Apontamentos Garantia da Constituição Geral

Garantia da Constituição Geral

A importância da defesa da Constituição

I. A preocupação com a defesa da Constituição é a outra face da constitucionalidade, não já numa perspetiva normativo-sistemática, quanto numa ótica de proteção da Ordem Constitucional estabelecida.

Por força da importância da defesa da Constituição, os mecanismos que se alinham nesse desiderato são múltiplos, podendo apresentar-se como:

– garantias internas e garantias externas: as primeiras integrando-se dentro da própria Ordem Constitucional, enquanto que as outras funcionando a partir do exterior da Ordem Constitucional;

– garantias gerais e garantias especiais: as primeiras tendo uma vocação irradiante para toda a Constituição, ao passo que as outras se limitando a segmentos mais específicos da Ordem Constitucional;

– garantias políticas, legislativas, administrativas ou judiciais: cada uma delas dependendo da natureza do órgão que a protagoniza;

– garantias informais e garantias institucionais: as primeiras acontecendo pela proteção de certos valores constitucionais no comportamento dos governados e dos governantes, ao passo que as outras sendo específicas incumbências dos órgãos do poder público;

– garantias ordinárias e garantias extraordinárias: as primeiras ocorrendo na normalidade da vida do Estado, diversamente das outras, surgindo apenas em momentos de crise constitucional.

II. Numa perspetiva tipológica, são vários os institutos que, dentro da conceção geral das garantias especiais, assumem esta preocupação, tendo em vista outras tantas circunstâncias, as quais permitem comprovar como é vasto o mundo da defesa da Constituição e como é variável a respetiva fenomenologia.

Sem qualquer preocupação de exaustão, cumpre assinalar a importância dos seguintes mecanismos de garantia especial da Constituição, que dão logo nota, no contexto particular em que se movem, da proteção que à mesma
conferem:

– a perda de direitos fundamentais: não obstante a titularidade universal dos direitos fundamentais, a prática de atos graves contra a Ordem Constitucional pode desembocar na perda de certos direitos políticos, numa decisão individual e permanente, com o que se distingue dos efeitos do estado de exceção, aquela figura que não se encontrando prevista no Direito Constitucional Moçambicano;

– a proibição dos partidos políticos inconstitucionais: a liberdade de associação partidária, dentro das amplas fronteiras da democracia, encontra a barreira de um conjunto de limites que o texto constitucional levanta aos partidos políticos, no plano da organização interna, dos fins e dos símbolos;

– a proibição das associações totalitárias: a liberdade de associação em geral, tal como mais especificamente sucede em relação aos partidos políticos, enfrenta limites inerentes aos objetivos professados, expressamente se dizendo que “São proibidas as associações armadas de tipo militar ou paramilitar e as que promovam a violência, o racismo, a xenofobia ou que prossigam fins contrários à lei”;

– o ilícito criminal político: embora a criminalização das condutas humanas seja a ultima ratio na defesa dos bens jurídicos mais relevantes, em certos casos, pela sua centralidade do ponto de vista da coletividade, a violação de alguns desses bens constitucionalmente consagrados é sancionada pela responsabilidade penal, desempenhando uma função de garantia especial da Constituição, valendo essa punição duplamente para os governantes – os crimes de responsabilidade – e para os governados – os crimes contra o Estado;

– o direito de resistência: a despeito do monopólio do uso da força pertencer à autoridade pública, ninguém podendo ser (bom) juiz em causa própria, em certos casos admite-se o direito de resistência, perspetivado na defesa dos valores constitucionais mais relevantes;

– a objeção de consciência: no plano das convicções subjetivas, a consagração da objeção de consciência permite filtrar certas violações da Constituição, porquanto dá a faculdade ao titular do direito fundamental de não cumprir deveres que podem contender com valores constitucionais, mesmo perante a falência de outros mecanismos de averiguação da inconstitucionalidade, dizendo-se que “É garantido o direito à objeção de consciência, nos termos da lei”.

III. Com um muito maior raio de ação, possuindo por isso uma superior eficácia, estão os mecanismos que funcionam como garantias gerais da Constituição, ao serem capazes de proteger todas as suas dimensões materiais e organizatórias, não se confinando a parcelas mais estreitas da Ordem Constitucional.

A doutrina tem pacificamente aceitado a existência de três institutos que correspondem bem a esta proteção global da Constituição, a primeira uma garantia acessória, não principal, a segunda uma garantia extraordinária,
não ordinária, e a terceira uma garantia exclusiva, não mista:

– a revisão constitucional: a possibilidade de rever a Constituição, por ela diretamente aceite, inscreve-se, em último termo, no desejo da sua perpetuação, desenhando-se os limites que não podem ser galgados, sob pena de subversão da Ordem Constitucional e de já não haver revisão, mas uma qualquer outra coisa, como a revolução ou a rutura
constitucionais;

– o estado de necessidade constitucional: a ocorrência de situações dramáticas de perturbação da Ordem Constitucional obriga a tomar medidas muito drásticas que interrompem largas parcelas dessa mesma Ordem Constitucional, que se alinham numa preocupação pela sua proteção última, não obstante o aparente paradoxo de que para defender a Constituição é preciso suspendê-la e modificá-la substancialmente;

– a fiscalização da constitucionalidade: a adoção de instrumentos funcionalmente aptos à verificação das situações de violação da Constituição, levados a cabo no âmbito de competências específicas que apenas têm esse fito, é o sinal mais forte da confirmação do objetivo de defesa da Ordem Constitucional, o que vem a acontecer com a fiscalização da constitucionalidade.

A inconstitucionalidade dos atos jurídico-públicos

I. Do ponto de vista sistemático, a garantia da Constituição joga-se na posição que ela exerce de cume da Ordem Jurídica, tal acarretando uma relação de desconformidade por parte de todos os restantes atos jurídico-públicos que à mesma desobedeçam, devendo-lhe, ao invés, estrito acatamento.

É esta relação de desconformidade que se designa por inconstitucionalidade, o mesmo é dizer, a verificação de uma discrepância entre a Constituição e o ato jurídico-público que com ela é desconforme, tal pressupondo, com base num raciocínio comparativo, um juízo multiforme assim decomposto:

– a Constituição como parâmetro de constitucionalidade, nas suas normas e princípios pertinentes;
– o ato jurídico como objeto do exame de constitucionalidade, em todas as suas vertentes;
– uma relação de discrepância dispositiva, ocorrendo uma contradição nos sentidos jurídicos que em ambos os elementos se obtêm;
– uma contradição que se apresente como constitucionalmente relevante, depurados outros aspetos hermeneuticamente pertinentes, mas não para o apuramento da relação de inconstitucionalidade.

II. Correspondendo a um juízo de desconformidade, a inconstitucionalidade acaba por se filiar, sendo uma sua espécie, no mundo muito mais vasto dos atos antijurídicos ou da antijuridicidade, em que se assinala uma relação de
desconformidade de uma certa realidade por referência a um parâmetro de juridicidade.

Só que esse é sempre um juízo jurídico-hermenêutico, não tanto um mero juízo de facto ou mesmo um juízo de valor:

– não se trata de uma relação naturalística de incompatibilidade de facto, pois é uma relação depurada pelo filtro da Ordem Constitucional na sua aceção normativa;
– não se trata de uma relação de violação de valores que não sejam jurídico-constitucionalmente relevantes, mesmo que se aceite a deficiência da Ordem Constitucional na positivação desses valores.

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Em ambos os casos, a relação de inconstitucionalidade é devidamente mediatizada por um padrão jurídico-positivo de constitucionalidade, com tudo quanto isso implica.

III. Esta definição de inconstitucionalidade permite ir mais longe na sua devida dissociação de relações afins que com ela se não confundem:

– a relação de constitucionalidade: é o seu simétrico, pois que nela não se regista qualquer violação do parâmetro de constitucionalidade;
– a relação de ilegalidade: é também uma relação de conflito, mas desta feita entre um padrão de legalidade – não de constitucionalidade – e um ato jurídico-público com ele desconforme;
– a relação de ilicitude: é ainda uma relação de desconformidade, mas normalmente associada à violação geral de um parâmetro de juridicidade perpetrada por um ato jurídico-privado, e não por um ato jurídico-público.

IV. A inconstitucionalidade é tudo menos uma verificação singular, tal a imensidão de modalidades por que a mesma se desdobra, em nome de outros tantos critérios aplicáveis:

– a estrutura do ato inconstitucional: inconstitucionalidade por ação e inconstitucionalidade por omissão, conforme a violação da Constituição se faça positiva ou negativamente, ou seja, fazendo-se um ato contra a Constituição ou não se fazendo um ato constitucionalmente devido;

– a realidade constitucional infringida: inconstitucionalidade explícita e inconstitucionalidade implícita, conforme a violação seja de norma ou de princípio constitucional;

– o elemento ou o pressuposto do ato viciado: inconstitucionalidade material, orgânica, formal e procedimental, conforme a parcela da estrutura do ato inconstitucional que se encontra em desconformidade com a Constituição;

– a extensão da inconstitucionalidade: inconstitucionalidade total e inconstitucionalidade parcial, conforme a violação da Constituição represente a totalidade do ato ou apenas uma sua parte;

– o momento da verificação da inconstitucionalidade: inconstitucionalidade originária e inconstitucionalidade superveniente, conforme a violação da

Constituição seja congénita do ato inconstitucional ou surja posteriormente, por alteração do parâmetro de constitucionalidade, tendo durante algum tempo o ato sido constitucional e, mais tarde, se tornado inconstitucional;

– o momento da vigência do padrão aferidor da inconstitucionalidade: inconstitucionalidade presente e inconstitucionalidade pretérita, conforme a verificação do juízo da inconstitucionalidade aconteça no presente ou seja relevante para um parâmetro constitucional anterior;

– a relação principal ou acessória por referência ao padrão de constitucionalidade: inconstitucionalidade antecedente e inconstitucionalidade consequente, conforme a inconstitucionalidade ocorra numa relação principal
com a Constituição ou apareça quando há um ato ou fonte, de que se dependa, que é primeiramente inconstitucional, sendo o ato e a fonte acessórios também inconstitucionais.

V. A inconstitucionalidade só se afigura verdadeiramente operativa quando confrontada com as consequências que o Direito Constitucional organiza para a hipótese desse incumprimento, com incidência em dois níveis, numa dimensão sancionatória que comporta por força do princípio da constitucionalidade:

– a desvalorização dos atos jurídicos inconstitucionais; e
– a responsabilização dos autores de tais atos.

A importância desta matéria é tão significativa que já no tempo do Estado Romano era bem conhecida a classificação que teorizava várias categorias de normas jurídicas precisamente na sua relação com a existência de normas secundárias de tipo sancionatório:

a) a lex imperfecta – desprovida de sanção;
b) a lex minus quam perfecta – assistida de sanções para os infratores, mas o ato antijurídico permanecia válido;
c) a lex perfecta – assistida da invalidade do ato antijurídico;
d) a lex maius quam perfecta – que cumulava a invalidade do ato antijurídico com outro tipo de sanções1340.

Os desvalores dos atos inconstitucionais

I. Uma das vertentes fundamentais do princípio da constitucionalidade – que, na leitura do princípio do Estado de Direito, determina a primazia da Constituição dentro do Direito – é a desvalorização dos atos jurídico-públicos que lhe sejam desconformes, ou seja, a decretação do “desaparecimento” desses mesmos atos ao indignamente atentarem contra a Constituição, podendo ser definidos como as consequências jurídicas negativas da inconstitucionalidade intrínseca de um ato jurídico-público.

O resultado prático da desvalorização dos atos inconstitucionais – por outras palavras, os desvalores ou os valores negativos dos atos inconstitucionais – leva à seleção de uma consequência negativa para a subsistência jurídica do
ato jurídico-público inconstitucional, tendo a Teoria Geral do Direito, que é globalmente pertinente, evidenciando as seguintes modalidades, conforme a gravidade do vício que lhe dá causa, não sendo possível conceber uma única graduação na depreciação provocada pela inconstitucionalidade intrínseca:

– a inexistência: é o desvalor mais grave e ocorre sempre que a inconstitucionalidade, sendo de tal modo grosseira, impede a própria qualificação do ato em questão em relação ao tipo constitucional para que tivera sido idealizado, nem sequer havendo qualquer ato jurídico–público, mas apenas, e quando muito, uma sua aparência; e
– a invalidade: é a modalidade geral, que também se pode obter por exclusão de partes, e corresponde à consequência da inconstitucionalidade intrínseca que, não sendo suficientemente forte para suscitar a inexistência, ainda assim consiste na incapacidade de o ato jurídico-público, sendo existente, produzir os efeitos para que fora concebido, subdividindo-se esta, por seu turno, na nulidade e na anulabilidade.

Diferentemente dos casos anteriores, tendo em comum a verificação da inconstitucionalidade intrínseca de um ato jurídico-público, a irregularidade atinge os autores desse mesmo ato, sobre eles fazendo abater consequências negativas, mas não belisca a validade do ato jurídico-público praticado, estando em causa uma inconstitucionalidade intrínseca de menor gravidade, devendo ela ser excluída do elenco de desvalores dos atos inconstitucionais.

O mesmo se diga da ineficácia, por vezes associada aos desvalores ou valores negativos dos atos inconstitucionais (ou aos atos antijurídicos em geral), que não é exatamente um desvalor, na medida em que corresponde à improdutividade de um ato jurídico-público inconstitucional por razões externas, normalmente ligadas a anomalias que ocorrem na fase da eficácia.

II. Por mais surpreendente que isso seja, nem sempre a consequência da inconstitucionalidade, sob o ponto de vista do ato jurídico-público praticado, é a da sua desvalorização, podendo dar-se o caso de nada de mal lhe acontecer.

Assim é com o valor positivo do ato inconstitucional, o qual significa a ausência de quaisquer consequências jurídicas negativas da inconstitucionalidade intrínseca e menor de um ato jurídico-público, ficando deste modo reservada para um conjunto delimitado de situações, em que aquela inconstitucionalidade intrínseca, por ser de pouca monta, não suscita os graves problemas de qualificação constitucional de um ato jurídico-público.

É uma situação muito rara porque contraria toda a força do princípio da constitucionalidade, que assenta na prevalência formal e substancial da Constituição.

Para que isso seja aceite, é preciso que irrompam razões suficientemente fortes para competir com as razões da desvalorização como resultado normal da prática de inconstitucionalidades.

III. A explicitação do regime dos diversos desvalores que o Direito Constitucional de Moçambique admite não é tarefa fácil porque são escassos os índices ordenadores que se extraem das respetivas fontes.

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Certamente que os casos de inexistência dos atos jurídico-públicos inconstitucionais serão muito limitados: na ausência dessa cominação expressa, isso acontecerá sempre que se verifiquem vícios que assumam uma gravidade tal que ponha em causa a qualificação mínima de um ato jurídico-público naquilo que de mais elementar lhe exige o Ordenamento Constitucional.

IV. Fora estes casos, o regime geral é o da invalidade, a despeito de nenhuma consideração expressa e direta se encontrar na CRM quanto à qualificação da consequência que se abate sobre um ato jurídico-público inconstitucional.

Apenas sobressai um dever geral de respeito pela Constituição por parte dos cidadãos e a sua violação ser devidamente sancionada: “Os atos contrários ao estabelecido na Constituição são sujeitos à sanção nos termos
da lei”.

Ainda assim, é motivo para perguntar: dentro da dualidade que caracteriza a invalidade, a nulidade e a anulabilidade, qual delas é considerada prevalecente?

Estamos em crer que o regime aplicável não se apresenta com a pureza de qualquer uma dessas qualificações, pelo que se justifica referir a edificação de um regime de invalidade mista, com sinais que advêm daquelas duas categorias, embora predominando mais elementos da nulidade do que da anulabilidade:

– da nulidade: a possibilidade de poder ser invocada a todo o tempo, a impossibilidade de ser sanada por ato confirmativo ou de caducar pelo decurso do tempo, e a oficiosidade no seu conhecimento pelo tribunal, mesmo que as partes não a invoquem;
– da anulabilidade: a restrita legitimidade pública na respetiva invocação judicial em sede de fiscalização abstrata, embora seja ampla na fiscalização concreta, além do caráter não suspensivo do desvalor, que só opera depois de declarado pelo tribunal, carecendo dessa declaração, assumindo-se esta intervenção como constitutiva.

A responsabilidade por atos inconstitucionais

I. A outra vertente da defesa da Constituição é a da responsabilidade jurídica pela prática de atos inconstitucionais, ou seja, a aplicação de consequências jurídicas negativas que se abatem sobre os autores dos atos que se mostrem
anticonstitucionais.

A responsabilidade jurídica é eixo fundamental a considerar no Direito Sancionatório e reflete a aplicação de consequências desfavoráveis que recaem, não já sobre o ato jurídico ilícito, mas sobre o autor desse mesmo
ato, com dois cenários:

– numa perspetiva cumulativa, a acrescer à consequência que já se infligiu sobre o ato ilícito e que determinou a sua desvalorização;
– numa perspetiva disjuntiva, na medida em que a desvalorização do ato jurídico nem sempre é operativa, sobretudo para enfrentar atos materiais entretanto praticados.

II. Esta responsabilidade, por seu lado, apresenta-se sob diversas vestes, em função dos ramos do Direito que com ela têm mais trabalhado, podendo ser:

– a responsabilidade penal: a aplicação de penas de prisão por ter havido comportamentos que configuram crimes;
– a responsabilidade contraordenacional: a aplicação de penas pecuniárias, com a designação de coimas, bem como outras sanções acessórias, num ilícito de natureza administrativa, que se traduz numa contraordenação;
– a responsabilidade financeira: a imposição de sanções, reintegratórias ou punitivas, como reação à violação de deveres financeiros;
– a responsabilidade civil: a aplicação de um dever de indemnizar – em espécie ou em dinheiro – para reparação dos danos que tenham sido cometidos;
– a responsabilidade disciplinar: a aplicação de sanções contra as pessoas que subordinadamente se inscrevam numa relação jurídico-laboral, pertencendo a infração cometida a esse âmbito;
– a responsabilidade política: a aplicação de atos de censura e de substituição dos titulares de órgãos que sejam politicamente dependentes quanto à sua subsistência.

III. Segundo a ótica específica que é dada pelo Direito Constitucional, interessa desenvolver as categorias de responsabilidade que lhe são peculiarmente aplicáveis em ordem à defesa da Constituição.

Os instrumentos fundamentais são essencialmente três:

(i) a responsabilidade política;
(ii) a responsabilidade civil;
(iii) a responsabilidade criminal.

As outras categorias de responsabilidade, ainda que igualmente se apliquem ao Direito Constitucional, não oferecem nele suficientes singularidades, pelo que o seu estudo é remetido para as disciplinas gerais em que têm as suas sedes.

Não cabe, assim, aprofundar a responsabilidade contraordenacional, a responsabilidade financeira ou a responsabilidade disciplinar, dado o escasso interesse prático da primeira e por os autores dos atos jurídico-públicos aqui mencionados não se inserirem numa relação disciplinar, ficando a responsabilidade financeira para o Direito Financeiro.

IV. A responsabilidade política é um mecanismo bidirecional, pois que se presta à concretização de duas perspetivas distintas que se acumulam, sob o enfoque comum de uma relação fiduciária que deve substanciar o sistema político e os seus órgãos integrantes.

De um modo geral, as relações de confiança política, sendo certificáveis por institutos de fiscalização política, servem para substituir os programas e os governantes que os protagonizam.

É tudo isso que fica bem patente, v. g., na responsabilidade política dos membros do Governo: “Os membros do Conselho de Ministros respondem perante o Presidente da República e o Primeiro-Ministro pela aplicação das
decisões do Conselho de Ministros na área da sua competência”.

V. A responsabilidade civil implica que o ilícito da inconstitucionalidade tenha uma resposta no plano de uma sanção compensatória, através da atribuição de uma soma em dinheiro ou da entrega de um bem que exerça uma função substitutiva do dano perpetrado.

Eis um caso em que a CRM é explícita, ainda que esse resultado se pudesse obter como decorrência do princípio do Estado de Direito, como uma óbvia refração no plano do Direito Sancionatório: “O Estado é responsável pelos danos causados por atos ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de regresso nos termos da lei”.

A verificação da responsabilidade civil pela prática de atos jurídico-públicos inconstitucionais, dada a abrangência deste princípio geral, pode acontecer em relação a qualquer tipo de ato jurídico-público, perante a respetiva indistinção. É assim que esta responsabilidade civil atinge todos os atos jurídico-públicos, sem esquecer os próprios atos jurisdicionais, pois nem mesmo os tribunais, não obstante a sua posição de último baluarte na defesa da Constituição, se encontram inibidos de violar a Ordem Constitucional.

Por outra parte, a inconstitucionalidade não resulta automaticamente em responsabilidade civil, mas apenas surge na medida em que haja a verificação de danos, patrimoniais e não patrimoniais, não elimináveis nos termos da desvalorização dos atos inconstitucionais praticados, e desde que se registem os demais pressupostos da responsabilidade civil.

VI. A responsabilidade penal relaciona-se com a incriminação de certas condutas inconstitucionais, perante a gravidade das suas repercussões sobre a Ordem Constitucional.

O novo Código Penal Moçambicano (CP), aprovado pela L no 35/2014, de 31 de dezembro, veio consagrar vários tipos de crime no seu Título VI, reservado aos Crimes contra o Estado, cujos preceitos se distribuem por estes
capítulos:

– Capítulo I – Crimes contra a segurança exterior do Estado;
– Capítulo II – Crimes contra os interesses do Estado em relação às nações estrangeiras;
– Capítulo III – Crimes contra a segurança interior do Estado.