Tem-se “mutatis mutandis” precisamente o inverso do que acontece naquelas situações em que existe objectivamente uma situação de justificação mas falta o elemento subjectivo.
Aqui é precisamente o contrário: o agente tem o elemento subjectivo, falta é o elemento objectivo da justificação, por isso é que é uma causas de justificação putativa.
São situações que são reconduzíveis ao art. 16º/2 CP que exclui o dolo; e nos termos do art. 16º/3 CP ressalva-se a punibilidade a título de negligência.
São aquelas situações em que o agente representa erradamente que está perante uma situação objectiva de justificação e actua com o elemento subjectivo correspondente a essa mesma causa de justificação que ele julga que está efectivamente presente, quando na realidade falta o elemento objectivo: falta um pressuposto de facto um elemento normativo dessa causas de justificação.
Para estas situações de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito de causas de justificação, a solução esta consagrada no art. 16º/2 CP ou seja, o erro sobre um estado de coisas que a existir excluiria a ilicitude do facto, exclui o dolo.
Viu-se em sede do art. 16º/1 CP que fala em “erro sobre os elementos do facto típico” –, o dolo que estaria excluído seria o dolo do tipo.
Agora aqui pergunta-se: como é que o dolo do tipo pode estar excluído se o agente actuou, ainda que na convicção errada de que estava actuar em legítima defesa, não deixou, em termos de tipicidade, de conhecer e querer aquele resultado?
Como é que em termos de tipo ele actua como dolo e depois a consequência do art. 16º/2 CP é excluir o dolo?
Daí, várias formulações para explicar esta solução deste tipo de erro:
1) Teoria rigorosa da culpa
Os partidários desta teoria vêm dizer que no caso de erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação, o dolo de tipo não está excluído. Então, aquilo de que o agente pode beneficiar nestas situações de erro é de uma atenuação da culpa, ou mesmo de uma exclusão da culpa.
E eles distinguem consoante o erro seja essencial ou não essencial, consoante seja um erro evitável ou não evitável.
2) Teoria limitada da culpa
Para os partidários desta teoria, a consequência do erro sobre os pressupostos de facto ou elementos de direito das causas de justificação deve ser a mesma das situações de erro de tipo: aplica-se na mesma a exclusão do dolo como se de um erro de tipo se tratasse. E isto por analogia, ou seja, eles chegam à conclusão de que nesta circunstância o dolo de tipo deveria estar excluído, não porque dogmaticamente seja essa a solução, porque por um processo analógico, ou por uma entidade de razão, se deve estas situações como se de um verdadeiro erro de tipo se tratasse, portanto, por analogia aplicam o mesmo regime do erro sobre elementos do facto típico – o erro do art. 16º/1 CP.
Esta posição é de alguma forma criticável, mesmo quando o agente está em erro sobre um elemento que a existir excluiria a ilicitude do seu facto, ele do ponto de vista da tipicidade não deixa de actuar dolosamente, portanto, não faz muito sentido excluir o dolo de tipo. Mas repare-se: nas situações de exclusão do dolo de tipo (erro sobre elementos de facto, de direito ou sobre proibições) do art. 16º/1 CP o dolo está excluído porque:
- Ou há uma ignorância total da realidade;
- Ou há uma errada representação da realidade.
Porque há um erro ignorância ou um erro suposição.
3) Teoria dos elementos negativos do tipo
Elementos negativos do tipo são causas de justificação. O tipo é composto, para estes autores, não só pela tipicidade positiva (elementos positivos do tipo), mas também por elementos negativos, que são as causas de justificação, tudo isto faz parte do tipo de ilícito, porque eles não separam tipicidade, ilicitude e culpa como categorias diferenciadas.
Assim, as causas de justificação, que são elementos a ponderar em sede de ilicitude, categoria autonomizada da tipicidade, para eles são elementos negativos do tipo.
Ora, se as causas de justificação são elementos negativos do tipo, não deixam de ser elementos do tipo, logo, se há um erro sobre um elemento de uma causa de justificação, não deixa de haver um erro sobre um elemento do tipo. Se é um erro sobre um elemento do tipo então o dolo de tipo está excluído.
4) Teoria do Duplo enquadramento do dolo em sede de tipo e em sede de culpa (culpa dolosa)
O dolo tem um duplo enquadramento não só em sede de tipo, como elemento subjectivo geral, mas também em sede de culpa como elemento subjectivo do tipo, enquanto referenciador do facto proibido pela ordem jurídica ou enquanto referenciador do facto exigido pela ordem jurídica, é o chamado dolo de tipo, elemento subjectivo geral.
Mas em sede de culpa o dolo também tem alguma função a desempenhar: o dolo, ou a culpa dolosa, manifesta já o grau mais censurável da deficiente posição que o agente adopta para com a ordem jurídica quando se decide pela prática de um facto ilícito, podendo e devendo decidir-se de forma diferente, podendo e devendo decidir-se pelo lícito. Neste sentido ter-se-á a culpa dolosa e o referenciador do dolo de culpa.
Assim, para quem faz esta bipartição entre o dolo de tipo e a culpa dolosa (ou dolo de culpa) é fácil dizer que nestas situações de erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação o dolo de tipo não está excluído; então, quando muito, aquilo que se exclui é a culpa dolosa.
Nos termos do art. 16º/2 CP a estatuição é o “preceituado do número anterior”, que é a exclusão do dolo; e que o dolo abrange também o erro sobre pressupostos de facto ou de direito de causas de justificação ou sobre elementos da culpa.