezas e o papel do Estado enquanto observava a ascensão do socialismo na Europa. O conceito de responsabilidade social é construído nessa época, apoiando-se nos princípios básicos da filantropia e da governação, manifestações paternalistas do poder corporativo. As empresas são estimuladas a serem generosas para com os “desfavorecidos” e a levar em conta, no curso de suas actividades, os interesses de outros actores sociais. O conceito de responsabilidade social era associado à obrigação de produzir bens e serviços úteis, gerar lucros, criar empregos e garantir a segurança no ambiente de trabalho. Por causa dos dilemas morais enfrentados por executivos, surgem também nesse período as preocupações com uma ética de ordem pessoal na condução dos negócios. Os princípios morais tradicionais da honestidade, integridade, justiça e confiança foram incorporados ao mundo dos negócios, o que denota a restrição da ética de responsabilidade social organizacional (CARROLL, 1999 apud FARIA – SAUERBRONN, 2008: 7).
2. Segunda fase da responsabilidade social empresarial (1960-80)
A década de 1960 foi marcada pelas tentativas para definir a ética de responsabilidade social organizacional de forma mais precisa. Isso se deve em grande parte ao cenário de contestações e de turbulência social da década de 1960, quando grandes empresas tornam-se alvos frequentes de diversas reivindicações, motivadas pelo fortalecimento de princípios revolucionários e pela mobilização da sociedade civil. Essa mobilização possibilita o surgimento de movimentos sociais que passam a exercer pressão sobre as empresas, discutindo a responsabilidade das mesmas sobre diversas questões — tais como poluição, consumo, emprego, discriminação racial e de gênero.
Na década de 1960, floresceu o pluralismo, um período de rebelião cultural nos EUA. Uma nova geração desafiava abertamente os pressupostos básicos dos estilos de vida, o complexo militar-industrial, a intervenção militar no estrangeiro, a exploração do meio ambiente, os direitos e os papéis da mulher, os direitos civis, a equidade e a pobreza. O establishment da corporação americana foi fortemente abalado pela aparente ameaça a seus valores e interesses (KORTEN, 1996: 80 apud FARIA – SAUERBRONN, 2008: 7).
No início da década de 1970, surgem debates centrados na responsabilidade social das empresas, na economia política e nos limites do crescimento. As corporações passaram a responder por obrigações mais amplas que a mera rentabilidade. Constitui-se formalmente a ética empresarial, um campo interdisciplinar protagonizado pela filosofia e pela administração. Ainda no final dos anos 1970, a empresa passa a ser percebida como uma entidade moral e as decisões empresariais passam a ser entendidas além do nível individual. O caráter organizacional passa a caracterizar as decisões empresariais, que passam a ser entendidas como um resultado de estruturas decisórias planeadas com seus objectivos, regras e procedimentos estabelecidos pela organização. Surge a ideia de ética de responsabilidade corporativa, significando a substituição da perspectiva individualista pela organizacional. Com a consolidação das discussões sobre a ética empresarial de orientação normativa, o vocabulário da filosofia (bem, mal, dever, justiça) começa a ser gradualmente substituído por uma terminologia mais sociológica (poder, legitimidade, racionalidade). Assim, a ideia de responsabilidade dissocia-se progressivamente da noção discricionária de filantropia, e passa a referir-se às consequências das próprias actividades usuais da empresa (KREITLON, 2004 apud FARIA – SAUERBRONN, 2008: 9).
3. A terceira fase (a partir de 1980)
É aquela na qual, as preocupações com ajuste fiscal, diminuição do tamanho Estado (redução de despesas sociais, privatizações e desregulamentações), liberalização do comércio internacional, e renegociação das relações trabalhistas são a tônica do início da década de 1980.
Novas tecnologias de informação impulsionam a globalização por meio de transformações profundas e controversas no sistema financeiro. Grandes empresas de origem local dão lugar a redes corporativas transnacionais de ramificações complexas, cujo desempenho passa a ser medido por indicadores e critérios financeiros estabelecidos pelas matrizes. Graças às novas tecnologias de produção, distribuição, comunicação e informação, a produção se descentraliza drasticamente. Em paralelo, a mão-de-obra passa a ser subcontratada e a operar a partir de qualquer país ou região.
A década de 1980 se caracteriza também pela diversificação das correntes teóricas dedicadas ao questionamento ético e social das empresas e por uma crescente institucionalização do fenômeno de ética de responsabilidade social (KREITELON, 2004 apud FARIA – SAUERBRONN, 2008: 7).
Como se pode notar, as fases da evolução da responsabilidade social apresentadas acima fazem muito mais referência ao surgimento e desenvolvimento da responsabilidade social (teórica e praticamente), tomando como palco, o norte dominante, mais especificamente aos Estados Unidos da América. Aliás, recentes abordagens, sobre responsabilidade social, empreendedorismo, lideranças têm a sua origem e desenvolvimento ligado aos Estados Unidos. Contudo, cada contexto, cremos nós, tem a sua dinâmica concreta na qual se comporta a questão de ética de responsabilidade social. Nosso interesse era trazer, de facto, o contexto de surgimento do tema que nos propomos a abordar, uma vez que também, o definimos no início deste trabalho.