Apontamentos Formação de Professores de Educação Física depois da independência

Formação de Professores de Educação Física depois da independência

Após a independência, segundo Libombo em entrevista concedida a Muria (2009), houve abandono da maior parte dos professores com a saída maciça dos portugueses de Moçambique tendo ficado apenas os instrutores António Prista, Humberto Coimbra (falecido), Abdul Abdula, Martinho Fernandes, Camilo Antão, Fátima Binasse, Margarida Abranches, Rui Tadeu, Jonas Xerindza, José Pereira, Pio Matos e Joel Libombo.

Apesar de alguns destes ainda não possuírem o diploma de conclusão do curso foram colocados para lecionarem aulas em diferentes escolas.

Esta situação fez com que o governo de Moçambique adotasse medidas para solucionar o problema da falta de professores no sistema de ensino.

Neste contexto, foram mobilizadas e recrutadas pessoas (estudantes que estavam nas classes superiores) que tinham habilitações mínimas, mesmo sem formação, para assegurarem o processo de ensino.

Para Muria (2009), os novos professores, sem nenhuma formação, asseguravam o processo conforme as suas experiências colhidas como alunos na sala de aula. Todavia, esta situação não deixava o Governo tranquilo dado que os modos de ensinar dos novos professores estavam profundamente influenciados pelos seus professores que por sinal estavam comprometidos com a ideologia colonial.

Em virtude desta situação, em 1976, foi reaberta a Escola de Educação Física de Maputo (Ex- Escola de Instrutores de Educação Física de Lourenço Marques) e, em 1977, a Escola de Educação Física de Quelimane para formar professores e quadros de Educação Física e Desporto.

Nos primeiros anos foram formados professores com o nível básico onde os candidatos ingressavam com a 6ª classe e tinham uma formação que durava entre 6 a 12 meses.

Salienta-se que os formandos eram selecionados nas escolas segundo o perfil que respondia à disciplina que iria ensinar, ou seja, os melhores alunos de uma determinada disciplina eram recrutados para serem formados nessa disciplina.

Contudo, esta ação criou descontentamento no seio dos jovens porque muitos não queriam seguir a carreira de professor.

A formação de professores teria como ação prioritária ter um caráter profundamente ideológico que conferisse ao professor a consciência da classe capaz de educar o aluno nos princípios do marxismo-leninismo (MOÇAMBIQUE, 1983).

Na argumentação de Muria (2009), a formação de professores após a independência foi influenciada por medidas políticas e sociais que terão orientado a construção destes cursos no país, pois, a educação passa a ser o instrumento principal para a criação do Homem Novo, idealizado como o produto da realidade objetiva e da transformação subjetiva, devendo romper e libertar-se de valores e de toda a carga ideológica e política da formação colonial e/ou tradicional.

Neste âmbito, foram realizados 5 tipos de cursos para a formação de professores de Educação Física e Desporto de nível médio, nomeadamente: 6ª+1, 6ª+5, 9ª+3/10ª+2, 9+18 meses, no período de 1975 a 2003.

Estes visavam responder às necessidades imediatas do país em função do período histórico que foram implementados, daí optarmos por descrever cada curso.

O curso 6ª+1 decorreu de 1976 a 1978 e visava a formação de professores para todos os níveis e subsistemas do SNE. O nível de ingresso era a 6a classe e tinha a duração de um ano. A prática desse programa era formar em curto espaço de tempo professores que assegurariam a lecionação de Educação Física nos subsistemas de Ensino Geral, Ensino Técnico Profissional, Formação de Professores e Ensino Superior (IMPULSO, 1987).

Muria (2009), ao analisar a concepção epistemológica do curso, observou que obedecia à orientação tradicional com o objetivo de formar especialistas na execução de tarefas.

Os conteúdos do desporto, com equivalência de disciplinas, visavam formar especialista que tinham que saber fazer, garantido pelas modalidades de Atletismo, Basquetebol, Futebol, Ginástica, Handebol, Natação e Voleibol (disciplinas da área das práticas da especialidade) e saber estar, que era garantido pelas disciplinas de Educação Política, Sociologia, História de Educação Física (área de política ideológica).

Entre 1979 e 1982 foi introduzido o curso 6ª+5 que para além das disciplinas do curso anterior, era lecionado disciplinas do ensino geral (Língua Estrangeira, Português, Matemática, Química, Física, Estatística, Geografia, História) de modo a conferir o nível médio (12ª classe).

Neste curso foram acrescentadas outras áreas de saber nomeadamente: Área Pedagógica (Psicologia, Pedagogia, Teoria de Educação Física, Teoria de Treino, Biologia Metodológica, Estágio Pedagógico), Área dos Fundamentos da Especialidade (História e Sociologia, Biomecânica, Biologia, Estatística, Avaliação das Qualidades Físicas) e Área das Atividades Complementares (Práticas Docentes e Estágio) (TEMBE, 2005).

Como afiança Muria (2009), a área geral, representava os conteúdos de saberes transitórios que não estavam diretamente ligados à vida profissional do futuro professor, mas serviam de base para prosseguir os estudos no nível superior.

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Outrossim, este curso, fornecia competências para os futuros professores lecionarem paralelamente a disciplina de Biologia como solução à falta de docentes.

Neste contexto, a planificação do curso por áreas de saber, poderia constituir uma base para a formação integral dos professores, se, se observasse o carácter multidimensional e transdisciplinar que deve caracterizar a formação profissional na Educação Física e Desporto.

A partir de 1983, o nível de ingresso passou a ser 9ª classe e a duração reduziu para três anos (9ª+36) o que correspondia ao nível médio. O programa de formação alterou ligeiramente, com a introdução de novas disciplinas como: Organização e Planificação, Primeiros Socorros, Medicina Desportiva e Sensibilização às Modalidades e Trabalho de Conclusão (TEMBE, 2005).

Paralelamente ao curso 9ª+3, em 1987, foi criado o curso de equiparação para os professores que tinham realizado o curso 6ª+1. Ao concluírem a 9ª Classe, frequentavam o curso durante 18 meses e no final era outorgado o nível médio.

Olhando para este curso as maiores dificuldades que os formandos tinham derivavam das características das suas zonas de origem onde muitas das vezes não tinham campos para a prática de modalidades de salão o que se tornava um obstáculo à sua formação.

Para colmatar esta lacuna, estes formandos tinham que usar os seus tempos livres para treinar as modalidades que tinham mais dificuldade com o apoio dos mais experientes. Um dos autores deste artigo teve a sua formação inicial neste curso 9ª+3.

Para além da formação de professores no país, a partir da década de 1980, outros moçambicanos que tinham concluído os cursos 6ª+5 ou 9ª+3 foram enviados ao exterior para formação superior em Educação Física, especialmente em países do leste: URSS, Hungria, República Democrática da Alemanha, Bulgária, Tchecoslováquia e Cuba, através dos acordos de cooperação assinados com estes países. Um dos autores do artigo, inclusive, beneficiou-se de uma bolsa para frequentar o curso superior em Cuba.

A partir de 1993, inicia-se o curso superior para formação de professores no Instituto Superior Pedagógico, através da criação da Faculdade de Ciências de Educação Física e Desporto (FCEFD), como forma de dar novo impulso à área de Educação Física e Desporto no país.

Participaram da constituição da faculdade os professores Manuel Morais (1º Diretor da Faculdade), Ângelo José Muria e Ilídio da Silva, assessorados por Peter Bancov de nacionalidade Búlgara.

A formação de professores na FCEFD acontecia em dois níveis, Bacharelato (3anos) e Licenciatura (2 anos) e estes deviam estar habilitados a trabalharem na Educação Geral, Formação de Professores e Educação Superior.

O bacharelato correspondia aos 3 primeiros anos do curso e o candidato era graduado e poderia, se o quisesse, ir ao mercado de trabalho ou optar por continuar com os estudos para concluir a licenciatura ao frequentar os últimos 2 anos. Os professores que garantiram o funcionamento inicial deste curso foram os que fizeram parte do primeiro grupo formado nos países do leste.

O curso apresentava como objetivo geral formar professores e quadros da educação de nível superior com conhecimentos científicos adequados e domínio das técnicas especiais, isto é, que possuam alto nível de competência e qualidade científica, técnica, pedagógica, didática e profissional e que sejam capazes de exercer uma cidadania ativa e responsável, na defesa da dignidade e respeito pelos direitos humanos, na promoção do bem de todos, sem discriminação e na construção de uma sociedade mais livre, justa e democrática (UP, 1995).

Como nos explica Muria (2009), na constituição curricular dos cursos de formação de professores de Educação Física e Desporto em Moçambique, o conhecimento disciplinar apareceu historicamente como um todo, mas ele não foi desenvolvido dessa forma.

No curso de bacharelato e licenciatura em Educação Física e Desporto, os conteúdos do desporto foram agrupados numa disciplina denominada Estudos Práticos.

No primeiro ano (Estudos Práticos I) eram lecionadas as modalidades de Handebol, Ginástica e Natação e no segundo ano (Estudos Práticos II), eram ministradas as modalidades de Atletismo, Basquetebol, Futebol e Voleibol.

Muria (2009) constata que a organização da disciplina de Estudos Práticos visava o tratamento dos conteúdos de forma unificada, mas a sua operacionalização não conseguiu evitar a fragmentação.

No entanto, o mesmo autor considera que a fragmentação disciplinar pode ter trazido algumas vantagens pelo fato de ter possibilitado a organização das diversas áreas de conhecimento graças à redução. Ao mesmo tempo, assistiu-se a um crescente conformismo sobre a importância da área de conhecimento (práticas de especialidade), para uma formação integral do estudante.

De uma estrutura que se pretendia interdisciplinar passou a disciplinar, como fundamenta Zabala (2002, p.33), “[…] a organização de conteúdos ficou mais tradicional, onde os conteúdos escolares apresentam-se por matérias independentes
umas das outras”.

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As disciplinas são propostas simultaneamente sem que se manifestem explicitamente as relações que possam existir entre elas.

Desta forma, o curso deixou de formar professores capazes de participar no processo de elaboração de novas ideias e conceitos, tão fundamentais para o exercício da cidadania crítica, prática, reflexiva e a participação na sociedade moçambicana, de onde tanto se valoriza o conhecimento (MURIA, 2009).

Para Morin (2009), não há uma articulação entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas e as realidades, problemas cada vez mais pluridisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários. Por isso, a excessiva especialização impede de ver o global bem como o essencial. A divisão das disciplinas no ensino dificulta apreender o que é construído junto.

No nosso entender, a formação de professores de Educação Física tem sido estruturada de forma dissociada porque as matérias de ensinos são tratadas de forma fragmentada. Por exemplo, as várias modalidades que constituem temas da disciplina de Educação Física são tratadas como disciplinas que visam à eficiência e o rendimento do aluno, não olhando para a transversalidade e a interligação desses conteúdos para constituir um todo.

É na tentativa de articular os saberes que, em 2004, o curso de formação de professores de Educação Física e Desporto passou por mudanças: de 5 para 4 anos; introdução do modelo integrado nas práticas pedagógicas.

A concepção das práticas pedagógicas num sistema curricular integrado de formação de professores funda-se numa Epistemologia da Prática em que os conhecimentos dos futuros professores resultam de prática vivida e experimentada na escola (DIAS et al., 2010).

Os estudantes a partir do 1º ano de formação começam a ter contato com o futuro local de trabalho (escola) onde vão lidar com situações de ensino, a partir do 2º ano.

Em 2009, ocorre a terceira reforma curricular da UP na qual são introduzidas áreas de concentração. Segundo o artigo 44 das Bases e Diretrizes Curriculares, para que os graduados estejam habilitados a trabalhar em mais de uma área profissional, os cursos da UP devem ter currículos organizados em áreas de concentração maiores (major) ou menores (minor).

Assim, cada curso deveria planificar mais de uma saída profissional para os seus graduados (UP, 2008).

O curso de formação de professores de Educação Física e Desporto introduziu como outras saídas profissionais: o Treinamento de Crianças e Jovens; o Desporto e Saúde. Ou seja, o candidato se forma como professor de Educação Física e tem uma formação opcional que pode ser numa das duas áreas.

Estas transformações curriculares resultaram da análise do mercado de trabalho na qual se verificou que ser treinador desportivo, gestor desportivo ou monitor de academia não eram profissões com enquadramento legal no país, o que significaria formar pessoas para o desemprego.

É neste sentido que se optou por transformar essas áreas de formação em minor. Neste sentido, o curso passa a ter como objetivo formar professores com conhecimentos científicos e competências para ensinar Educação Física e Desporto, habilitados em Treino Desportivo para Crianças e Jovens ou Desporto e Saúde – academias, fitness e centros de reabilitação física (UP, 2009).

Este curso foi revisto em 2013 com as seguintes alterações: (1) O minor Desporto e Saúde passa a designar-se Atividade Física e Saúde; (2) Introdução do terceiro minor centrado na Habilitação em Gestão do Desporto; (3) A cadeira de Teoria do Treino Desportivo passa a ser de tronco comum para a formação de professores de Educação Física e adota a denominação precisa de Teoria e Metodologia do Treino Desportivo; (4) O fracionamento da cadeira de Crescimento e Nutrição em duas separadas; (5) Introdução da disciplina de Empreendedorismo e Inovação no Desporto (UP, 2014).

No entanto, os cursos superiores em Educação Física e Desporto conheceram um novo impulso com a introdução do curso de Mestrado em Educação Física e Desporto, em 2008, Mestrado em Treino de Crianças e Jovens (2009), Mestrado em Atividade Física e Saúde (2011) e Mestrado em Gestão do Desporto (2017). Em 2015 introduz-se o curso de doutorado em Ciência do Desporto com especialidade em Treinamento Desportivo e gradualmente serão introduzidas outras especialidades.

Além dos cursos superiores importa referir que foi criado em 2017 o Instituto Médio de Desporto e Educação Física de Moçambique que visa formar professores de Educação Física e profissionais do Desporto do nível médio. Esta iniciativa é o recomeço da formação de professores de Educação Física com o nível médio extinto em 2003.

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