Apontamentos Contrato de Mútuo

Contrato de Mútuo

Noção

O art. 1142º CC indica três notas distintas como caracterizadoras do mútuo legalmente típico:

  • Uma parte, designada mutuante, empresta certa coisa a outra, o mutuário;
  • Depois, o objecto emprestado é dinheiro ou outra coisa fungível, e, por fim;
  • O mutuário fica obrigado a restituir outra tanto do mesmo genro e qualidade.

O mútuo proporciona apenas uma cessação temporária de uso de bens. Deste modo, de acordo com uma sistematização de índole económica e social o mútuo integra-se com a locação (art. 1022º CC) e o comodato (art. 1129º CC), na categoria de contratos que proporcionam o gozo de bens alheios.

O mutuário recebe a coisa para retirar dela o aproveitamento que a mesma proporciona, incorrendo numa obrigação de restituição. Não se trata, porém, de restituir a própria coisa, individualmente considerada, mas outro tanto do mesmo género e qualidade.

O mútuo é, pois, na sua essência, um contrato pelo qual uma parte cede temporariamente a outra um valor patrimonial. A obrigação que dele resulta para o mutuário é uma obrigação genérica. Pode por esta razão afirmar-se que, pelo mútuo, o direito de propriedade do mutuante sobre a coisa mutuada é substituído no seu património por uma pretensão à “restituição”.

A fungibilidade a que a lei se refere, isto é, a susceptibilidade de as coisas em causa serem substituídas na mesma função por outras do mesmo género, qualidade e quantidade (art. 207º CC) é a designada fungibilidade convencional.

O que caracteriza o mútuo oneroso é o pagamento de juros como retribuição por parte do mutuário, não se pode pôr em dúvida que um dos termos da correspectividade económica reside nessa remuneração.

O mútuo legalmente típico é, pois, o contrato pelo qual uma das partes, o mutuante, como ou sem retribuição renúncia temporariamente à disponibilidade de uma certa quantia de dinheiro ou ao equivalente a certa coisa fungível que cedeu à outra parte, o mutuário, para que este delas possa retirar o aproveitamento que as mesas proporcionam.

O mútuo é, na sua natureza, um contrato real, no sentido do que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa.

Mútuo consensual

Considerar a entrega da coisa como um elemento de qualificação do mútuo legalmente típico oferece, a base adequada ao enquadramento do denominado mútuo consensual. Designa-se um contrato de conteúdo idêntico ao mútuo típico excepto no afastamento da entrega do momento estipulativo para o momento executivo do negócio. Alguém obriga-se a entregar certa coisa, em mútuo. A entrega já não surge com um acto espontâneo, indispensável ao surgimento do contrato, mas como um acto derivado, praticado em execução ou cumprimento desse contrato.

O mútuo consensual é frequentemente considerado como um contrato atípico, e na realidade assim deve ser. Pouco significado teria esta afirmação, porém, se levasse a tornar inaplicáveis a este contrato o conjunto de regras relativas ao mútuo legalmente típico.

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Contrato promessa de mútuo

É geralmente afirmada a admissibilidade da celebração de contratos promessa de mútuo, à qual não se reconhece, com efeito, qualquer impedimento.

Contrato promessa de mútuo, nos termos do art. 410º/1 CC é a convenção pela qual uma ou ambas as partes se obrigam à futura celebração de um contrato de mútuo.

Atendendo a que o acordo de vontades acompanha ou precede, em via de regra, a entrega da coisa, é possível configurar, conclusivamente, quatro situações jurídicas diferentes:

a) O acordo representa um momento do inter negocial que, com a posterior entrega da coisa, conduzirá à formação de um mútuo legalmente típico[1]. A não concretização da entrega pode implicar responsabilidade pré-contratual, nos termos do art. 227º CC.

b) O acordo dirige-se a pôr a cargo de uma ou de ambas as partes as obrigações de posterior celebração de um contrato de mútuo[2]. A não celebração do contrato prometido pode implicar a responsabilidade obrigacional (art. 798º CC).

c) O acordo consubstancia a imediata celebração de um contrato em cujo conteúdo se inscreve uma obrigação de entrega (mútuo consensual). A obrigação inexecutada pode ser judicialmente exigida (arts. 817º e 827º CC)

d) O acordo é acompanhado da entrega da coisa[3]. Realiza-se de imediato o interesse contratual do mutuário.

Forma do mútuo

As declarações de vontade que integram o acordo, elemento indispensável para o aperfeiçoamento de qualquer contrato, têm de se exteriorizadas por forma reconhecível, por mais que seja. Nesta perspectiva, o mútuo tanto é um contrato consensual como solene, porquanto embora a lei por vezes admita a liberdade de forma, noutras requer forma especial para a respectiva celebração.

As exigências legais especiais relativas à forma do mútuo encontram-se consagradas no art. 1143º CC.

A forma é um requisito ad substantiam do contrato, de acordo com a regra geral consignada no art. 364º CC. A respectiva inobservância importa, assim, a invalidade do contrato, conforme desde logo refere o art. 219º CC.

A invalidade é, no entanto caso concreto, a nulidade do contrato (art. 220º CC), devendo consequentemente ser repetido aquilo que foi prestado (art. 289º/1 CC).

Efeitos do mútuo

a) Transferência de propriedade

O mutuário não tem a obrigação de restituir a própria coisa entregue, mas outra do mesmo género e qualidade.

Quanto à forma de eficácia a que dá lugar, o mútuo é um contrato real (quod effectum). É certo que este contrato ano tem directamente por objectivo a transferência da propriedade sobre a coisa mutuada, assumindo o efeito translativo um valor meramente instrumental: é mais efeito do que causa.

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Já no mútuo consensual a obrigação de entrega a cargo do mutuante pode ter por objecto uma coisa indeterminada, em regra genérica. Neste caso, contudo, a transferência de propriedade ocorre apenas quando da respectiva entrega, por aplicação directa do art. 1144º CC. Configura-se aqui uma das excepções mencionadas na parte final do art. 408º/1 CC. Igual solução sempre se alcançaria de uma interpretação extensiva deste preceito.

b) Obrigação do mutuante

Sendo a entrega da coisa um elemento necessário ao aperfeiçoamento do mútuo legalmente típico, desde não resulta para o mutuante uma obrigação de a entregar, pelo que a lei não faz qualquer referência.

No regime legal deste contrato apenas se identificam as eventuais obrigações derivadas para o mutuante de vício jurídico ou material da coisa mutuada. Com efeito o art. 1151º CC consagra a aplicação à responsabilidade do mutuante, no mútuo gratuito, do disposto no art. 1134º CC relativo ao comodato.

c) Obrigações do mutuário

A definição legal de mútuo realça o carácter restituitório deste contrato, sendo a respectiva disciplina essencialmente dirigida à regulação da obrigação de restituir.

O contrato de mútuo, segundo o art. 1145º CC tanto pode ser gratuito como oneroso, presumindo-se oneroso em caso de dúvida. É oneroso quando, por efeito da convenção das partes ou da referida presunção legal, são devido juros como retribuição.

Extinção do mútuo

Resulta do art. 1148º CC que este contrato extingue-se pelo decurso do prazo estipulado. Visa-se, assim, o período do tempo pelo qual o mutuante cede a tomador do crédito a valuta, o qual é normalmente referenciado pelo aprazamento da obrigação de restituição a cargo deste último.

No mútuo oneroso este prazo presume-se estabelecido, como dispõe o art. 1147º CC no interesse de ambas as partes.

No mútuo gratuito aplica-se a regra geral do art. 779º CC considerando-se o prazo estipulado em benefício do devedor (mutuário). Este tem, por conseguinte, a possibilidade de cumprir antecipadamente, sem que o credor (mutuante) o possa exigir.

Na falta de estipulação de prazo são aplicadas as regras consignadas no art. 1148º CC. Nos termos gerais nos ns.º 1 e 2 deste preceito, tratando-se de mútuo gratuito a obrigação do mutuário vence-se trinta dias após a exigência do seu cumprimento (art. 1148º/1 CC) e tratando-se de mútuo oneroso qualquer das partes pode pôr termo ao contrato desde que o denuncie com uma antecipação mínima de trinta dias (art. 1148º/2 CC).

[1]Preliminares do contrato.

[2] Contrato promessa.

[3] Mútuo legalmente típico.