1. Origem, Evolução, Conceito e Natureza
O recurso contencioso nasceu da necessidade de conciliar o princípio da separação de poderes com o controlo da actividade administrativa. Pode dizer-se que esta conciliação indispensável se fez em torno de três conceitos básicos:
- O conceito de acto administrativo, espécie de criação jurídica de um “alvo” em direcção ao qual se vai orientar a garantia contenciosa;
- O conceito de Tribunal Administrativo, como órgão especializado da Administração (e não da jurisdição);
- O conceito de recurso contencioso, como meio de apreciação da conformidade legal de um acto administrativo – o processo feito ao acto.
O recurso contencioso, trata-se de um meio de impugnação de um acto administrativo, interposto perante o Tribunal Administrativo competente, a fim de obter a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto. Com efeito:
- Trata-se de um recurso, ou seja, de um meio de impugnação de actos unilaterais de uma autoridade pública, é um recurso e não uma acção;
- Trata-se de um recurso contencioso, ou seja, de uma garantia que se efectiva através dos Tribunais;
- Trata-se de um recurso contencioso de anulação, isto é, o que com ele se pretende e se visa é eliminar da ordem jurídica de um acto administrativo inválido, obtendo, para o efeito, uma sentença que reconheça essa invalidade e que, em consequência disso, o destrua juridicamente.
A actual regulamentação do recurso contencioso revela, por um lado, uma confluência de elementos de índole objectivista e de índole subjectivista; por outro, a existência de dois modelos principais de tramitação, um mais subjectivista do que o outro. Principais elementos de índole subjectivista:
- O recurso interpõe-se contra o órgão autor do acto e não contra a pessoa colectiva pública (art. 36º/1-c LPTA);
- A resposta ao recurso somente pode ser assinada pelo autor do acto – e não por advogado (art. 26/2 LPTA);
- O órgão recorrido é obrigado a remeter ao Tribunal todos os elementos constantes do processo administrativo, incluindo aqueles que lhe forem desfavoráveis (art. 46º/1 LPTA);
- Não existem sentenças condenatórias.
Os principais elementos de índole objectivista:
- Os poderes processuais do órgão recorrido (art. 26º/1 LPTA);
- A garantia contra a lesão de direitos subjectivos e interesses legítimos através do recurso contencioso (art. 268º/4 CRP).
2. Elementos do Recurso Contencioso
Os elementos do recurso contencioso são:
a) Os sujeitos: são o recorrente, é a pessoa que interpõe o recurso contencioso, impugnando o acto administrativo; os recorridos, são aqueles que têm interesse na manutenção do acto recorrido; o Ministério Público; e o Tribunal.
b) O Objecto: o objecto do recurso é um acto administrativo. Se se impõe um recurso contencioso sem que haja acto administrativo, o recurso não tem objecto ou fica sem objecto. Aquilo que se vai apurar no recurso é se o acto administrativo é válido ou inválido. Tal apuramento faz-se em função da lei vigente no momento da prática do acto – e não em função da lei que eventualmente esteja a vigorar no momento em que é proferida a sentença pelo Tribunal.
c) O pedido: o pedido do recurso é sempre a anulação ou declaração de nulidade ou inexistência do acto recorrido
d) A causa a pedir: é a invalidade do acto recorrido, as mais das vezes resultante da sua ilegalidade. Os Tribunais Administrativos não podem substituir-se à Administração activa no exercício da função administrativa: só podem exercer a função jurisdicional. Por isso não podem modificar os actos administrativos, nem praticar outros actos administrativos em substituição daqueles que reputem ilegais, nem sequer podem condenar a Administração a praticar este ou aquele acto administrativo.
3. Principais Poderes dos Sujeitos sobre o Objecto do Processo
Poderes do Tribunal:
- Fazer prosseguir o recurso quando o acto seu objecto tenha sido revogado com eficácia meramente extintiva (art. 48 LPTA);
- Determinar a apensação de processos (art. 39º LPTA).
Poderes do Ministério Público:
- Arguir vícios não invocados pelo recorrente (art. 27º-d LPTA);
- Requerer o prosseguimento do recurso, designadamente em caso de desistência do recorrente (art. 27º-e LPTA);
- Suscitar questões que obstem ao conhecimento do objecto do recurso (art. 54º/1 LPTA).
Poderes do recorrente:
- Desistir;
- Pedir a ampliação ou a substituição do objecto do processo quando seja proferido acto expresso na pendência de recurso de acto tácito (art. 51º/1 LPTA).
Poderes do órgão recorrido (art. 26º/1 LPTA).
4. O Direito ao Recurso Contencioso
Os particulares têm direito ao recurso contencioso. É um Direito Subjectivo público, que nenhum Estado de Direito pode negar aos seus cidadãos (art. 268º/4 CRP). A garantia constitucional do direito ao recurso contencioso abrange:
a) A proibição de a lei ordinária declarar irrecorríveis certas categorias de actos definitivos e executórios;
b) A proibição de a lei ordinária reduzir a impugnabilidade de determinados actos a certos vícios;
c) A proibição de em lei retroactiva se excluir ou afastar, por qualquer forma, o direito ao recurso.
A jurisprudência constitucional considera que o direito ao recurso contencioso é um Direito fundamental, por ter natureza análoga à dos Direitos, Liberdades e Garantias consagrados na Constituição, aplicando-se-lhe portanto o regime destes (art. 17º CRP).