Apontamentos Informações Proporcionadas pelos Pigmentos

Informações Proporcionadas pelos Pigmentos

Embora o número de pigmentos disponíveis numa época não tenha parado de crescer ao longo dos séculos, e de forma brutal nos séculos XIX e XX em consequência do enorme desenvolvimento da química ocorrido desde finais de setecentos, não deixa igualmente de ser verdade que muitos pigmentos que em certa época gozaram de alguma preferência têm sido abandonados, por razões muito diversas, quando surge um outro mais vantajoso. Nalguns casos é por causa do tom, transparência ou outras propriedades ópticas (azurite), noutros casos é pela reactividade química e consequente alteração de cor (verdete) ou por outro tipo de instabilidade (betume), por motivos económicos (azul ultramarino natural) ou questões de toxicidade (branco de chumbo ou verde esmeralda). Por vezes sucede apenas que a forma natural de um pigmento, isto é, a do mineral, é substituída por uma forma artificial ou sintética, no essencial com a mesma composição química, mas geralmente bem mais económica (azul ultramarino).

Esta história dos pigmentos, esta cronologia da sua utilização habitual, proporciona uma das vias de abordagem dos problemas relacionados com a datação das obras de arte. Embora muitos pigmentos sejam utilizados desde a Antiguidade, muitos outros há que, como se disse, só o foram durante um certo período de tempo mais ou menos bem definido. A identificação de pigmentos nestas circunstâncias numa pintura a respeito da qual se pretende apurar a data em que foi executada, sobretudo quando é grande o intervalo de tempo correspondente à incerteza, é por vezes suficiente para esclarecer alguns problemas de datação, nomeadamente os relacionados com a autenticidade de um quadro. É importante sublinhar, porém, que tal situação favorável só nalguns casos é alcançada.

É normalmente por causa de dúvidas desta natureza que os historiadores de arte recorrem aos laboratórios dedicados ao estudo das obras de arte. A identificação dos pigmentos, contudo, pode igualmente fornecer outras informações com interesse para os historiadores.

A selecção que um artista faz dos pigmentos disponíveis no seu tempo ou a utilização que a cada um dá no contexto de uma pintura são aspectos que ajudam a caracterizar a sua obra, da mesma forma que os recursos estilísticos a que deita mão. A combinação que faz dos pigmentos numa camada de pintura, o número e a espessura das camadas que se sobrepõem à preparação ou, na ausência desta, ao suporte, são outros elementos que concorrem para a caracterização de uma pintura. Além disso, pigmentos há que estão ou estiveram associados a certos valores – económicos ou outros – pelo que a sua identificação numa obra, ou a sua ausência, pode ter um significado com alguma importância, seja a respeito de um artista ou de uma época. Por exemplo, é um dado relativamente importante para a avaliação da pintura que em Portugal se fez durante os séculos XVII, XVIII e XIX a afirmação proferida por Filipe Nunes em 1615, repetida por João Pacheco em 1734 e citada por Francisco de Assis Rodrigues em 1875, de que “o azul ultramarino, como é tão caro não se usa muito, e portanto se não sabe o uso dele tão
facilmente”.

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Na área da conservação, a identificação dos pigmentos presentes numa obra habitualmente não é uma informação especialmente importante, sendo a identificação dos aglutinantes, regra geral, bem mais consequente, já que estes se alteram muito mais facilmente e são mais sensíveis aos produtos utilizados numa intervenção de conservação, designadamente os consolidantes ou os solventes utilizados numa limpeza.

Com efeito, uma procura na bibliografia produzida no domínio de influência da conservação, por exemplo, nas páginas da revista Studies in Conservation, mostra que a grande maioria dos estudos relacionados com os pigmentos fica apenas pela identificação destes mesmos materiais, não tendo uma implicação directa sobre uma intervenção de conservação. Inclusivamente, sucede por vezes que o trabalho não incide sobre pinturas ou outras obras de arte, mas sim sobre colecções de pigmentos ou documentos históricos com eles relacionados. A melhor justificação para o desenvolvimento destes estudos no contexto da conservação é a de que qualquer acção sobre uma obra, em princípio, é tanto mais segura e qualificada quanto maior é o conhecimento que sobre ela se tem. Trata-se, todavia, de um argumento muito geral, válido para qualquer material.

Há alguns casos, contudo, em que a identificação dos pigmentos pode ser de importância crucial para a conservação.

Vários destes casos têm que ver com a pintura mural, em virtude de grande número de pigmentos usados na pintura de cavalete não ser quimicamente estável nem no meio alcalino que, particularmente antes da carbonatação, é a argamassa de cal que serve de preparação à pintura e, no caso da técnica do fresco, simultaneamente serve de aglutinante, nem nos produtos relacionados com a cal que podem ser empregues numa intervenção de conservação. Por exemplo, a utilização de água de cal na consolidação de argamassas pode estar proibida se numa pintura a seco existente à superfície destas forem encontrados pigmentos que possam reagir com a solução de hidróxido de cálcio.

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Um outro tipo de situação em que a identificação dos pigmentos pode estar directamente relacionada com a conservação é aquele em que a matéria colorante se encontra modificada na sua cor.

Esta modificação pode resultar da utilização de um corante pouco estável à luz ou mesmo de um pigmento com essas características, como o resinato de cobre – como, por exemplo, acontece na pintura de Ticiano figurando Baco e Ariana –, situação em que o quadro deverá ficar sujeito a cuidados especiais de exposição e armazenamento, como pode resultar da reacção de pigmentos entre si ou, o que acontece mais frequentemente, da reacção com poluentes atmosféricos, designadamente os gases de que faz parte o enxofre. São bem conhecidos exemplos de escurecimento de pigmentos de chumbo, como o branco de chumbo, e de pigmentos verdes à base de cobre, devido à formação de sulfureto de chumbo e de sulfureto de cobre, respectivamente. A identificação de patologias como estas, além de colocar um problema imediato, implica também redobrada atenção no domínio da prevenção.