Introdução
Falar dos ordenamentos jurídicos plurilegislativos significa abordar a temática da pluralidade de sistemas jurídicos coexistentes num ordenamento jurídico. Assim, podemos encontrar sistemas de base pessoal assentes em critérios étnicos. Aqui temos exemplos históricos da África do sul durante o apartheid e outro exemplo de critério racial em Moçambique e Angola do período colonial em que esta colónia portuguesa e as demais africanas dispunham na mesma província de dois critérios no trato com o cidadão negro autóctone e outro com os cidadãos de raça branca. Esta situação configura, em nosso entender, aquilo que podemos designar como direito de conflito interpessoal, cuja base é pessoal.
Desenvolvimento
O legislador Moçambicano tem previsto o direito de conflito interpessoal nos termos do no 3, do artigo 20 do CC ao dispor que “se a legislação competente constituir uma ordem jurídica territorialmente unitária, mas nelas vigorarem diversos sistemas de normas para diferentes categorias de pessoas, observar-se-á sempre o estabelecido nessa legislação quanto ao conflito de sistemas”.
O no 2, do artigo 20, mostra a primazia claramente em observar as normas de direito interlocal do ordenamento apontado pela norma de conflito e só subsidiariamente recorremos as normas de Direito internacional Privado desse estado, caso não exista direito interlocal ou nada diga sobre a lei competente, considerar-se-á como a competente a lei da residência habitual do interessado.
Tomemos o exemplo Antony, de nacionalidade norte-americana, do estado federado do Texas, que pretende casar-se em Moçambique com Soledad, uma cidadã de Nacionalidade cubana.
Quanto a forma, a lex fori (moçambicana) é chamada nos termos do artigo 50 do CC ao dispor que a forma do casamento é regulada pela lei do Estado em que o acto é celebrado.
Em relação a capacidade para contrair casamento teremos de recorrer a lei pessoal de cada um dos nubentes, ou seja, a norte-americana para Antony e Cubana para a Soledad, para aferirmos se são capazes ou não para contrair casamento.
A este propósito o nosso legislador recomenda que façamos recurso, nos termos do nr 1, do artigo 20 do CC. Normalmente as normas do DIPr tendem a apresentar os Estados enquanto entes unos (tendem a unificar) independentemente da sua divisão territorial, administrativa e legislativa locais. Dai se o Direito Interlocal nada disser, as normas do DIPr dispõem apontando a lei competente. Ora, se as normas do DIPr não bastarem, vamos considerar competente a lei de residência habitual de Antony, é o que dispõe a ultima parte do nr 2, do artigo 20 do CC.
Aplicação e interpretação do direito estrangeiro material
No contexto internacional actual em que são incentivadas as relações sociais, culturais, económicas e comerciais a escala de uma aldeia global a garantia da tutela dos interesses que se considerem mais estruturantes para a pessoa humana – os relativos a sua própria personalidade – é essencial para incrementar a confiança dos sujeitos, com vista a sua actuação alem fronteiras. Por outro lado, o contacto com os outros ordenamentos jurídicos, que por vezes tem subjacentes princípios e valores estruturalmente – reflexo inclusive de orientações religiosas próprias da respectivas sociedade – impõe o reconhecimento da diversidade e a tolerância perante essa diversidade.
O direito material consubstancia-se no conjunto de normas jurídicas que atribuem, restringem ou modificam direitos no plano interno. Assim, sendo o direito material estrangeiro, passa a ser um sistema de normas jurídicas substantivas com diferentes sectores normativas que, chamados pelo DPIr do foro como competentes, mediante a conexão existentes são interpretadas e aplicadas pelo Tribunal do foro ao caso sub Júdice.
O direito estrangeiro aplicável será aquele que vigora numa ordem jurídica estadual deste chamado a dirimir a situação sub Júdice. Como requisitos é o primeiro necessário que seja o direito chamado pela norma de conflito do foro, segundo o direito a aplicar-se estiver efectivamente em vigor naquele pais não importando a sua fonte, pois, se o ordenamento apontado como competente tem um sistema que respeita e aplica o sistema de precedentes law, o tribunal do foro devera igualmente respeitar as decisões proferidas nos casos precedentes.
O direito estrangeiro a ter conta, para efeitos de aplicação no estado do foro, é aquele que for criado pelas respectivas fontes formais, isto é, através dos modos ou processos como tais reconhecidos como respectivos ordenamentos. Ora, se estes ordenamentos reconhecem o costume como fonte de direito, o tribunal do foro aplicara as regras consuetudinárias estrangeiras, respeitando no entanto a hierarquia das fontes da ordem jurídica estrangeira. Se nessa ordem prevalece o principio dos precedentes, a analise dos casos análogos anteriormente julgados, o sistema anglo-saxónico, o juiz do foro terá de se ater as decisões anteriormente proferidas pelos tribunais daquele pais.
A aplicação do direito estrangeiro pode mostrar-se algumas vezes difícil outras impossível, quando, da sua aplicação resulte ofensa a ordem pública do foro. No que concerne a qualificação, pode ocorrer que determinado instituto do foro é completamente desconhecido no direito estrangeiro a principal apontado como competente.
As lacunas no sistema de conflitos
A questão que se coloca é a de saber se as lacunas no sistema de regras de conflitos do DIPr se apresenta da mesma maneira que nos demais sectores do direito, onde o artigo 10 do CC aparece para dispor que os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos, no 2, ou ainda nos termos do no 3, na falta de casos análogos, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio interprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema?
Para Baptista Machado, âmbito do sistema de regras de conflitos, a descoberta de uma verdadeira lacuna jurídica, melhor, a qualificação lacuna jurídica duma falta de regulamentação efectivamente averiguada no sistema, parece a primeira vista que já não implicara essas operações delicadas. Tal lacuna a existir é desde logo uma lacuna jurídica patente, pois, que o seu preenchimento é pressuposto necessário da solução de um conflito de leis. Se na verdade subjaz ao Direito de conflitos um principio basilar implícito que manda aplicara todos e quaisquer factos as leis e com eles se achem em contacto com os factos, então, sempre que falte uma regra que dirima certos conflitos de leis, verifica-se necessariamente uma lacuna jurídica, pois, o caso não pode ser decidido sem que resolva o conflito de leis.
Dito de outro modo, a situação lacunosa dá-se em DIPr sempre que se verifique um conflito de leis interessadas numa relação ou situação jurídica sem que para tal as normas de conflitos do foro prevejam ou estabeleçam, através de uma regra, o ordenamento jurídico competente. Perante tal falha no plano do DIPr, o interprete ou denega a justiça ou preenche a lacuna existente para encontrar o ordenamento jurídico aplicável. Nestas situações as lacunas são também preenchidas por analogia, aqui entendida como análise de uma disposição pertinente que, mediante o caso, nos ajuda a fixar a ordem jurídica a regular o referido caso. A referida disposição terá em conta os princípios em que se inspira o sistema de DIPr moçambicano e a ordem publica e se não a referida lacuna será preenchida pela lex materialis fori, ou seja, aplica-se o direito material do foro.