Modalidades de Autoria
- a) Autoria material
O autor do facto é aquele que tem o domínio da acção.
Há um aspecto a referir: as figuras da comparticipação criminosa são regras de imputação do facto a um certo sujeito. Enquanto a teoria da imputação objectiva relaciona uma acção e um certo resultado, a teoria da comparticipação criminosa (teoria do domínio do facto) relaciona um certo agente com uma acção.
Nos casos de autoria material o autor do facto ilícito é aquele que tiver materialmente o domínio da acção típica. Mas estes casos não levantam particulares problemas, porque quem tem o domínio do acção típica preenche desde logo o tipo da parte especial, em rigor seria desnecessária previsão de uma situação de autoria material.
Corresponde à primeira proposição do art. 26º CP quando se diz que “é punível como autor quem executa o facto por si mesmo”, deve entender-se esta expressão como aquele que no fundo detém o domínio positivo da acção que integra o tipo de ilícito.
- b) Autoria mediata
O domínio do facto já se materializa de uma forma diferente vem prevista na segunda proposição do art. 26º CP e traduz-se naquela situação em que alguém pratica o facto “por intermédio de outrem”.
Na perspectiva de Roxin significa que a pessoa não tem materialmente o domínio da acção; mas tem ainda perante o facto uma situação de poder que lhe permite conduzir a lesão para o bem jurídico.
Qual é a realidade sobre a qual incide esse poder?
Na perspectiva de Roxin é o domínio sobre a vontade do autor material, isto é, nas situações de autoria mediata há um domínio da vontade que permite no fundo dizer que o poder que o sujeito detém de fazer evoluir a agressão para um certo bem jurídico é o domínio que esse sujeito tem sobre a vontade daquele que executa materialmente o facto.
A situação de autoria mediata, portanto, tem esta particularidade: a acção materialmente é praticada por uma pessoa, mas existe uma outra que está por detrás dela que não praticando materialmente a acção, tem um poder de conduzir o facto porque domina a vontade da pessoa que tem poder materialmente sobre a acção.
Esta ideia de utilização, de instrumentalização, é fundamental para as situações de autoria mediata, porque quem pratica materialmente a acção é instrumentalizado por outrem. E é nesta instrumentalização que reside o momento do domínio: aquele que instrumentaliza outra pessoa, levando-a a praticar um facto, detém sobre esse facto um poder que essa outra pessoa não tem.
Como é que se podem concretizar estas formas de domínio da vontade?
1) Em primeiro lugar, existe domínio da vontade sempre que se verifica uma situação de indução em erro relevante.
Genericamente pode dizer-se que a indução em erro relevante (aquele no fundo que inculca o dolo) corresponde a uma situação de exercício do domínio do facto, por referência ao domínio da vontade.
Quem induz outra pessoa em erro relevante exerce um domínio sobre a vontade dessa pessoa e portanto o facto que essa pessoa pratica é imputável ao sujeito que a instrumentaliza.
2) Um segundo conjunto de situações identificado por Roxin traduz-se num domínio sobre vontades débeis e instrumentalizáveis, como por exemplo as crianças e os inimputáveis em razão de uma anomalia psíquica.
Nestas situações entende Roxin que quem utiliza uma criança ou um inimputável (incapaz de culpa genericamente) tem, em função da sua posição de ascendente sobre essa pessoa, um domínio na possibilidade de conduzir o perigo para o bem jurídico. Portanto, uma outra forma de praticar o facto através de outrem, ou instrumentalizando outrem, é utilizar alguém que tenha uma vontade débil e que pode ser conduzida perante o ascendente de outra pessoa: inimputáveis em razão da idade, pessoas que actuem sem consciência da ilicitude ou inclusivamente alguém que seja inimputável por anomalia psíquica.
3) Um terceiro grupo traduz-se nas situações de coacção psicológica irresistível
Roxin identificou um terceiro leque de situações que correspondem ao exercício do domínio da vontade quando alguém exerce sobre outrem uma coação psicológica irresistível.
Estes três conjuntos de situações:
- Situações de indução em erro relevante;
- Situações de utilização de inimputáveis, ou de vontades débeis ou instrumentalizáveis;
- Situações de coacção psicológica irreversível.
Conduzem a que o facto materialmente praticado pelo executor material seja atribuído, imputado ao autor mediato, àquele que no fundo detém o domínio da vontade do executor material. Roxin cria além disso, um quarto grupo de situações de autoria mediata: são situações em que alguém exerce um domínio da vontade dentro de um aparelho organizado de poder.
A ideia fundamental de Roxin traduzir-se-ia em identificar situações em que a cadeia hierárquica entre várias pessoas era de tal forma forte que quem praticava materialmente a acção em rigor praticava-a, mas essa acção era de outrem.
Importa frisar que nestas situações de autoria mediata, a figura é sempre uma figura dolosa, e é dolosa por várias razões:
- Sendo uma extensão do tipo da parte especial, se o tipo é doloso a extensão também será dolosa;
- Por outro lado a ideia de domínio do facto é incompatível com uma atitude negligente. A ideia de domínio pressupõe consciência e vontade para que se possa no fundo dirigir o perigo.
A Profa. Teresa Beleza diz que a teoria do domínio do facto é incompatível com os crimes negligentes, e que, por outro lado, nos crimes negligentes é completamente desnecessária a teoria do domínio do facto.
- c) Co-autoria
Nestas situações tem-se uma repartição de funções em que existe, por parte de cada um dos co-autores, um domínio funcional do facto, isto é, de acordo com o contributo que presta, o sujeito, pelo papel que tem, pela função que desempenha dentro do plano, detém um domínio funcional do facto.
A co-autoria está prevista na terceira proposição do art. 26º CP quando se diz “toma parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros”.
Um dos elementos da co-autoria é um elemento de carácter misto, que é o acordo, ou seja, para existir co-autoria é necessário que exista uma acordo, este é uma concertação de vontades para a prática do facto; pode ser uma decisão conjunta prévia, ou pode ser uma decisão no momento da prática do facto.
Esta concertação de vontades existe na co-autoria e não existe na autoria mediata:
- Na autoria mediata existe uma vontade de dirigir o facto por parte do autor mediato, mas não há concertação de vontades;
- Na co-autoria há esta concertação de vontades.
Portanto, é necessário um acordo, este pode ser:
- Prévio ao facto;
- Ou pode ocorrer no momento da prática do facto.
Pode ser por outro lado:
- Expresso;
- Tácito.
O que é necessário é que exista um acordo que se traduz nesta concertação de vontades para a prática do facto.