É o meio de impugnação de um acto administrativo praticado por um órgão subalterno, perante o respectivo superior hierárquico, a fim de obter a revogação ou a substituição do acto recorrido (art. 166º/2 CPA).
O recurso hierárquico tem sempre uma estrutura tripartida:
a) O recorrente: que é o particular que interpõe o recurso;
b) O recorrido: que é o órgão subalterno de cuja decisão se recorre, também chamado órgão a quo;
c) E a autoridade de recurso: que é o órgão superior para quem se recorre, também chamado órgão ad quem.
São pressupostos para que possa haver um recurso hierárquico: que haja hierarquia; que tenha sido praticado um acto administrativo por um subalterno; e que esse subalterno não goze por lei de competência exclusiva. Fora destes pressupostos não há recurso hierárquico.
1. Espécies de Recursos Hierárquicos
Em primeiro lugar, e atendendo aos fundamentos com que se pode apelar para o superior hierárquico do órgão que praticou o acto recorrido, o recurso hierárquico pode ser de legalidade, de mérito, ou misto.
Os recursos hierárquicos de legalidade, são aqueles em que o particular pode alegar como fundamento do recurso a ilegalidade do acto administrativo impugnado.
Os recursos de mérito, são aqueles em que o particular pode alegar, como fundamento, a inconveniência do acto impugnado.
Os recursos mistos, são aqueles em que o particular pode alegar, simultaneamente, a ilegalidade e a inconveniência do acto impugnado.
Deve dizer-se a este respeito que a regra geral no nosso Direito Administrativo é a de que os recursos hierárquicos têm normalmente carácter misto, ou seja, são recursos em que a lei permite que os particulares invoquem quer motivos de legalidade, quer motivos de mérito, quer uns e outros simultaneamente.
Há todavia, excepções a esta regra: são, nomeadamente, os casos em que a lei estabelece que só é possível alegar no recuso hierárquico fundamentos de mérito, e não também fundamentos de legalidade.
Uma outra classificação dos recursos hierárquicos é aquela que os separa em recursos necessários e recursos hierárquicos facultativos (art. 167º/1 CPA)
Há actos administrativos que são verticalmente definitivos, porque praticados por autoridades de cujos actos se pode recorrer directamente para o Tribunal Administrativos, e há actos que não são verticalmente definitivos, porque praticados por autoridades de cujos actos se não pode recorrer directamente para os Tribunais.
O “recurso hierárquico necessário” é aquele que é indispensável utilizar para se atingir um acto verticalmente definitivo do qual se possa recorrer contenciosamente.
Diferentemente, o “recurso hierárquico facultativo” é o que respeita a um acto verticalmente definitivo, do qual já cabe recurso contencioso, hipótese esta em que o recurso hierárquico é apenas uma tentativa de resolver o caso fora dos Tribunais, mas sem constituir um passo intermédio indispensável para atingir a via contenciosa.
A regra do nosso Direito é que os actos dos subalternos não são verticalmente definitivos: por conseguinte, em princípio, dos actos praticados pelos subalternos é indispensável interpor recurso hierárquico necessário. E aí, de duas uma: ou o superior dá razão ao subalterno confirmando o acto recorrido, e desta decisão confirmativa cabe recurso contencioso para o Tribunal Administrativo competente; ou o superior hierárquico dá razão ao particular, recorrente, e nesse caso, revoga ou substitui o acto recorrido, e o caso fica resolvido a contento do particular.
2. Regime Jurídico do Recurso Hierárquico
Interposição do recurso: O recurso hierárquico é sempre dirigido à autoridade ad quem: é a ela que se formula o pedido de reapreciação do acto recorrido.
Mas nem sempre o recurso tem de ser interposto, ou apresentado, junto do órgão a quo, o qual o fará depois seguir para a entidade ad quem, a fim de que esta o julgue (art. 34º-a LPTA e art. 169º/2 CPA). O recurso hierárquico é dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do acto recorrido.
O recorrente tem assim um direito de escolha: ou apresenta o recurso na autoridade a quo ou na autoridade ad quem.
A lei permite recorrer per saltum para a autoridade ad quem (art. 34º-b LPTA).
Prazo de recurso: Se se tratar de recurso hierárquico necessário, vigora o disposto no art. 34º-a LPTA e art. 168º/1 CPA. A lei fixa aqui um prazo de trinta dias para a interposição de recurso hierárquico necessário; se este não for interposto dentro do prazo, o recurso contencioso que se venha depois a interpor do acto pelo qual o superior decida o recurso hierárquico, será extemporâneo e, consequentemente, rejeitado por ter sido interposto fora do prazo.
Se for um recurso hierárquico facultativo, não há prazo para o interpor. Simplesmente, acontece que é de toda a conveniência que, se o particular entender interpor tal recurso, o faça logo no início do prazo para o recurso contencioso, porque tem toda a vantagem em que o recurso hierárquico facultativo seja decidido, se possível, antes de expirar o prazo para a interposição do recurso contencioso (art. 168º/2 CPA).
Efeitos de recurso: A interposição do recurso hierárquico produz um certo número de efeitos jurídicos, dos quais os mais importantes são o efeito suspensivo e o efeito devolutivo (art. 170º CPA).
O “efeito suspensivo” consiste na suspensão automática da eficácia do acto recorrido: havendo efeito suspensivo, o acto impugnado, mesmo que fosse plenamente eficaz, e até executório, perde a sua eficácia, incluindo a executoriedade, e fica suspenso até à decisão final do recurso; só se esta for desfavorável ao recorrente, confirmando o acto recorrido, é que este acto recobra a sua eficácia plena.
A regra no nosso Direito é que os recursos hierárquicos necessários têm efeito suspensivo ao passo que os facultativos não o têm.
Quanto ao “efeito devolutivo”, considera-se que na atribuição ao superior da competência dispositiva que, sem o recurso, pertence como competência própria ao subalterno.
Em regra, o recurso hierárquico necessário tem efeito devolutivo; quanto ao recurso facultativo, normalmente não o tem.
Tipos de decisão: o recurso hierárquico dá lugar a três tipos de decisão possível (art. 174º CPA):
a) Rejeição do recurso: dá-se quando o recurso não pode ser recebido por questões de forma (falta de legitimidade, extemporaneidade, etc.).
b) Negação do provimento: dá-se quando o julgamento do recurso, versando sobre a questão de fundo, é desfavorável ao ponto de vista do recorrente. Equivale à manutenção do acto recorrido.
c) Concessão do provimento: dá-se quando a questão de fundo é julgada favoravelmente ao pedido do recorrente. Pode originar a revogação ou a substituição do acto recorrido.
3. Natureza Jurídica do Recurso Hierárquico
A estrutura do recurso hierárquico, é um recurso de tipo de reexame, ou antes um recurso de tipo de revisão. Deve sublinhar-se desde já que esta tipologia não é privativa dos recursos hierárquicos, nem sequer é exclusiva do Direito Administrativo.
Diz-se que um recurso é do tipo “reexame” quando se trata de um recurso amplo, em que o órgão “ad quem” se substitui ao órgão “a quo”, e, exercendo a competência deste ou uma competência idêntica, vai reapreciar a questão subjacente ao acto recorrido, podendo tomar sobre ela uma nova decisão de fundo.
Diferentemente, o “recurso de revisão” é um recurso mais restrito em que o órgão “ad quem” não se pode substituir ao órgão “a quo”, nem pode exercer a competência deste, limitando-se a apreciar se a decisão recorrida foi ou não legal ou conveniente, sem poder tomar uma nova decisão de fundo sobre a questão.
A tendência geral do nosso Direito Administrativo é no sentido de que o recurso hierárquico necessário é um recurso de tipo reexame, ao passo que o recurso facultativo é um recurso do tipo revisão, fundamentalmente porque o recurso hierárquico necessário a competência do superior hierárquico é mais ampla do que o recurso hierárquico facultativo.
O recurso hierárquico é predominantemente objectivo ou predominantemente subjectivo, o que significa indagar se o recurso hierárquico é um instrumento jurídico que visa predominantemente defender os interesses gerais da Administração Pública ou se, pelo contrário, visa predominantemente defender os direitos subjectivos e os interesses legítimos dos particulares.
O recurso hierárquico é sempre simultaneamente uma garantia objectiva; mas, sendo certo que ele representa um instrumento de serviço dos interesses gerais da Administração e dos direitos e interesses dos particulares, o que se pergunta é qual o interesse que, em última análise, prevalece.
Na nossa opinião, o recurso hierárquico no nosso Direito é predominantemente um recurso com função objectiva.
No Direito Administrativo, e em particular no recurso hierárquico, entende-se que existe a figura da “reformatio in pejus”: quem interpuser recurso hierárquico sabe que se arrisca a que a decisão de que vai recorrer possa ser alterada para pior.
A função essencial do recurso hierárquico é mais a da garantia da legalidade e dos interesses gerais da Administração do que a garantia dos direitos e interesses legítimos dos particulares, pois se o recurso hierárquico fosse apenas uma garantia do particular é óbvio que não poderia haver “reformatio in pejus”.
O recurso hierárquico constitui uma manifestação do exercício da função administrativa ou da função jurisdicional.
O que se afigura preferível é considerar que se trata do exercício da função administrativa na modalidade da justiça administrativa, no sentido das figuras afins do poder discricionário. A decisão de um recurso hierárquico é apresentada como um exemplo típico de justiça administrativa, isto é, de uma decisão administrativa tomada segundo critérios de justiça e não segundo critérios de discricionariedade pura.
O prazo de decisão de um recurso hierárquico é de trinta dias (art. 175º CPA). No âmbito da decisão, o superior hierárquico pode sempre, com fundamento nos poderes hierárquicos, confirmar ou revogar o acto recorrido ou, ainda, declarar a respectiva nulidade; a menos que a competência do autor do acto não seja exclusiva, o superior hierárquico pode também modificar os substituir aquele acto (art. 174º CPA).
4. Os Recursos Hierárquicos Impróprios
Podem definir-se como recursos administrativos mediante os quais se impugna um acto praticado por um órgão de certa pessoa colectiva pública perante outro órgão da mesma pessoa colectiva, que, não sendo superior do primeiro, exerça sobre ele poderes de supervisão (art. 76º CPA).
Trata-se de recursos administrativos que não são recursos hierárquicos, porque o órgão “ad quem” não é superior hierárquico do órgão “a quo”, mas que também não são recursos tutelares, porque os dois órgãos, “a quo” e “ad quem”, são aqui órgãos da mesma pessoa colectiva pública. Sempre que se esteja perante um recurso administrativo a interpor de um órgão de uma pessoa colectiva pública, sem que entre eles haja relação hierárquica, está-se perante um recurso hierárquico impróprio. Tem como fundamentos: a ilegalidade ou o demérito do acto administrativo (arts. 159º e 167º/2 CPA). O recurso hierárquico impróprio só há, por natureza (art. 176º/1 CPA), ou quando a lei expressamente o previr (art. 176º/2 CPA). Fazendo-se aplicação subsidiária das regras relativas ao recurso hierárquico (art. 176º/3 CPA).
5. O Recurso Tutelar
É o recurso administrativo mediante o qual se impugna um acto da pessoa colectiva autónoma, perante um órgão de outra pessoa colectiva pública que sobre ela exerça poderes tutelares ou de superintendência (art. 177º/1 CPA). É o que se passa quando a lei sujeita a recurso para o Governo de certas deliberações das Câmaras Municipais. Os seus fundamentos é a ilegalidade ou o demérito do acto administrativo (arts. 159º e 167º/2 CPA). Geralmente é um recurso com natureza facultativa (art. 177º/2 CPA), isto porque existem alguns casos de recursos tutelares necessários. Tem uma natureza excepcional, só existindo quando a lei expressamente o previr (art. 177º/2 CPA). A sua aplicação é subsidiária às regras relativas ao recurso hierárquico (art. 177º/5 CPA).