Apontamentos Génese e história do DIP

Génese e história do DIP

Génese e história do DIP

Origens do DIP

O DIP. dos nossos dias, ao contrário do que ocorre com grande parte dos outros ramos do direito privado, não nos foi legado pelos romanos, mas por juristas que viveram a partir do século XI.

Para que haja necessidade de um direito de conflitos é preciso, antes de mais, que exista ou haja a possibilidade de existir uma situação internacional, ou seja, uma situação que se encontre em contacto com mais do que um ordenamento jurídico. São pressupostos do DIP:

– que existam vários ordenamentos jurídicos;
– que existam situações que exorbitem do âmbito interno, ou seja, que apresentem contacto com mais do que um ordenamento jurídico estadual; e
– é preciso que haja liberdade de movimento (ou de pessoas, ou de bens).

Faltando algum desses pressupostos, estaremos perante um sistema rigidamente fechado, sendo que, neste caso, as relações só poderão estabelecer-se no interior de um ordenamento jurídico.

Na antiguidade oriental, por exemplo, não existia qualquer contacto entre os vários sistemas (os estrangeiros eram considerados inimigos, não podendo, assim, haver quaisquer relações entre pessoas de Estados diferentes).

No que diz respeito ao direito romano, originariamente, o «jus civile» era exclusivo dos cidadão romanos ― o peregrino, portanto, não tinha acesso a ele. Assim sendo, tornou-se necessária a criação de um direito que regulasse as relações entre peregrinos e cidadãos romanos. Surgiu então o «jus gentium».

Contudo, como o «jus gentium» não era um sistema jurídico completo ― faltando-lhe, por exemplo, uma regulamentação do instituto sucessório ― as lei peregrinas tiveram de ser reconhecidas pelos juristas romanos,
função que foi, sobretudo, deferida ao pretor peregrino, nomeadamente em sede de relações de família.

Daqui nasceu uma nova prática: a aplicação, por um mesmo juiz, de leis diferentes, segundo a origem das partes.

Deste sistema não poderiam deixar de resultar conflitos de leis, mas tal problema foi ignorado pelos juristas romanos.

O sistema feudal da Idade Média conduziu a que não houvesse relações entre pessoas dos vários feudos e dos vários domínios territoriais (não há relações internacionais) As origens do moderno DIP. remontam ao fim do século XIII.

A partir do século XI as cidades da Itália do Norte (que se tinham tornado centros comerciais de grande importância), no exercício da sua autonomia legislativa, começaram a reduzir a escrito o seu direito consuetudinário local e a compilar os seus estatutos. Os estatutos das cidades, que se ocupavam, principalmente, das relações jurídicas de carácter privado, diferenciavam-se muito entre si: as regulamentações que estabeleciam para estas relações estavam longe de ser uniformes.

Entregando-se em larga escala ao exercício do comércio, originavam, naturalmente, contactos cada vez mais frequentes entre habitantes de diferentes cidades. Bem cedo, como também é natural, acontece tornar-se frequente o caso de ser demandado, perante a justiça de uma cidade, um habitante de outra cidade. Surgia então a pergunta: qual o estatuto aplicável a estes casos?

A primeira solução a que se chegou determinava como aplicável o estatuto local, ou seja, a «lex fori». Mas, muito cedo, surgiram ideias novas.

Com a recepção do direito romano, começaram a surgir teses audaciosas. Começou a entender-se que a aplicação do direito local comporta limites, pois o direito local, que não se dirige senão aos súbditos do soberano local, só a estes poderia obrigar.

Contudo, se o direito local não é aplicável aos estrangeiros, que direitos se lhes havia de aplicar?

Nesta primeira fase (séculos XII e XIII) a pergunta não obteve uma resposta satisfatória. No início do século XIII, a «lex fori» era considerada a única aplicável, contudo, já cerca de 50 (cinquenta) anos antes, ALDRICUS ensinava que quando os litigantes pertenciam a diversos territórios com direito consuetudinário diferente, o juiz deveria julgar segundo o que lhe parecesse melhor.

Fases de Desenvolvimento

A teoria dos estatutos:

Chama-se de teoria dos estatutos ao conjunto de regras doutrinais elaboradas a partir do século XIII e que diziam respeito aos limites de aplicação dos diferentes estatutos e costumes locais. É esta a primeira tentativa de resolução dos conflitos de sistemas jurídicos baseada no princípio do reconhecimento e aplicabilidade do direito estrangeiro
pelo juiz local.

Esta fase inicia-se com os post-glosadores, na última metade do século XIII e encontra seu termo no final do século XVIII.

Há uma característica comum a todos os juristas deste período que se ocuparam do problema dos conflitos: todos eles partiram do próprio texto dos estatutos e costumes ou, mais tarde, do próprio texto das leis nacionais, sem que tenham sentido a necessidade de prescrições especiais relativas à questão dos conflitos entre elas suscitados.

Neste período podemos distinguir três épocas distintas e, paralelamente, três escolas estatutárias:

– escola estatutária italiana (séculos XIV a XVI);
– escola francesa (séculos XVI a XVIII); e
– escola holandesa (século XVII).

Todos os estatutários partem da regra geral considerada em si mesma, procurando dela deduzir se é de aplicação restrita ao território do Estado que a formulou (estatuto real) ou de aplicação extraterritorial (estatuto pessoal).

Escola estatutária italiana (séculos XIV a XVI):

À maneira da época, as doutrinas da escola italiana revestiram sempre a forma de comentários aos textos do direito romano (glosas). Assim, da lei do Código de Justiniano e das Glosas de Acúrsio, partiram os jurisconsultos italianos para desenvolver a sua teoria.

A primeira distinção a que se chegou foi a distinção entre o processo e o fundo das causas. O juiz não aplica senão a sua própria lei (ou estatuto) em matéria de processo; não é senão quanto ao fundo dos litígios que se pode conceber a aplicação da lei estrangeira (BARTOLUS DE SAXOFERRATO).

Assim:

relativamente ao processo ― não se concebe aqui a aplicação da lei estrangeira, devendo o juiz aplicar apenas a sua própria lei; e relativamente ao fundo ― apenas quanto a este se concebe a aplicação da lei estrangeira.

Segundo BÁRTOLO, deve distinguir-se os estatutos que dispõem relativamente às pessoas daqueles que dispõem relativamente às coisas:

– os estatutos que dispõem relativamente às pessoas dirigir-se-iam tão só aos súbditos, onde quer que estes se encontrassem ― são extraterritoriais; e
– os estatutos relativos às coisas, diferentemente, apenas se aplicam às coisas situadas no território ― são territoriais.

Relativamente às solenidades dos contratos, aplicar-se-ia o estatuto do lugar do celebração.

No que diz respeito à substância e aos efeitos das obrigações, devemos também fazer uma distinção:

– tratando-se dos efeitos imediatos do contrato, ou seja, dos direitos que nascem no momento da formação do acordo, é aplicável o direito do lugar da celebração;
– tratando-se das consequências que se produzem em momento posterior, em virtude de negligência ou mora, é aplicável o direito do lugar da execução (no caso de as partes terem escolhido um) ou o direito do lugar onde o processo corre (no caso de falta de estipulação de um lugar para a execução).

A forma do processo depende da lei do lugar onde o processo corre (aplica-se, assim, a «lex fori»).

Quanto ao testamento há que pôr o problema relativamente às formalidades e ao conteúdo do acto testamentário. A forma do testamento é determinada pelo estatuto do lugar onde o testamento é feito, na dependência do mesmo estatuto se encontrando a interpretação da vontade do «de cujus».

BÁRTOLO, assim como vimos, desenvolveu a distinção entre costumes reais e pessoais, não se aplicando os costumes pessoais senão aos súbditos ou cidadãos, de harmonia com o critério do domicílio. No que diz respeito ao seu efeito extraterritorial, ele introduziu uma distinção entre estatutos permissivos e proibitivos, sendo os primeiros
extraterritoriais. Quanto aos estatutos proibitivos há ainda que distinguir entre estatutos proibitivos favoráveis (igualmente extraterritoriais) e estatutos proibitivos odiosos (que seriam territoriais).

Assim:

  • Estatutos pessoais
  • Permissivos (extraterritoriais)
  • Proibitivos
  • Favoráveis (extraterritoriais)
  • Odiosos (territoriais)

Escola estatutária francesa (séculos XVI a XVIII):

As principais contribuições para esta escola estatutária foram a de DUMOULIN e de D’ARGENTRÉ.

A teoria de DUMOULIN:

A contribuição mais importante de DUMOULIN foi a elaboração do princípio da autonomia da vontade, princípio este que, embora com grandes modificações, se manteve ao longo de toda a evolução jurídica do DIP. até aos nossos dias.

Há um domínio do DIP. em que as partes podem escolher livremente o regime jurídico da relação: o das matérias reguladas por normas supletivas. Podem fazê-lo, desde logo, no interior de uma dada ordem jurídica, mas podem também escolher a própria ordem jurídica da qual adoptarão o regime jurídico que lhes convier. Esta ideia aplica-se aos contratos e aos regimes matrimoniais.

A teoria de D’ARGENTRÉ:

Lema e directiva capital desta nova corrente doutrinária francesa ― que teve em D’ARGGENTRÉ seu precursor ― é o princípio da territorialidade. O feudalismo, com sua ideia de soberania territorial, conduzia naturalmente ao princípio da territorialidade das leis. Segundo este princípio, a lei só obriga dentro do território onde se exerce a soberania de quem a formula, mas aí obriga a todos, quer nacionais quer estrangeiros.

D’ARGENTRÉ, porém, retoma e desenvolve a classificação dos estatutos em reais e pessoais:

a)costumes reais: são territoriais;
b)costumes pessoais: são extraterritoriais; pessoais são apenas os estatutos que dizem respeito, directamente, à pessoa (direitos de personalidade, capacidade e estado, relações de família, sucessões «mortis causa»), e aplicam-se a todos aqueles que têm o seu domicílio no território onde o estatuto se encontra em vigor e seguem-nos nas suas deslocações.

Escola estatutária holandesa (século XVII):

Foi na Holanda que a doutrina territorialista de D’ARGENTRÉ alcançou sua maior projecção, mas os autores holandeses, dentre os quais HUBER, PAULO e VOET, modificaram-na profundamente pela adjunção do conceito de soberania.

A teoria de HUBER:

-As leis de cada Estado operam dentro das respectivas fronteiras e obrigam todos os súbditos desse Estado, mas não para além desses limites;
-os súbditos de um Estado são todos aqueles que se encontram no seu território (residentes ou não);
por cortesia («comitas»), os soberanos dos Estados conduzem-se de modo a tornar possível que as leis de cada país, depois de terem sido aplicadas dentro das fronteiras desse país, conservem a sua força e eficácia em toda a parte, contando que daí não advenha prejuízo para os direitos de um outro soberano ou dos seus cidadãos.

A ideia fundamental de HUBER é, portanto, a da territorialidade, mas assegura-se à lei um efeito extraterritorial apelando-se para a «comitas gentium».

Note-se ainda que os autores holandeses aceitam a distinção, derivada de D’ARGENTRÉ, entre estatutos pessoais, territoriais e mistos. Em síntese, a concepção da escola holandesa acerca do DIP. foi a seguinte:

-os Estados gozam da máxima liberdade na fixação das regras de conflitos de leis não havendo normas do «direito das gentes» que a restrinjam;
-o Estado pode ordenar aos seus juízes que apliquem, ocasionalmente, leis estrangeiras, mas não porque a isso esteja obrigado para com o Estado estrangeiro, senão «ex comitate», ou seja, por uma espécie de conveniência recíproca, na esperança de que o Estado estrangeiro proceda de igual modo.

Nesta escola o mais importante é, justamente, esta sua concepção do DIP., concepção esta que chegou até a actualidade e teve grande aceitação por parte da doutrina inglesa e americana.

Do exposto resulta que a teoria dos estatutos não foi propriamente uma teoria do DIP., pois lhe faltou a unidade do conteúdo e dos pressupostos ou fundamentos. O traço comum que confere unidade a este pensamento científico é, antes de mais, sua posição metodológica:

todos os estatutários partem da regra geral considerada em si mesma, procurando dela deduzir se é de aplicação restrita ao território do Estado que a formulou (estatuto real) ou de aplicação extraterritorial (estatuto pessoal). Por outro lado, todos estes autores visaram estabelecer princípios universalmente válidos.

O século XIX e a ciência do DIP.:

Até ao século XIX, o DIP. fora de formação jurisprudencial e científica. As regras de resolução de conflitos de estatutos e de leis, que os juízes aplicavam em cada caso, não eram regras postas por um legislador interno ou internacional, mas princípios de autoridade exclusivamente científica que, portanto, não podiam aspirar a uma obrigatoriedade coercivamente imposta.

A partir do século XIX o panorama muda por completo, inaugurando-se a chamada fase do DIP. legal ou positivo (foi o período das grandes codificações do direito privado). Todos os códigos civis que então apareceram contêm, em maior ou menor abundância, normas de conflitos de leis. Mas não são estas as únicas transformações sofridas pelo DIP., mas também assistimos a sensíveis progressos na teoria do conflito de leis.

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A ideia fundamental da escola estatutária francesa era a da territorialidade: em princípio as leis são territoriais, o que leva ao predomínio da «lex fori» como lei aplicável às relações jurídicas. Esta ideia foi levada ao extremo pela escola holandesa, onde se admitia a aplicação, pelo juiz local, de direito estrangeiro fundada numa espécie de cortesia («comitas gentium»).

A orientação fundamental das teorias oitocentistas foi esta: «todo o problema de conflitos de leis deve resolver-se sem olhar à nacionalidade das leis que se encontram em contacto».

Esta nova concepção assenta na ideia da existência de uma comunidade de direito entre os Estados.

É esta a concepção fundamental das doutrinas que, no decurso do século XIX, são elaboradas, destacando-se as de:

-SAVIGNY;
-MANCINI; e
-PIILLET.

O sistema de SAVIGNY:

A primeira novidade deste sistema consiste no método a que SAVIGNY recorreu para resolver o problema do conflito de leis. Ao invés de partir da regra de direito e perguntar a que situações é que ela se aplicava, assim como faziam os estatutários, ele parte da própria relação jurídica.

A que direito local deve a relação jurídica estar sujeita?

a) Cada relação jurídica deve ser regulada pela lei mais conforme à sua natureza;
b) A lei mais adequada à natureza da relação jurídica é a lei da sua sede.

Assim, para SAVIGNY, o problema do conflito de leis consiste em determinar, para cada relação jurídica, a lei da sua sede. Entendia SAVIGNY que, assim como as pessoas têm um domicílio, as relações jurídicas têm uma sede. A sede é para as relações jurídicas o que o domicílio é para as pessoas.

Para as relações jurídicas há que levar a cabo uma investigação tendente a estabelecer qual o espaço territorial a que pertencem pela sua natureza, ou em que se localizam. O sistema de direito em vigor nesse território será aquele ao qual a relação jurídica deverá considerar-se submetida.

Deste modo, é necessário atribuir a cada classe de relações jurídicas uma sede, sendo que, os elementos que podem determiná-la são:

– o domicílio dos sujeitos;
– o lugar da situação da coisa;
– o lugar da celebração do acto ou facto jurídico;
– o lugar do cumprimento da obrigação; e
– o lugar do tribunal chamado a conhecer do litígio.

Trata-se de optar, em cada caso, por um destes elementos. Como quase todos estes elementos se encontram na dependência da vontade dos interessados, o direito local aplicável às relações jurídicas encontra-se sob a influência da mesma vontade. Há, portanto, uma submissão voluntária dos sujeitos da relação jurídica ao direito local; isto significa que podemos dizer que o contacto de uma relação jurídica com certo domínio de direito (contacto este que lhe determina a sede) tem na sua base a submissão voluntária dos sujeitos da relação a esse domínio de direito.

Todavia, isto não significa que para SAVIGNY a determinação da lei competente esteja sempre na dependência directa da vontade dos interessados. Na dependência directa da vontade dos interessados apenas se encontra a determinação da lei competente para regular materialmente as relações situadas no domínio das leis supletivas, pois é neste domínio e apenas nele que a lei se não impõe à vontade.

Aplicações práticas da doutrina de SAVIGNY:

a) Lei reguladora do estado das pessoas em si mesmas sendo o domicílio como que a sede legal da pessoa, é pela lei do domicílio que se regula o estado da pessoa.

b) Lei reguladora dos direitos reais: tendo o direito real por objecto uma coisa que é perceptível aos sentidos e localizável no espaço, é pela lei do lugar da situação da coisa que se regula a respectiva situação jurídica.

c) Lei reguladora das obrigações: a obrigação, sendo uma coisa incorpórea e não ocupando um lugar no espaço, não tem, em si mesma, uma sede que possamos considerar decisiva da competência da lei. Contudo, toda relação jurídica resulta de factos concretos que se passaram em certo lugar e realiza-se por factos concretos que se hão-de passar em determinado lugar. Sendo assim, há que fazer-se a escolha entre o lugar da constituição e o da execução das obrigações.. O primeiro (lugar da constituição) é um facto acidental e estranho à essência da obrigação; o segundo (lugar da execução), pelo contrário, é da essência da relação jurídica, visto que a obrigação tem valor pela sua realização ou cumprimento. Assim, é conforme à natureza das coisas que o lugar do cumprimento seja considerado como a sede da relação obrigacional.

d) Lei reguladora do direito das sucessões: operando o fenómeno sucessório a transmissão do património de uma pessoa falecida para outras (herdeiros ou legatários); e representando isto uma extensão do poder e da vontade do homem para além do termo da sua vida, logo, esta relação liga-se imediatamente à pessoa do «de cujus», devendo a
lei aplicável ser a do último domicílio deste. Assim, a sede da sucessão é a do último domicílio do autor da sucessão.

e) Lei reguladora do Direito da Família:

– Casamento: a lei reguladora do casamento é a lei do domicílio do marido (o chefe da família), visto ser aí a sede do vínculo conjugal.
– Poder paternal: regula-se pela lei do lugar onde o pai tinha o seu domicílio no momento do nascimento do filho.

Quanto às relações patrimoniais entre pais e filhos, seu regime é determinado pela lei do actual domicílio do pai, pois é esta a sede natural das relações jurídicas do pai com os filhos.

– Tutela: tendo a tutela por fim a protecção do pupilo, deve ser a lei pessoal deste a decidir se se torna necessário instituí-la. Assim sendo, quanto à sua constituição, a tutela está subordinada à lei do domicílio do pupilo.

No que diz respeito à administração tutelar, ela deve considerar-se sujeita à lei do tribunal em cuja circunscrição é exercida.

Por último, a obrigação para o tutor de aceitar o encargo da tutela, bem como o direito de escusa, determinam-se pela lei do seu domicílio.

Na dependência da lei do lugar onde a gestão tutelar é exercida encontram-se as obrigações do tutor resultantes da gestão.

f) Forma dos actos jurídicos: deveria ser regulada pela mesma lei competente para regular a relação jurídica em geral, mas sucede que no lugar onde se pratica o acto jurídico é, muitas vezes, de difícil conhecimento ou impossível observância das formalidades prescritas na lei reguladora da relação jurídica. Por isso admite SAVIGNY a suficiência da lei do lugar da celebração.

Limites da Comunidade de Direito:

As diferenças entre as legislações dos Estados no tocante à regulamentação de certas relações jurídicas podem traduzir diferenças essenciais nas suas condições de existência que interessam à sua conservação e desenvolvimento. Assim, torna-se, por vezes, perigosa a aplicação num Estado de leis de outro Estado.

Se a aplicação do direito estrangeiro se fundamenta na existência de uma comunidade de direito entre os povos, a não verificação do pressuposto deve trazer consigo o não funcionamento daquele princípio.

Se o juiz deve, em princípio, aplicar à relação jurídica o direito da sua sede, quer esse direito seja ou não o do seu próprio território, há diversas leis cuja especial natureza o força à aplicação do direito local mesmo nos casos em que se mostrasse competente um direito estrangeiro.

Há, assim, um certo número de excepções ao princípio da aplicação da lei estrangeira, excepções estas que SAVIGNY reduz a duas classes:

a) Leis positivas rigorosamente obrigatórias que, por isso, não podem ceder na concorrência com leis estrangeiras: pertencem a esta categoria, não todas as leis imperativas, mas todas as que não existem apenas no interesse dos indivíduos e são, antes, inspiradas ou numa razão de ordem moral (como a lei que proíbe a poligamia), ou num
motivo de interesse geral, bem como as que revestem um carácter político ou de polícia;
b) Instituições de um Estado estrangeiro cuja existência não é reconhecida no Estado local e que, portanto, não podem obter aí a protecção dos tribunais. Como exemplos de instituições de um Estado estrangeiro que não podem ser reconhecidas pelos tribunais do Estado local, indica SAVIGNY a escravatura e a morte civil.

SAVIGNY, em suma, tenta recuperar, através dos referidos princípios universais do DIP., a concepção da harmonia de soluções e de unidade do direito que era inicialmente garantida pela posição do direito romano e seria prejudicada pela implantação da ideia do monopólio estadual do direito.

O sistema de SAVIGNY é bastante menos eficaz do que o que o antecede: os princípios em que se baseia, por muito universais que sejam, devem a sua legalidade efectiva a fontes estaduais (são institutos internos que não poderiam valer sem que os órgãos do (s) Estado (s) os tenham transformado em direito vigente).

Não é possível uma solução única, apenas é uma solução uniforme quando os vários Estados conectados com uma situação tivessem incorporado na sua ordem jurídica os mesmos princípios e os aplicassem de forma idêntica.

O sistema de MANCINI:

Seguindo na esteira de SAVIGNY, MANCINI nega aos Estados o poder absoluto de recusar inteiramente no seu território a aplicação de leis estrangeiras. É o abandono decisivo do princípio da territorialidade.

Além disso, ensina MANCINI que a aplicação das leis estrangeiras, quando por elas devam regular-se as relações jurídicas, não representa um simples acto de cortesia («comitas gentium»), mas o cumprimento de um dever por parte do Estado.

Quais os princípios ou critérios de harmonia com os quais cada Estado deve ser obrigado a reconhecer e aplicar leis estrangeiras?

Segundo MANCINI, as relações jurídicas do direito privado são reguladas pela lei nacional dos seus sujeitos ou pela lei por eles escolhida, dentro dos limites que foram consentidos pela ordem pública do Estado local.

O princípio fundamental do sistema é o da nacionalidade (é em nome deste princípio que cada indivíduo pode reclamar, fora do seu país, o reconhecimento e o respeito do seu direito privado nacional). Entende MANCINI que é nas relações de direito privado que, sobretudo, se revela o espírito e o carácter de cada povo. O clima, a temperatura, a situação geográfica, a natureza do solo, a diversidade das necessidades e dos costumes de cada povo, assim como já ensinava MONTESQUIEU em «O Espírito das Leis», são condições que determinam em cada povo o sistema das relações jurídicas.

O estado e a capacidade das pessoas, as relações de família, etc., têm nas diferentes legislações uma regulamentação distinta justamente em virtude da maneira de ser particular do povo de cada nação. Seria, por isso, injusto que ao estrangeiro não fosse respeitado o seu estado pessoal e a sua capacidade jurídica, tal como lhos definem as leis do
seu país.

Assim como cada indivíduo pode reclamar do seu próprio Estado e dos seus concidadãos, em nome do princípio da liberdade, o respeito do seu património de direito privado, assim também ele pode reclamar das outras nações e dos outros Estados, em nome do princípio da nacionalidade estrangeira, idêntico respeito por esse seu património. E o
dever de cada Estado de respeitar a esfera de liberdade dos cidadãos estrangeiros não resulta da «comitas gentium», mas, sim, de um dever de justiça.

A mais, havemos de distinguir no direito privado uma parte necessária e outra parte voluntária:

a) parte necessária: constituída pelas leis que regem o estado das pessoas, as relações de família e a ordem da sucessão. O direito privado necessário é aquele que não pode ser alterado pela vontade dos indivíduos;
b) parte voluntária: diz respeito aos bens e ao seu gozo, à formação dos contratos, às obrigações. Neste domínio o indivíduo não é obrigado a conformar-se com a sua lei nacional. Visto que as regras ditadas por esta lei serem, ao menos em parte, meramente supletivas, destinadas a suprir as lacunas da vontade dos interessados, podem estes
submeterem-se a regras diferentes.

O estrangeiro deve ter, pois, a faculdade de se submeter ou não a esta parte do seu direito privado nacional. É que a liberdade individual deve ser respeitada enquanto é inofensiva e o Estado não tem interesse em impedir o seu exercício.

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Em matéria de relações jurídicas sujeitas ao direito privado voluntário, MANCINI continua a considerar competente, em princípio, a lei nacional; mas os interessados devem poder submeter-se ao direito em vigor num país estrangeiro. É o princípio da autonomia da vontade (formulado por DUMOULIN, estatutário francês).

É esta a doutrina de MANCINI, mas há que ter em conta o limite do direito público (princípio da independência política). O direito público põe o indivíduo em contacto com a comunidade nacional em cujo seio quer viver. Esta comunidade estabelece as condições em que todos os que habitam no seu território devem obediência à soberania política desse Estado. Tais condições devem ser respeitadas por todos os habitantes do território, seja qual for a sua nacionalidade.

Em resumo, cada indivíduo pode reclamar, fora do seu país, em nome do princípio da nacionalidade, o reconhecimento e o respeito do seu direito privado nacional. Mas cada Estado, em nome do princípio da independência política, pode proibir, dentro do seu território, toda a infracção ao seu direito público… à sua ordem pública. Nesta medida, o Estado pode recusar-se a reconhecer e aplicar leis estrangeiras. Do mesmo modo, aos actos realizados em país estrangeiro pode o Estado negar todo o efeito, ainda que no país onde foram realizados sejam considerados legítimos, desde que lesem princípios essenciais da sua ordem pública.

O direito privado é pessoal e nacional, devendo acompanhar a pessoa mesmo fora da sua pátria. O direito público é territorial. O direito privado pode ser necessário ou voluntário, sendo este último (o voluntário) dominado pelo princípio da autonomia da vontade.

Em suma, o sistema de resolução de conflitos devido a MANCINI é este:

os conflitos de leis de direito privado resolvem-se pela aplicação da lei nacional das pessoas, salvo a excepção derivada da autonomia da vontade e as limitações impostas pela ordem pública internacional. Há leis pessoais, de aplicação extraterritorial; leis de ordem pública, de aplicação territorial; e leis cuja a competência depende da vontade dos interessados.

Estão sujeitos à lei nacional

Confrontando esta doutrina com a de SAVIGNY facilmente se verifica que o seu traço mais característico reside na importância atribuída ao princípio da nacionalidade. Já no sistema de SAVIGNY, as leis pessoais (de aplicação extraterritorial) ocupavam um lugar preponderante. Mas é na doutrina italiana que, pela primeira vez, a lei pessoal nos aparece identificada com a lei nacional. O velho princípio do domicílio foi substituído, na doutrina de MANCINI, pelo princípio da nacionalidade.

O sistema de PILLET:

Para PILLET, uma solução justa dos conflitos de leis deve derivar da natureza da lei, como expressão da vontade soberana do legislador. Tanto quanto possível, deve procurar manter-se na lei (considerada nas relações internacionais) as qualidades que ela tem nas relações internas. Deste modo, conseguir-se-á sacrificar de cada lei nacional, na resolução dos conflitos de leis, apenas o que for estritamente indispensável para a justa conciliação das soberanias.

Encaradas na perspectiva do direito interno, todas as leis são de aplicação geral e, ao mesmo tempo, de aplicação permanente. Se, porém, as considerarmos na sua aplicação às relações internacionais, teremos de admitir que uma destas qualidades tem de ser sacrificada. A lei ou há-de ser geral (aplicando-se a todos os habitantes do território, quer sejam nacionais ou estrangeiros), ou permanente e extraterritorial, acompanhando no estrangeiro os súbditos do Estado legislador e, reciprocamente, deixando de aplicar-se no território deste Estado aos estrangeiros.

Ou generalidade ou permanência. Sacrificando-se a generalidade, a lei será extraterritorial; sacrificando-se a permanência, a lei será territorial. Assim, na perspectiva de PILLET, o problema dos conflitos consiste, pois, em determinar quais as leis que devem considerar-se gerais e territoriais e quais as leis que devem considerar-se permanentes e extraterritoriais.

Para determiná-lo, há que atender-se, segundo PILLET, à função social ou fim da lei, isto é, à necessidade social a que ela pretende dar satisfação.

Quanto ao seu destino ou ao seu fim, as leis internas dividem-se em leis de protecção individual e leis de garantia social ou de ordem pública.

a) Leis de protecção individual: dizem respeito ao estado e a capacidade das pessoas, às relações de família, sucessões e doações. Estas leis de protecção individual só atingirão o seu fim se acompanharem sempre os indivíduos a que se destinam, ou seja, se forem de aplicação permanente e extraterritorial.

b) Leis de garantia social ou de ordem pública: são as leis políticas, morais, de segurança, as relativas à propriedade, ao crédito público, à execução forçada e à falência, as leis fiscais e as leis de ordem. O fim das leis de garantia social só poderão ser atingidos se elas forem de aplicação geral a todos os habitantes do território (leis territoriais).

A lei de protecção individual competente será a lei nacional, visto ser o Estado a que o indivíduo pertence «o mais interessado» e aquele que tem o direito e o dever de o proteger nas relações internacionais.

A lei de garantia social competente será também a do Estado que tiver na matéria o interesse mais forte, isto é, a que melhor realizar o fim visado pelo instituto ou preceito jurídico em causa.

Ao lado das leis de protecção individual e de garantia social, considera PILLET as leis supletivas ou interpretativas e as leis de forma.

c) Leis supletivas ou interpretativas: em virtude do seu carácter de leis de conselho, adopta em relação a elas o princípio da autonomia da vontade.

d) Leis de forma: em virtude de estas, segundo PILLET, ocuparem uma posição intermediária entre as leis supletivas e as leis imperativas, adopta o princípio «locus regit actum» com carácter facultativo.

Assim sendo, são estas as principais características apontadas ao sistema de PILLET:

e) o fundamento dado à doutrina de que a lei pessoal é a lei nacional (considera que o Estado com maior interesse na protecção dos indivíduos é aquele ao qual pertence o direito e o dever de os defender por via diplomática nas relações internacionais: o Estado da nacionalidade);

f) o carácter atribuído às leis de ordem pública. Enquanto SAVIGNY e MANCINI consideravam estas leis como um limite ou uma excepção à comunidade de direito e ao princípio do reconhecimento e aplicação de normas jurídicas estrangeiras, PILLET considera-as como um elemento integrante dessa comunidade de direito e como leis de competência absolutamente normal;

g) a ideia do fim social das leis, enquanto critério determinante do seu campo de aplicação às relações internacionais.

Outras doutrinas universalistas:

Todas as doutrinas citadas são de clara inspiração e sentido universalista. Estes autores, ao exporem as suas ideias acerca dos limites espaciais do domínio das regras de direito sobre as relações jurídicas, não o faziam, decerto, com um intento de construir um sistema de conflitos para uso exclusivo dos tribunais alemães, italianos ou franceses, senão com o intento de assinalar as coordenadas básicas e os princípios científicos informadores de todo o DIP.

Nos começos do século XX, contudo, o universalismo está em vias de extinção. No entanto, o universalismo estilo século XIX não se rende sem luta. A teoria de ZITELMANN tem o traço original de nos oferecer um sistema de DIP. supraestadual fundamentado no Direito Internacional Público, segundo ele, o DIP. supraestadual apresenta-se como um conjunto de normas jurídicas implicadas por certos princípios do Direito Internacional Público vigente.

Outro autor que importa apreciar é FRANKENSTEIN. Para este autor, o problema do DIP. consistiria em saber qual o princípio segundo o qual devem ser reguladas as relações internacionais entre os indivíduos. FRANKENSTEIN entende que as relações intersubjectivas internacionais não podem ser reguladas senão pela ordem jurídica que detiver o poder de constrangimento ou coacção; aquele ordenamento jurídico ao qual os interessados se encontram sujeitos.

A evolução posterior do DIP.:

Vimos como no século XIX, com o advento e a intensificação do movimento codificador, o DIP. muda radicalmente de aspecto: perde a natureza de conjunto de princípios de formação e autoridade exclusivamente doutrinal para assumir uma feição legal-positiva.

Durante o século XIX, o problema do DIP. é encarado como um problema de delimitação de competências legislativas, de coordenação de soberanias e, portanto, como um problema cuja resolução pertence ao direito internacional.

A emanação de normas de conflitos pelos vários Estados constitui, portanto, uma solução imperfeita e meramente provisória, se bem que legítima do problema. O verdadeiro DIP. é superior aos Estados e necessariamente uniforme.

Em breve, essa atitude tornou-se geral. Cada Estado passou a ter um DIP. próprio. Mas era fatal que entre estes vários sistemas nacionais de normas de conflitos se verificassem inúmeras e profundas divergências.

Consequências do movimento codificador do DIP. ― a reacção contra o universalismo:

O DIP. constituiu-se e existe a fim de dar a cada relação do comércio jurídico internacional a lei competente, mas de forma a que esta lei seja a mesma em toda a parte. A justiça de uma causa não deve depender da latitude do lugar, e sendo certo que, não poucas vezes, a relação jurídica poderá ser submetida à apreciação de uma ou outra dentre várias jurisdições nacionais, à escolha do autor, urge evitar que este, escolhendo o tribunal da acção («forum shopping»), possa também, por tal caminho, escolher, dentre as possíveis, a lei que for mais do seu agrado. Além disso, na situação actual do DIP., não têm as partes a possibilidade de determinar, no momento da constituição da relação jurídica, a lei a que ficarão sujeitas.

Assim, o DIP. actual está ainda longe de dar satisfação às necessidades da vida social que determinaram o seu aparecimento.

O DIP. é, por natural destino, um direito comum a todos os povos e nações; não existe apenas para designar a lei competente, mas para o fazer por modo universalmente válido. A harmonia jurídica internacional (a garantia de que a mesma situação da vida será objecto de valoração uniforme em todos os países interessados) é postulada aqui pela própria natureza das coisas. A harmonia internacional é o ideal supremo do DIP.

Esse ideal foi quase por completo perdido de vista durante largas décadas do século XX.

Já no primeiro quartel do século XX, o DIP. pudera ser definido como expressão genuinamente nacional. Ele seria apenas a projecção do direito privado interno no plano internacional. É o dogma da subordinação do DIP. ao direito material.

Ora, se o conteúdo das normas de conflitos depende assim tão estritamente da modelação das instituições a que elas se referem pelo respectivo direito material, a falta de uniformidade do DIP. será, desde logo, a expressão necessária da falta de uniformidade do próprio direito privado interno. Para a suprimir seria necessário começar por anular a divergência das leis internas, isto é, os conflitos de leis, mas, então, já não haveria o problema e o DIP. desapareceria.

Assim, haveria de resolver-se o chamado problema da qualificação em favor da «lex fori» e que repudiar formalmente qualquer sorte de reconhecimento do DIP. vigente noutros países. É o dogma do carácter absoluto e exclusivo do DIP. da «lex fori». De resto, a escola nacionalista iria robustecer-se, ainda, graças ao «rapport» daqueles escritores (NIBOYET sobretudo, que fora discípulo de PILLET) que viriam acentuar o carácter político das razões que, em cada Estado, estão na base do sistema das regras de conflitos, o comandam e aperfeiçoam.

Deste modo se instalou um estado de coisas absolutamente contrário à essência e fins do DIP.

Reacção contra o nacionalismo ou particularismo positivista

Orientação dominante na actualidade:

Contra tal estado das coisas, tomou vulto uma reacção por volta da década de 1930. A ideia de que uma sã solução dos conflitos de leis deve inspirar-se fundamentalmente no interesse dos indivíduos, a quem, afinal, se destina todo o direito; a progressiva utilização neste domínio do método da jurisprudência dos interesses; o reconhecimento da necessidade urgente de emancipar o DIP. do direito interno em ordem a tornar possível o ideal da unificação; o aproveitamento, neste sentido, da investigação comparatista; a tendência para uma interpretação das regras de conflitos estaduais adequada à sua missão eminentemente internacional, isto é, da compreensão e coordenação de todas as legislações do mundo civilizado.