Apontamentos Noções de Direito Internacional Privado

Noções de Direito Internacional Privado

Introdução

O Direito Internacional privado – parte geral: representado por normas que definem qual o direito a ser aplicado a uma relação jurídica com conexão internacional, indicando o direito aplicável. Como fundamentos podem ser destacados: conflito de leis; intercâmbio universal ou comércio internacional; extraterritorialidade das leis. É importante observar que sob ótica das ordens jurídicas elas podem ser de dois modos: uma só ordem (quando para solução de um problema independe de outro ordenamento jurídico senão o próprio do país); duas ou mais ordens jurídicas (quando para solução de um problema é preciso se levar em conta o ordenamento jurídico de um outro país).

– Conceito: em linhas gerais, como exposto anteriormente, o direito internacional privado seria um conjunto de princípios e regras sobre qual legislação aplicável à solução de relações jurídicas privadas quando envolvidos nas relações mais de um país, ou seja, a nível internacional.

– Objecto: o direito internacional privado resolve conflitos de leis no espaço referentes ao direito privado; indica qual direito, dentre aqueles que tenham conexão com a lide sub judice, deverá ser aplicado. O objeto da disciplina é internacional, sempre se refere às relações jurídicas com conexão que transcende as fronteiras nacionais.

Desta forma, alguns pontos são analisados pelo direito internacional privado, que são a questão da uniformização das leis, a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro, o conflito de leis como já citado e o reconhecimento internacional dos direitos adquiridos pelos países.

– Objectivo: o direito internacional privado visa à realização da justiça material meramente de forma indireta, e isso, mediante elementos de conexão alternativos favorecendo a validade jurídica de um negócio jurídico. Outro objetivo do direito internacional privado importante de ser lembrado é a harmonização das decisões judiciais proferidas pela
justiça doméstica com o direito dos países com os quais a relação jurídica tem conexão internacional.

– Normas jusprivatistas internacionais: a norma do direito internacional privado delimita a eficácia das normas de ordem interna e indica a lei estrangeira que deve reger uma determinação relação jurídica internacional. Pode se dizer que trata de questões “contaminadas” por, pelo menos, um elemento estrangeiro (casamento, nacionalidade, local da morte, local dos bens etc). Esse elemento estrangeiro é fundamental; é ele que diferencia o direito internacional privado do direito privado comum. As normas podem se classificar quanto a fonte, quanto a natureza e quanto a estrutura.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

  • Definir: o Direito Internacional privado;
  • Organizar: o Direito Internacional Privado resolve conflitos de leis no espaço referentes ao direito privado; indica qual direito, dentre aqueles que tenham conexão com a lide sub judice, deverá ser aplicado;
  • Demonstrar: com clareza as formas de resolução de conflitos internacionais;
  • Analisar: a norma de Direito Internacional Privado e seu funcionamento;
  • Acompanhar: os efeitos dos Conflitos de leis no tempo e no espaço.

Desenvolvimento

Noção e objecto

«O Direito Internacional Privado é o ramo da ciência jurídica onde se definem os princípios, se formulam os critérios, se estabelecem as normas a que deve obedecer a busca de soluções adequadas para os conflitos emergentes de relações jurídico-privadas internacionais».

Nas palavras de FERRER CORREIA, o DIP. é o «ramo da ciência jurídica onde se procuram formular os princípios e regras conducentes à determinação da lei ou das leis aplicáveis às questões emergentes das relações jurídico-privadas de carácter internacional e, bem assim, assegurar o reconhecimento no Estado do foro das situações jurídicas puramente internas de questões situadas na órbita de um único sistema de Direito estrangeiro (situações internacionais de conexão única, situações relativamente internacionais)».

O Direito, assim como ensina NORBERTO BOBBIO, regula, geralmente, relações intersubjectivas em que os respectivos sujeitos são cidadãos do mesmo Estado e o seu objecto (coisa ou prestação) pertence ao território deste Estado (ou é nesse Estado que a prestação deve ser cumprida). A grande maioria dos casos que em determinado país chegam a solicitar a intervenção dos órgãos e agentes do Estado incumbidos da aplicação do Direito, pertencem inteiramente à vida jurídica interna desse país, não se levantando aqui, portanto, qualquer dúvida acerca do ordenamento jurídico estadual que ao caso deve ser aplicado.

Contudo, as coisas nem sempre se passam assim. Nem todos os factos e processos do comércio jurídico-privado decorrem inteiramente no âmbito de uma só comunidade estadual, e isso porque a origem de todos ou quase todos os problemas do DIP. resulta da existência de:

– trocas internacionais → comércio jurídico internacional;
– correntes migratórias entre os Estados → deslocação de pessoas.

Mas o que fazer ou que norma aplicar quando um dos sujeitos da relação for estrangeiro ou quando a coisa objecto da relação jurídica se encontra em um outro Estado?

Como vimos, o DIPr. se ocupa das relações plurilocalizadas, ou seja, daquelas relações que, correspondendo a uma actividade que não se comporta nas fronteiras de um único Estado, entram em contacto, através dos seus elementos (sujeitos, objecto, facto jurídico, garantia), com diversos ordenamentos jurídicos.

Dada a conexão existente entre essas relações (através dos seus elementos) e várias ordens jurídicas não seria, decerto, boa solução sujeitá-las sempre e sem mais exame à autoridade do direito local, mas, de outro modo (e como é natural) deve escolher-se, dentre as ordens jurídicas que com a relação entram em contacto, a que lhe seja mais próxima ― aquela ordem jurídica que com a relação tenha um contacto mais forte ou mais estreito.

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Não obstante o que ficou dito, parte da doutrina sustentou que nada obrigava a que os tribunais de um Estado, quando chamados a conhecer de um conflito emergente de uma relação jurídico-privada com carácter internacional, tivessem de encarar a possibilidade de, para ela, encontrar uma regulamentação diferente daquela que directamente resultasse do seu direito interno. É esta a chamada teoria da territorialidade que consagrou o princípio da territorialidade das leis.

Uma tal teoria, contudo, já desde a Escola Estatutária foi negada e, quanto a nós, também achamos que deve ser rejeitada, pois a aplicação da «lex fori materialis» (da lei do foro) a quaisquer factos e situações que lhe sejam estranhos (ou seja, que não tenham com ela qualquer conexão espacial), violaria gravemente o princípio universal
do direito segundo o qual, visando a norma jurídica regular os comportamentos humanos que se desenvolvem no seio de uma sociedade, não poderá considerar-se aplicável a condutas que se situem fora da sua esfera de eficácia (fora, portanto, do alcance do seu preceito), e isso quer em razão do tempo (princípio da irretroactividade das leis), quer em razão do lugar onde se verificam (princípio da não transactividade das leis).

O princípio da não transactividade das leis, portanto, consiste no princípio segundo o qual nenhuma lei ― a do foro ou qualquer outra ― deve considerar-se aplicável a um facto ou situação que não se acha (por qualquer dos seus elementos) em contacto com ela. O não acatamento deste princípio universal de direito traria inevitavelmente
consigo o perigo da ofensa de direitos adquiridos ou de expectativas legítimas dos indivíduos.

A denominação deste ramo como «Direito Internacional Privado» ficou assente por influência de uma obra intitulada «Traité du Droit International Privé» de FOELIX em 1843. É esta a denominação que veio a prevalecer nos países da Europa Continental e América Latina, contudo, nos países anglo-americanos prevaleceu a denominação «Conflito de Leis», assim como denominavam os estatutários holandeses e alemães e também JOSEPH STORY.

A noção de limites da lei

As normas jurídicas, como normas de conduta que são, vêem o seu âmbito de eficácia limitado pelos factores tempo e espaço:

  • não podem, por um lado, ter a pretensão de regular os factos que se passaram antes de sua entrada em vigor;
  • nem, por outro lado, os que se passem ou se passaram sem qualquer contacto com o Estado que as editou.

Ou seja, o ordenamento jurídico de um Estado não pode chamar a si a orientação daquelas condutas que se passaram para além da sua possível esfera de influência. Há que respeitar-se os direitos adquiridos ou situações jurídicas constituídas à sombra da lei eficaz, isto é, da lei sob cujo império ou dentro de cujo âmbito de eficácia o direito foi adquirido ou a situação jurídica se constituiu, dado que a natural expectativa dos indivíduos na continuidade e estabilidade das suas relações jurídicas ou direitos é um pressuposto fundamental da existência do Direito como ordem implantada na vida humana de relação.

Princípio da territorialidade

A colocação do problema da lei estadual aplicável ou da lei competente para reger as relações jurídicas privadas internacionais não parece como algo de inevitável.

Já vimos que parte da doutrina sustentou que nada obrigava a que os tribunais de um Estado, quando chamados a conhecer de um conflito emergente de uma relação jurídico-privada de carácter internacional, tivessem, só por isso, de encarar a possibilidade de para elas encontrar uma solução diferente daquela que directamente resultasse do seu próprio ordenamento jurídico.

O princípio da territorialidade, portanto, é aquele segundo o qual os tribunais de um país devem aplicar sempre, sejam quais forem as circunstâncias do caso «sub judice», as leis vigentes nesse país, e isso porque:

  • é de presumir que o conjunto das leis vigentes (o ordenamento jurídico) nesse país é bom e justo; e
  • é este o sistema que melhor poderá garantir o acerto das decisões judiciais, pois «a possibilidade de erro judiciário redobra logo que o juiz deixe de pisar o chão firme dos princípios e instituições do direito pátrio».

Contudo, os inconvenientes deste arcaico sistema em que encontrava plena aplicação o princípio da territorialidade das leis («omnia statuta realia») superam em muito suas vantagens:

  • aplicar o direito do Estado do foro neste tipo de situações poderá levar a uma solução de todo imprevisível para as partes no momento da celebração ou constituição da relação jurídica.

É forçosa, e postulada pela própria natureza das coisas, a colocação do problema da lei aplicável para todas e quaisquer relações com elementos internacionais.

É de elementar justiça que toda a relação da vida social seja apreciada, onde quer que tal se faça necessário, em função dos preceitos da lei competente.

Os Estados formam uma comunidade internacional, e o reconhecimento e respeito que mutuamente se devem tributar bem poderão abranger as respectivas instituições civis. As divergências entre estas não traduzem, em regra, qualquer autêntico desnível de civilização, que faça aparecer como insuportável no Estado do foro a aceitação e a
aplicação de leis estranhas à sua ordem jurídica.

Contudo, é por uma consideração fundamental dos interesses dos indivíduos, e não do interesse e soberania dos Estados, que as leis civis devem ser reconhecidas e aplicadas além fronteiras. Em DIP. são os interesses relativos dos indivíduos que constituem a dimensão.

Direito Internacional Quanto a Natureza Jurídica

A palavra natureza designa tanto o conjunto de seres e coisas existentes no universo, quanto o princípio criador que deu origem a esse conjunto. Natureza, na terminologia jurídica, assinala a essência ou substância de um objecto, de um ato ou até mesmo de um ramo da ciência jurídica. Assim, encontrar a natureza jurídica de um ramo do Direito consiste em determinar sua essência para classificá-lo dentro do universo de figuras existentes no Direito. Há autores que preferem denominar esse processo de classificação de taxonomia. Tradicionalmente, o Direito tem sido
dividido em dois grandes grupos: Público e Privado. Por conseguinte, fixar a natureza de um dos ramos da ciência jurídica é estabelecer de qual dos grandes grupos clássicos se a próxima. Entretanto, a dicotomia clássica é rejeitada pela Teoria Unitarista de Hans Kelsen. Essa teoria assinala que toda classificação deve considerar o imanente e não o
transcendente. No Direito, toda e qualquer norma se destina ao interesse público. Deste modo, o Direito é uno. A maioria dos juristas concorda com a unidade do Direito, utilizando a categorização tradicional apenas para fins didácticos. Várias são as teorias elaboradas para delimitar os critérios de classificação dos ramos do Direito. As mais destacadas são a Teoria dos Interesses Protegidos, a Teoria do Destinatário, a Teoria da Natureza das Relações Jurídicas e Teoria da Natureza dos Sujeitos. Cada uma procura conduzir a taxonomia de acordo com distintos caracteres (…) O DIP, qual outros ramos da ciência jurídica, há de trabalhar com variados princípios, ideias, normas e excepções, próprios às suas diversas e complexas questões, e aos múltiplos grupos em que se dividem, subdividem, esgalham-se e se ramificam as relações com que disciplina, na finalidade precípua de realizar a justiça e a eqüidade na expansão espacial dos seres humanos, nos fatos sociais conectados com sistema jurídicos positivos divergentes.

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Tradicionalmente, a disciplina Direito Internacional Privado é concebida como sobre direito ou super ordenamento, ou seja, ramo jurídico que tem por objectivo indicar a norma que vai solucionar o conflito entre normas oriundas de ordenamentos jurídicos distintos, que incidem sobre determinada relação jurídica com conexão internacional (jus supra jura).

“Acima das normas jurídicas materiais destinadas à solução dos conflitos de interesses, sobrepõem-se as regras sobre o campo da aplicação destas normas. São as regras que compõem o chamado sobre direito, que determinam qual a norma competente na hipótese de serem potencialmente aplicáveis duas normas diferentes à mesma situação
jurídica”.

Dentro dessa concepção, o Direito Internacional Privado tem uma função designativa, quer dizer, apenas determina qual o direito deve ser aplicado no caso concreto, sem se preocupar com o seu conteúdo material, com a resolução da questão ou com a justiça do resultado final. Utiliza-se, para tanto, o método conflitual tradicional, com carácter absoluto, normalmente através de uma disposição rígida de elementos de conexão.

A falta de engajamento dessa concepção clássica da disciplina tem feito surgir, mais recentemente e de forma paulatina, uma concepção relativizada do sistema conflitual. A normas de conflito são mantidas, embora enquadradas numa nova concepção. Elas são pautadas pelos valores da dignidade humana, através da aplicação das excepções de ordem pública e normas imperativas, e estão cada vez mais harmonizadas, através da celebração de Convenções Internacionais entre os diversos Estados.

Além disso, são incorporados ao Direito Internacional Privado outros instrumentos destinados a resolver os casos multiconectados.

Natureza Pública

O nome deste ramo do direito é consagrado pelo uso e as alternativas propostas nunca entraram no emprego corrente. Entretanto, a denominação a rigor é equivocada. Em primeiro lugar, o DIPr não é direito privado, embora seu objecto principal, o conflito de leis no espaço, busque solucionar problemas que envolvem principalmente interesses privados. Trata-se, na verdade, de normas de direito público, destinadas ao juiz e ao intérprete da lei, que lhes permitam resolver os mencionados conflitos de leis. Assemelham-se aqui, para fins tão somente de classificação em direito público ou privado, às normas de direito processual, que são públicas.

Assim a aplicação do direito estrangeiro é um ato de soberania do Estado, onde o interesse público é prioridade em relação ao particular.

Natureza Privada

A segunda incorrecção terminológica frente à natureza do DIPr é o fato de que, a despeito do nome, o DIPr é essencialmente direito nacional, interno. As regras de resolução dos conflitos de leis no espaço a ser aplicadas, por hipótese, por um juiz português, constituem direito interno, produzido pelo legislador português. Qualifica problemas quanto a qualificação das normas que serão aplicadas.

Natureza Mista

O relacionamento entre o DIPr e o direito internacional público desenvolve-se como o deste último com qualquer outro ramo do direito interno. Por exemplo, um tratado para evitar a bi-tributação (direito internacional público) pode conter regras sobre o direito tributário dos Estados signatários (direito interno); o tratado, porém, será sempre direito internacional público. Da mesma maneira, um tratado sobre regras uniformes de DIPr é direito internacional público, embora possa determinar regras de direito interno (o DIPr, neste caso) para os signatários.

Embora alguns estudiosos repudiem a noção de que o escopo do DIPr inclui o conflito de leis entre províncias ou estados federados, é inegável que este ramo do direito também os disciplina. São exemplos as regras de solução de conflitos de leis entre os estados norte-americanos. O DIPr relaciona-se com todos os conflitos de leis, não levando em conta a natureza das normas. Como se vê, a rigor não haveria que se falar em direito internacional privado.