Apontamentos Fontes do Direito Internacional Privado

Fontes do Direito Internacional Privado

O que seria fonte do Direito?

No sentido estrito do vocábulo, a fonte seria um marco originário, uma procedência determinada que permita saber a origem de um acontecimento qualquer, de maneira que o vincule a um texto científico.

Alguns autores chegaram a definir as fontes como sendo a origem, a causa, o nascimento do Direito; enquanto outros consideram como sendo formas de expressão, modos de aparecimento ou simples manifestações.

Para Savigny, pode-se considerar como fontes jurídicas as causas do nascimento do direito em geral, seja das instituições jurídicas, seja das regras jurídicas. Porém, não admite a possibilidade de por em evidência esse nascimento, porque o direito geral existe de forma constante na consciência comum do povo.

Conclui-se, pois, que se a fonte é a origem do direito, não é, no entanto, uma origem qualquer. Os autores que estudam as fontes do direito procuram localizar desde os momentos iniciais aquilo que pode ser considerado fato jurídico.

Fontes Materiais e Fontes Formais

Distinguir as fontes materiais do direito não é uma actividade fácil. Encontrar todos aqueles elementos que foram formando a estrutura do Direito, não é simples para o jurista.

Goldschimidt adopta uma expressão que dá a ideia exacta do que seja a fonte do direito material: “É aquela que a identifica como uma inspiração”, havendo mesmo quem afirme que elas podem ser chamadas fontes de inspiração.

Assim, as fontes materiais exprimiriam uma tendência para o jurídico, porém, integrando o ordenamento jurídico somente no instante em que assumissem uma forma determinada através de um ato ou de uma série de atos que constituíssem precisamente as fontes formais. Essas são as mais conhecidas, são as que se vinculam a um Direito conhecido palpável. Goidschimidt chama a fonte formal de fonte de vigência.

Numa classificação meramente didáctica, pode-se dizer que duas são as fontes do direito:

Fontes Materiais: que seriam as de inspiração do direito; e Fontes Formais: que seriam as de vigência do Direito.

Dessa maneira conclui-se que cada Sociedade, Nação ou Estado têm o seu Direito Positivo que é, segundo Goldschimidt, a prevalência de uma vontade que tem actuação dentro das estruturas jurídicas de um povo.

Esta prevalência caracteriza-se por determinados fatos que se chamam fontes.

Isto posto, tem-se que as fontes do Direito são aqueles fatos que se manifestam por meio da vontade prevalecente de um determinado povo, e se constituem em preceitos válidos, obrigatórios e vigentes para aquele mesmo povo.

Classificação das Fontes

A complexidade dos problemas existentes no Direito Internacional Privado reflecte uma variedade de fontes que
estabelecem regras, as quais têm como objectivos solucionar tais problemas.

Enquanto o Direito Internacional Público baseia-se em regras produzidas por fontes supranacionais, no Direito Internacional Privado preponderam as regras das fontes internas, quais sejam, pela ordem de importância:

1. Lei
2. Tratados
3. Jurisprudência
4. Doutrina
5. Costumes

No estado actual da Ciência Jurídica, o Direito Internacional Privado é Direito Privado, é Direito Nacional de cada pais. Suas normas, seus princípios estão formulados na legislação positiva de cada Estado.

Portanto, a lei interna é a grande fonte do Direito Internacional Privado.

Portanto, as normas de Direito Internacional Privado são normas locais, são regras de Direito Interno, e constituem por assim dizer, verdadeiros sistemas nacionais de Direito Internacional Privado.

A codificação das regras do Direito Internacional Privado teve início no século XIX, destacando-se o Código de Napoleão (1804), o qual estabeleceu regras sobre a aplicação das leis no espaço.

Seguindo o Código de Napoleão, surgiram vários outros como o Código Civil do Chile, o Código Civil da Itália, o Código Civil do Canadá, o Código Civil da Espanha, entre outros. Dentre eles, o que mais se destacou foi o italiano, por sua forma mais sistemática dos dispositivos de Direito Internacional Privado.

Nos seus arts. 6o ao 12 das “Disposições Gerais”, relativas à publicação, interpretação e aplicação das leis, encontramos normas interessantes sobre leis pessoais; situação dos bens móveis e imóveis; contratos, competência e formas do processo; execução de sentença estrangeira e as limitações de ordem pública e bons costumes.

Em 1916, foi promulgado o Código Civil, em cuja “Introdução”, nos arts. 8o a 21, foram determinadas regras de direito interno sobre o Direito Internacional Privado. E, finalmente, na última “Lei de Introdução”, de 04 de Setembro de 1942, consagrou-se o nosso sistema local, pelo qual devemos resolver os conflitos de leis entre a lei brasileira e a lei estrangeira.

Todos esses fatos, portanto, são demonstradores de que no estado actual da Ciência Jurídica, a grande fonte de nossa disciplina é a lei interna de cada país. Os Estados prescrevem suas regras de solução de conflitos de leis da maneira que lhes parece melhor, independentemente das regras adoptadas por outros povos. Daí podemos concluir que a lei interna é a grande fonte de Direito, pela qual suas regras se manifestam no corpo da ciência jurídica.

Tratados Internacionais

Além das fontes internas, o Direito Internacional Privado é baseado também em fontes internacionais, como os Tratados e Convenções e a Jurisprudência Internacional, e também – como no Direito Internacional Público – pelos princípios gerais de Direito aceitos pelas nações civilizadas.

Os tratados, em matéria de nacionalidade estão voltados para os conflitos de nacionalidade, tendo como objectivo evitar os inconvenientes da dupla nacionalidade, entre outros.

A respeito das convenções, faz-se importante destacar a Convenção de Haia, que estabelece soluções para conflitos de leis no campo do Direito Civil e Comercial.

O tratado internacional é o instrumento para o Direito Internacional Privado uniforme e para o Direito Uniforme substantivo ou material. A expressão “tratado Internacional” significa um acordo internacional, celebrado por escrito entre os Estados, regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer conste de dois
ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica. Cada país regula, individualmente, a incorporação do tratado internacional ao sistema jurídico interno e a sua ordem hierárquica dentro do sistema.

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É em relação aos conflitos de leis que se tem o maior número e mais importante acervo de diplomas legais internacionais nesta matéria, os quais se dividem em:

Convenções contendo regras de solução de conflitos de leis, isto é, o Direito Internacional Privado Uniformizado.

Convenções que aprovam Lei Uniforme para actividades de carácter internacional.

Quanto aos tratados, vale mencionar o “Tratado de Lima”, que garante a igualdade dos estrangeiros aos direitos civis de que gozam os nacionais e estabelece o critério da lei da nacionalidade das pessoas para decidir as questões de estado e de capacidade jurídica; e o “Tratado de Montevidéu”, voltado para o sistema de domicílio.

Além dos tratados vale frisar o “Código Bustamante”, que trata principalmente da lei que rege o estado e a capacidade das pessoas.

No Brasil, um tratado internacional não pode ferir a Constituição e, inclusive, está sujeito ao controle de constitucionalidade. O que se discute, sobretudo na doutrina, de particular interesse para nossa disciplina, é a relação do direito infraconstitucional com o tratado internacional.

A possibilidade de trazer mais segurança às relações jurídicas, diante das dúvidas existentes, e a do próprio legislador estabelecer os critérios para definir relação entre tratado internacional e legislação doméstica conflituante. Em parte, isso já ocorre no Brasil, no nível da legislação ordinária.

O legislador brasileiro teve a chance de implementar o princípio da primazia do tratado internacional sobre a legislação ordinária de origem interna do Direito Internacional Privado por ocasião da revisão da Lei de Introdução do Código Civil de 1942, podendo isso ser sido feito directamente no texto revisado. Essa manifestação expressa por
parte de legislador, evitaria discussões futuras sobre o tema dentro da nossa disciplina.

O tratado internacional, no Brasil, depende de promulgação e publicação para a sua vigência. Para que todos os tratados de Direito Internacional Privado passem a ter força de lei, é indispensável a aprovação do Congresso Nacional e os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

(Art.5o § 3o – Incluído pela Emenda Constitucional no 45, de 2004). O mesmo procedimento abrange as emendas e a revisão ou reforma de tratado em vigor no país. O Brasil pode excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições mediante uma declaração unilateral, que é a reserva, se o próprio tratado a tolerar. Reservas, no entanto, só são possíveis em tratados multilaterais ou convenções, podendo ser feitos por ocasião do término das negociações de um tratado, quando o texto já é definitivo e está assinado pelos negociadores ou, ainda, durante o processo de aprovação legislativa.

Certos acordos internacionais, via de regra, não estão submetidos à aprovação do Congresso Nacional. São os chamados acordos executivos, possíveis quando o próprio Congresso Nacional autoriza acordos de especificação, de detalhamento, de suplementação, previstos no próprio texto de um tratado e deixados ao arbítrio dos países pactuantes. A doutrina admite, ainda, o acordo executivo, entre outras hipóteses, quando se trata meramente de interpretar cláusulas de um tratado vigente. Acordos internacionais com reflexos sobre a nossa disciplina são imagináveis dentro desse âmbito restrito.

O tratado internacional não é, ainda, uma fonte jurídica muito significativa no Direito Internacional Privado brasileiro. O país ratificou, até a presente data, por exemplo, apenas cinco das convenções elaboradas pela Conferência Especializada Interamericana de Direito Internacional Privado.

O tratado mais importante da espécie, ratificado pelo Brasil, foi o Código Bustamante, de 20 de Fevereiro de 1928, promulgado pelo Decreto no 18.871, de 13 de Agosto de 1929.

O Código Bustamante foi ratificado por quinze países sul-americanos. Vários países, entretanto, declararam reservas quanto à aplicação da convenção. Ademais, o art. 7o do Código permite aos países contratantes determinarem o estatuto pessoal da pessoa física com autonomia própria. Isso significa que aos países contratantes é facultado aderir livremente ao elemento de conexão do domicílio ou ao da nacionalidade.

Bustamante declarou-se a favor do último, defendeu uma posição minoritária da América Latina; prevaleceu, porém, na maioria dos Estados a adopção do elemento de conexão do domicílio nas suas legislações.

O Código de Bustamante, contudo, não tem quase nenhuma aplicação na prática. Quais seriam as razões para tanto?

O tratado é muito abrangente, refere-se, inclusive, a matérias que não pertencem ao Direito Internacional Privado propriamente, como o Direito Penal Internacional e a Extradição. Seu conteúdo é muitas vezes vago, e por isso vários países declararam reservas quanto à sua aplicação, como já mencionado. As regras contidas no tratado, em parte, não correspondem mais às tendências modernas deste Direito.

O Código Bustamante tem limitado, consideravelmente, o seu campo de aplicação, em virtude do reduzido número de causas de Direito Privado com conexão internacional nos países vinculados juridicamente ao Código.

As normas do Direito Internacional Privado brasileiro encontram-se, basicamente, na Lei de Introdução ao Código Civil. Essa lei é posterior à promulgação do Código de Bustamante, e uma parte da doutrina e a jurisprudência dominante entendem que a lei posterior derroga o tratado anterior quando em conflito com este. Por fim, os juizes não conhecem o Código Bustamante ou não querem aplicá-lo.

Não faltaram tentativas para revisar o Código Bustamante, levando em consideração, particularmente, o fato de o Brasil, em 1942, com a nova Lei de Introdução ao Código Civil ter abandonado a sua posição anterior de adoptar o princípio da nacionalidade, dando preferência àquele do domicílio quanto ao estatuto pessoal da pessoa física. A
guinada do Brasil a favor do elemento de conexão do domicílio significava que todo continente americano, inclusive os Estados Unidos, aplicaria o mesmo elemento de conexão, o que poderia ter facilitado uma reformulação do Código. Todos os esforços nesse sentido, contudo, não foram coroados de êxito. Actualmente, as Conferências  Especializadas Interamericanas de Direito Internacional Privado são os motores da evolução do Direito Internacional Privado no continente, limitando-se, porém, a uniformizar determinadas matérias específicas da nossa disciplina.

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Jurisprudência

A jurisprudência é empregada com dupla significação. JURISPRUDÊNCIA EST DIVINARUM ATQUE HUMANARUM RERUM NOTITIA, IUSTI ATQUE INIUSTI SCIENTIA, já dizia Ulpianus; e neste sentido é a própria ciência jurídica: é o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto. A outro propósito, Calhistratus fazia referência à RERUM PERPETUO ET SIMILITER IUDICATORUM AUCTORITAS, e com este sentido é que a palavra jurisprudência é empregada: autoridade das coisas semelhantes, julgadas constantemente do mesmo modo.

Dado o carácter permanentemente aproximativo da lei ao disciplinar o fato social, jamais a alcançaria nesse seu disciplinarmente um perfeito envolvimento do fato social. Teria a regulamentação do fato exclusivamente pelas normas dos códigos que se tornariam demasiadamente volumosos. O fato social é disciplinado de maneira genérica pelo Direito Positivo. Lacunas e espaços vazios formam-se dentro desse envolvimento jurídico. É justamente nessas lacunas e hiatos que penetra a jurisprudência para conseguir o que a norma escrita não o pode fazer.

A jurisprudência – salienta Amílcar de Castro – enquanto entre nós não tenha força obrigatória, valendo apenas como doutrina, é importantíssima fonte de Direito Internacional Privado, cujas normas legisladas, em geral, são poucas. E note-se que, como a lei, é resultante de aptos oficiais de um poder público, presumidamente imparcial, pelo que, se não tem força de obrigar os juízes a segui-la, não deixa de ter o prestígio dos actos oficiais.

Haroldo Valladão enuncia o seu ponto de vista mostrando que a jurisprudência dos tribunais torna-se cada vez mais uma verdadeira tábua de logaritmos do jurista, fornecendo cada dia soluções não previstas ou mal e incompletamente previstas pelo legislador. Ela é particularmente necessária ao Direito Internacional Privado – acentua o grande internacionalista brasileiro – um Direito cuja legislação é fortemente reduzida.

E continua: “Ao lado da lei forma-se um direito jurisprudencial, mais plástico, possível de ser modificado pelos próprios tribunais, mais vivo, particularizado: o direito positivo corrente. O direito jurisprudencial une o direito positivo corrente. O direito jurisprudencial une o direito actual ao direito futuro: ele é a fonte entre o JUS CONSTITUTO e o JUS CONSTITUENDO”.

A autoridade e o valor positivo da jurisprudência variam em cada Estado. Os países do Common law, como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos lhe dão maior categoria de fonte que os direitos escrito e codificado.

Doutrina

A doutrina é outra fonte reconhecida de Direito Internacional Privado, tendo muito influenciado a evolução da nossa disciplina em todas as partes do mundo. Veja-se que os princípios fundamentais do Direito Internacional Privado moderno repousam nas teorias doutrinárias desenvolvidas desde o século XIX.

É o campo do direito em que a doutrina tem mais desenvoltura, maior aplicabilidade. Ela interpreta as decisões judiciais a respeito do Direito Internacional Privado e com base nas mesmas desenvolve os princípios da matéria. Entretanto, a doutrina também serve de orientação para os tribunais, os quais muitas vezes recorrem a ela para decidir questões deste Direito.

O grande mérito da doutrina é o de ter elaborado um sistema de regras jurídicas constitutivas da parte geral do Direito Internacional Privado. Estas regras, raras vezes, incorporam-se directamente à legislação dos Estados. Em sua grande maioria são compostas por regras não escritas, e sua aplicação, pelos tribunais, baseia-se de imediato, nas fontes doutrinárias.

Uma característica própria da doutrina é a sua visão global. Embora o Direito Internacional Privado seja basicamente Direito Interno, eventualmente uniformizado, em algumas das suas partes, o objecto da disciplina que trata de relações jurídicas de Direito Privado com conexão internacional é estritamente internacional. Por esse motivo, a doutrina que leva em consideração tal aspecto é indispensável para o juiz, já que, para este, não é possível um estudo mais abrangente, pela falta de tempo.

Nesse campo, a fonte doutrinária de grande repercussão é representada pelos trabalhos dos institutos especializados na pesquisa do Direito Internacional Privado e pelas convenções elaboradas nas conferências internacionais, mesmo quando não vigentes pela falta do número necessário de ratificações. Como essas convenções foram preparadas por especialistas de alto nível, o valor doutrinário dos documentos é elevado, devendo ser aproveitado pelos tribunais na aplicação do Direito Internacional Privado.

Costumes

O costume tem sido a origem da maior parte das normas jurídicas internacionais, e muitos dos tratados firmados foram a consagração escrita do Direito Consuetudinário e podemos defini-la como o conjunto de actos e normas não escritas, admitidas por dilatado tempo e observadas pelos Estados em suas relações mútuas, como se Direito fossem.

O costume – “jus non scriptum” (direito não escrito) – se constitui de dois elementos que se cifra na repetição uniforme de certos actos, e o psicológico, que se traduz na crença de que a norma obedecida é obrigatória. Estes dois princípios devem coexistir. São imprescindíveis para que o costume se consolide juridicamente.

Não é demais adicionar que, nos termos da Lei de Introdução ao Código Civil, o juiz, quando a lei for omissa, decidirá o caso de acordo com a analogia (aplicação de uma lei a hipóteses parecidas não presumidas por ela), com os costumes e os princípios gerais do direito (aqueles que orientam o ordenamento jurídico de cada Estado e que são reconhecidos pelos Estados civilizados).

Assim, no caso de lacuna de uma norma adequada ao caso “sub judice”, o julgador aplicará um preceito consuetudinário.