A natureza dos pigmentos
Uma pintura, seja ela mural ou de cavalete, é formada por um conjunto de materiais de diferente natureza química organizados numa estrutura em camadas. A face visível da pintura, onde se misturam cores e formas, é constituída pelas camadas mais superficiais, de que fazem parte o verniz, quando existente, por um lado, e os pigmentos, os corantes e os aglutinantes, por outro, camadas estas aplicadas sobre uma preparação, ela própria contendo pigmentos, e esta sobre o suporte ou então encontram-se estas camadas cromáticas directamente colocadas sobre o suporte – que, em qualquer um dos casos, pode ser de tela, madeira, alvenaria, vidro, metal ou outro material.
Os pigmentos, no sentido restrito do termo, são geralmente materiais de origem inorgânica, cristalinos e insolúveis, utilizados pela cor que apresentam (Quadro 1). Distinguem-se dos corantes, igualmente usados por causa da sua cor, pelo facto de estes serem materiais orgânicos normalmente solúveis (Quadro 2). Nalgumas situações, porém, têm sido utilizados materiais compósitos que resultam da deposição dos corantes à superfície das partículas de um pigmento branco transparente, materiais estes que em português recebem o nome de lacas e em inglês o nome de lakes ou pigment lakes.
Combina-se nestes materiais compósitos a vantagem da cor intensa normalmente proporcionada pelos corantes com o corpo derivado das partículas dos pigmentos.
Os aglutinantes, que mantêm a coesão das partículas que constituem os pigmentos ou servem de solvente aos corantes, estão directamente relacionados com a técnica de pintura, deles derivando as designações de pintura a óleo, caso em que o aglutinante é um óleo secativo, pintura a têmpera, quando é empregue uma emulsão como a que constitui a gema de ovo (uma mistura de água com substâncias oleosas tornada estável por um agente emulsionante – um fosfolípido), ou, nos tempos mais recentes, pintura acrílica, situação em que o aglutinante é um material acrílico de fabrico industrial.
A cor que nos é mostrada pelos pigmentos, aliás como sucede com qualquer outro material, resulta de uma absorção selectiva da luz, que corresponde à parte visível do espectro electromagnético De uma forma geral, esta absorção da radiação electromagnética que é a luz visível corresponde a uma absorção de energia, a qual é utilizada em determinadas transições electrónicas. No caso dos materiais inorgânicos, são sobretudo os elementos de transição que estão na origem desta absorção e as transições electrónicas ocorrem entre diferentes orbitais d do nível que se encontra parcialmente preenchido. No caso dos materiais orgânicos, a cor deve-se a transições electrónicas envolvendo moléculas insaturadas ou em que os átomos de carbono se encontram ligados, por exemplo, a átomos de
azoto, oxigénio ou enxofre.
Ao longo da história, os pigmentos têm sido muitíssimo mais utilizados em pintura do que os corantes. Razões para esta preponderância daqueles materiais serão, talvez, a sua maior acessibilidade, já que muitos pigmentos se encontram na natureza numa forma que pode ser utilizada sem grande manipulação, a sua maior estabilidade, que, de um modo geral, claramente contrasta com a significativa tendência de os corantes mudarem de cor, com a maior facilidade de utilização que resulta de não se dissolverem no aglutinante e com a maior opacidade das camadas de pintura a que dão origem.
Convém referir, contudo, que o nome pigmento, no sentido mais amplo, é por vezes atribuído ao conjunto de todos estes materiais que contribuem para a cor de uma partícula, independentemente da sua natureza, e é neste sentido que, de uma forma geral, será aqui utilizado. No entanto, pela sua consideravelmente maior importância histórica na pintura, será prestada maior atenção aos materiais que correspondem à palavra pigmento na sua acepção mais específica.
Estes últimos materiais são minerais somente sujeitos a processos muito simples de purificação (malaquite, ocres e azul ultramarino natural, por exemplo), ou compostos resultantes da calcinação de produtos de origem animal (negro de osso ou negro de marfim), vegetal (negro de videira) ou mineral (terra de siena queimada), ou são obtidos a partir de diferentes matérias-primas através de processos químicos de síntese, mais complexos, realizados de forma controlada como hoje acontece num laboratório ou numa unidade fabril (azul ultramarino artificial, branco de titânio ou amarelo de cádmio) ou conduzidos de forma empírica como durante alguns milénios sucedeu (branco de chumbo ou vermelhão). Em termos químicos, correspondem sobretudo a óxidos, carbonatos ou sulfuretos de alguns metais de transição, designadamente cobre, ferro, crómio e cobalto, ou de outros metais dos grupos principais da tabela periódica, como o chumbo.
Os corantes, que têm a sua principal utilização em tinturaria, até 1856 tinham apenas origem vegetal (índigo ou garança) ou animal (cochinilha). Neste ano, porém, William Perkin obteve o primeiro artificial, a cor de malva, uma anilina, e a partir de então o número de corantes preparados em laboratório cresceu muito rapidamente, estando hoje disponíveis variedades sintéticas de muitos dos corantes que começaram por ser usados na sua forma natural.