Apontamentos O Exercício do Poder Administrativo e a Responsabilidade Civil da Administração

O Exercício do Poder Administrativo e a Responsabilidade Civil da Administração

1. Preliminares e Conceito

O poder administrativo pode ser exercido por vários modos, isto é, regulamento, acto administrativo, contrato administrativo, e operações materiais (actividade técnica). Através de qualquer desses modos, pode suceder que a Administração Pública exerça o seu poder administrativo por forma tal que a sua actuação cause prejuízos aos particulares.

A “responsabilidade civil da Administração”, é a obrigação jurídica que recaía sobre qualquer pessoa colectiva pública de indemnizar os danos que tiver causado aos particulares no desempenho das suas funções.

2. Apreciação do Direito Actual

Para qualificar um certo e determinado acto ou facto causador de prejuízos numa ou noutra das categorias – de gestão privada ou de gestão pública –, o que há a fazer é verificar se tal acto ou facto se enquadra numa actividade regulada por normas de Direito Civil ou Comercial, o regime da responsabilidade é o que consta da lei civil e os Tribunais competentes são os judiciais; ou pelo contrário numa actividade disciplinada por normas de Direito Administrativo, a responsabilidade rege-se pelo disposto na lei administrativa, sendo competentes os Tribunais Administrativos.

Impõe-se fazer uma distinção entre duas hipóteses completamente diversas, conforme o facto danoso seja um acto jurídico, ou num facto integrado numa actividade que em si mesma revista natureza jurídica, não parece que possam surgir grandes dificuldades: um acto jurídico, uma actividade jurídica são, por definição, juridicamente regulados. De modo que tudo se resume em apurar se as normas reguladoras da actividade em causa são normas de Direito Privado ou normas de Direito Público: assim se determinará, sem esforço de maior, se tal actividade é de gestão privada ou de gestão pública; ou, pelo contrário, seja uma operação material, ou um facto integrado numa actividade não jurídica, aqui a solução do problema é mais complexa.

Ora a razão pela qual foram criados e coexistem estes dois regimes diferentes é que a Administração Pública, quando actua como tal, dispõe de prerrogativas e está sujeita a restrições que não são próprias do Direito Privado. De modo que, uma operação material ou uma actividade não jurídica deverão qualificar-se como de gestão pública se na sua prática ou no seu exercício forem de algum modo influenciados pela prossecução do interesse colectivo.

Há pois dois regimes de responsabilidade civil da Administração consagrados no nosso Direito actual – o regime da responsabilidade por actos de gestão privada e o regime da responsabilidade por actos de gestão pública.

3. Responsabilidade por Actos de Gestão Privada

A responsabilidade da Administração por actos de gestão privada assenta em dois traços característicos:

a) É regulada, em termos substantivos pelo Código Civil;

b) Efectiva-se, no plano processual, através dos Tribunais Comuns.

A matéria vem regulada no art. 500º CC, em conjugação com o disposto no art. 501º CC. Da articulação entre esses dois preceitos resulta que, nos casos de prejuízo causado por actos de gestão privada, o Estado é solidariamente responsável com os seus órgãos, agentes e representantes, pelos danos por estes causados aos particulares no exercício das suas funções.

A lei parte da responsabilidade dos órgãos, agentes ou representantes para a responsabilidade da pessoa colectiva pública, considerando esta solidariamente obrigada à indemnização sempre que aqueles, tendo actuado ao seu serviço, sejam responsáveis nos termos gerais.

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A pessoa colectiva pública que pagar efectivamente a indemnização devida ao lesado goza, depois, do direito de regresso contra o autor do facto danoso, podendo reaver tudo o que tiver pago, excepto se também houver culpa da sua parte.

Portanto, está-se em presença de uma responsabilidade objectiva da pessoa colectiva pública pelos actos dos seus órgãos, agentes ou representantes, mas na maior parte dos casos assentará sobre a responsabilidade subjectiva dos autores do facto danoso. Quer dizer: trata-se de uma responsabilidade objectiva quanto ao seu fundamento, mas que em regra funcionará, quanto aos requisitos de que depende, como responsabilidade subjectiva.

4. Responsabilidade por Actos de Gestão Pública

Os seus traços característicos são:

a) Esta forma de responsabilidade é regulada, no plano subjectivo, por normas de Direito Administrativo;

b) Em termos processuais, ela é efectivamente através dos Tribunais Administrativos.

A responsabilidade da Administração por actos públicos pode ser uma responsabilidade contratual ou extra-contratual.

A responsabilidade extra-contratual da Administração por actos de gestão pública reveste três modalidades:

  1. Responsabilidade por facto ilícito culposo;
  2. Responsabilidade pelo risco;
  3. Responsabilidade por facto lícito.

5. Responsabilidade por Facto Ilícito Culposo

É uma responsabilidade subjectiva, baseada na culpa. Para que se constitua, num caso concreto, esta forma de responsabilidade da Administração e a inerente obrigação de indemnizar, é necessário que se verifiquem quatro pressupostos:

a) O facto ilícito;

b) A culpa do agente;

c) O prejuízo;

d) O nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo, de tal modo que se possa concluir que o facto foi causa adequada do prejuízo.

A particularidade mais saliente que aqui importa sublinhar tem a vem com a chamada “culpa do serviço” (ou “falta do serviço”). Na verdade, a regra geral desta forma de responsabilidade é que só há obrigação de indemnizar se houver culpa. Emprega-se então a expressão culpa do serviço ou falta do serviço, para se significar, um facto anónimo e colectivo de uma administração em geral mal gerida, de tal modo que é difícil descobrir os seus verdadeiros autores.

Nos casos de facto ilícito culposo, a responsabilidade perante as vítimas não pode ser posta em dúvida: e todavia não há na sua base um comportamento individual censurável.

As pessoas colectivas actuam na vida jurídica através de indivíduos que agem em nome delas, como seus órgãos, agentes ou representantes. Os traços essenciais do regime jurídico actualmente em vigor entre nós sobre a matéria são os seguintes:

a) Se o facto danoso foi praticado fora do exercício das funções do seu autor, ou durante o exercício delas mas não por causa desse exercício, está-se perante o chamado facto pessoal: a responsabilidade pelos prejuízos causados a outrem é, nesse caso, uma responsabilidade pessoal, exclusiva do autor. A pessoa colectiva pública não é responsável.

b) Se o facto foi praticado no exercício das funções do seu autor e por causa desse exercício, trata-se de um facto funcional: pelos prejuízos dele decorrentes tanto o autor como pessoa colectiva pública em nome da qual o autor agiu. Há responsabilidade solidária da Administração e do agente.

A Constituição diz no art. 271º, que esse aspecto será regulado pela lei. Ora das nossas leis – e dos princípios gerais aplicáveis – resulta que, nestes casos, há sempre direito de regresso da Administração contra o órgão, agente ou representante que tiver actuado em nome dela, excepto nos casos seguintes:

  1. Se tiver havido culpa do serviço;
  2. Se o órgão, agente ou representante não tiver procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achava obrigado em razão do seu cargo, isto é, se tiver actuando apenas culpa leve – e não com culpa grave ou com dolo.
  3. Se o autor do facto danoso tiver agido no cumprimento de ordens ou instruções superiores a que deva obediência, desde que delas tenha previamente reclamado ou que tenha exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito.
  4. a)      Para efeitos do DL 48051 de 21 de Novembro de 1967, consideram factos ilícitos:
  • Os actos jurídicos, incluindo os actos administrativos, que violem as normas legais, as normas regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis;
  • Os actos materiais, que infrinjam essas normas ou princípios, ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração (art. 6º DL 48051).
  • b) A culpa dos órgãos, agentes ou representantes da Administração, para efeitos de responsabilidade civil, é apreciada nos termos do Código Civil, isto é, em função da diligência de um bom pai de família e em face das circunstâncias de cada caso (art. 4º DL 48051; art. 487º CC);
  • c) Se houver pluralidade de responsáveis é solidária a sua responsabilidade, presumindo-se iguais as culpas de todos os responsáveis (art. 4º/2 DL 48051, art. 497º CC);
  • d) Tanto o direito do particular à indemnização como os direitos de regresso a que houver lugar prescrevem, em regra, no prazo de três anos (art. 5º DL 48051, art. 498º CC);
  • e) A efectivação do direito à indemnização não depende, em princípio, de prévia interposição de recurso contencioso de anulação do acto causador do dano. Mas o direito à indemnização só subsistirá se o dano não puder ser imputado à falta de interposição do recurso, ou a negligente conduta processual do recorrente durante o recurso (art. 7º DL 48051).
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5. Responsabilidade Pelo Risco e Por Facto Lícito

Para além de toda uma ampla zona de casos cobertos pela responsabilidade subjectiva, existem mais duas zonas, de extensão considerável, que abrangem os casos de responsabilidade objectiva, por factos casuais e por actos lícitos.

Constituem fonte de responsabilidade objectiva fundado no risco, casos:

  • Danos causados por manobras, exercícios ou treinos com armas de fogo por parte das Forças Armadas ou das forças polícia;
  • Danos causados pela explosão de paióis militares ou de centrais nucleares;
  • Danos causados involuntariamente por agentes da polícia em operações de manutenção de ordem pública ou de captura de criminosos, etc.

Constituem fonte de responsabilidade objectiva por acto lícito, casos:

  • Expropriação por utilidade pública;
  • Requisição por utilidade pública;
  • Servidões administrativas;
  • Ocupação temporária de terrenos adjacentes às estradas para a execução de obras públicas;
  • Exercício do poder administrativo de modificação unilateral do contrato administrativo;
  • Existência de uma causa legítima de inexecução de sentença de um Tribunal Administrativo proferida contra a Administração;
  • Actuação da Administração em “estado de necessidade”, etc.