Introdução
Noção
O mandato (art. 1157º CC) é um contrato de prestação de serviços em que o prestador é o mandatário. Este age de acordo com as indicações e instruções do mandante quer quanto ao objecto, quer quanto à própria execução; os serviços são prestados de acordo com o querido e programado pelo mandante; ao mandatário só é permitido deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas nos casos previstos no art. 1162º CC.
É elemento essencial do contrato de mandato, que o mandatário esteja obrigado, por força do contrato, à prática de um ou mais actos jurídicos (art. 1157º CC).
O mandatário vincula-se, à prática de um acto jurídico. O acto jurídico em causa é um acto jurídico alheio, aparecendo assim, o mandato como um contrato de cooperação jurídica entre sujeitos.
Quer os actos jurídicos strictu sensu, quer os negócios jurídicos – figuras em que se desdobra o acto jurídico – podem ser objecto de mandato, estando definitivamente afastada a doutrina que circunscrevia os actos jurídicos, objecto de mandato, aos actos negociais.
A circunstância de o mandatário ficar adstrito à prática de actos jurídicos não significa que não possa praticar actos materiais.
Actuação do mandatário por conta do mandante
O agir por conta encontra-se, estreitamente à occasio do mandato: a existência ou a prefiguração de um acto que o mandante não quer ou não pode praticar ele próprio, acto esse que pertence ao mandante sendo a actuação do mandatário a de gestão de um interesse daquele.
É por vezes destacado, como elemento autónomo, a necessidade de o mandatário agir no interesse do mandante. A posição do mandatário é comparada à do gestor de negócios (art. 464º CC).
O mandatário age também, como gestor contratual, no interesse do mandante. Conforme decorre dos arts. 1170º e 1175º CC, por vezes o mandato é conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro. O mandatário mantém, nesses casos, o dever de agir por conta do mandante que contínua a ser o dominus; simplesmente, através da actuação gestória é também perseguida a satisfação de um interesse do gestor ou de um terceiro.
Características
Gratuidade ou onerosidade do contrato
A gratuidade está estabelecida na lei como mera presunção, e é ainda como presunção que se considera oneroso o mandato, quando ele tem por objecto actos que o mandatário pratica por profissão.
Não se trata pois – a gratuidade ou onerosidade – de um elemento essencial do negócio. O mandato pode ser gratuito ou oneroso, o que significa ser o mandato, em si mesmo, indiferente aos caracteres de gratuidade ou de onerosidade; o legislador simplesmente procurou afastar, as dúvidas que a complexidade do acto podia provocar, e evitar a insegurança e as dificuldades da prova.
A medida da retribuição, sendo o contrato oneroso, quer por convenção, quer por prevenção legal, é fixada, em primeiro lugar, pelo ajuste de partes; em segundo lugar, na falta de ajuste, pelas tarifas profissionais; não havendo tarifas, pelos usos, não havendo usos, por juízos de equidade (art. 1158º/2 CC).
O ajuste está sujeito às limitações do art. 282º CC, outras limitações podem resultar de leis especiais.
O carácter oneroso ou gratuito do mandato depende do facto de haver ou não retribuição para a actividade que o mandatário exerce. Nada contende com a gratuidade ou onerosidade, o direito que o mandatário tenha ao reembolso das despesas feitas e à indemnização do prejuízo que tenha sofrido com o exercício do mandatário. Esse direito existe sempre, ainda que o mandato seja gratuito.
Carácter consensual ou formal do contrato
O Código Civil, no capítulo do mandato, não estabelece quaisquer exigências em matéria de forma desse contrato; assim sendo, parece vigorar neste domínio o princípio da liberdade de forma, consagrado no art. 219º CC. Portanto, prima facie, o contrato de mandato é um contrato consensual.
Segundo o art. 262º/2 CC “salvo disposição legal em contrário, a procuração revistará a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar”.
Dado o regime do art. 262º/2 CC não será de fazer uma diferenciação de regime, em matéria de forma, consoante o mandato seja representativo ou não representativo: de acordo com esta distinção, por força da remissão do art. 1178º/1 CC, quando o mandato fosse representativo aplicar-se-ia a regra do art. 262º/2 CC; no caso contrário, o contrato seria consensual, a não ser que a lei estabelecesse o contrário.
E quanto ao mandato não representativo? É inegável que o Código Civil não impõe, expressamente, uma forma específica para o mandato, em função do acto a praticar, como faz na procuração (art. 262º/2 CC). Mas tal circunstância não resolve, pelo menos de imediato, a questão no sentido da consensualidade do contrato, pese embora o princípio da liberdade de forma e a correlativa excepcionalidade das disposições que impõem uma determinada forma para certos contratos.
No mandato para adquirir, perfilhada que seja a tese da dupla transferência sucessiva, o mandato alberga a obrigação típica de um pactum de contrahendo, pelo que estará sujeito à exigência de forma decorrente do disposto no n.º 2 do art. 410º CC.
Contrato sinalagmático ou não sinalagmático ou sinalagmático imperfeito
O mandato pode ser sinalagmático quando dê lugar a obrigações recíprocas ou não sinalagmático quando do mesmo apenas decorram obrigações para o mandatário.
Quando o mandato é gratuito pode vir a revelar-se como sinalagmático imperfeito, uma vez que o mandante fica adstrito ao cumprimento das obrigações referidas no art. 1167º-c) d) CC, as quais têm carácter acidental, nascendo de factos posteriores à constituição do vínculo de gestão.
Extensão do mandato
Mandato geral
O art. 1159º CC, diferencia o mandato geral do mandato especial, mas não os define: o mandato geral é aquele que “formulado em termos absolutamente genéricos confere os poderes para a prática de uma quantidade indiferenciada de actos jurídicos de administração ordinária, relativamente a uma situação jurídica de que é sujeito o mandante”.
Mandato especial
É tradicionalmente definido como aquele que é conferido para a prática de um ou mais actos singulares determinados.
O art. 1159º/2 CC refere que, o mandato especial abrange, além dos actos nele referidos, todos os demais necessários à sua execução.
Pluralidade de mandatos e mandato subjectivamente complexo
Pluralidade de mandatários
Resulta do art. 1160º CC, que, tendo sido nomeadas duas ou mais pessoas para a prática do mesmo ou dos mesmos actos jurídicos, haverá tantos mandatos quantas as pessoas designadas – mandatos disjuntos. Se porém, o mandante declarar que devem agir conjuntamente, existiria um único mandato – mandato conjunto – com parte mandatária subjectivamente complexa.
No primeiro caso, uma vez que existem várias relações de mandato, cada mandatário actua de per si, prosseguindo isolado a actividade gestória, assim, vinculado nos mesmos termos que estaria se fosse o único gestor.
Quando o mandato é conjunto os mandatários devem agir conjuntamente; nestes casos, a presença, a participação e o empenho gestórios de cada um dos co-mandatários, agindo em concreto e colaboração, são essenciais para a realização da gestão, diversamente do que ocorre na modalidade, já referida, dos mandatos disjuntos, em que a abstenção gestória por um dos mandatários não inviabiliza, de per si, a consecução gestória por um outro mandatário.
O regime estabelecido no art. 1160º CC, tem como consequência, o seguinte: na falta de declaração em contrário por parte do mandante, são distintas entre si, e independentes, as obrigações dos mandatários; cada um deles pode, por si só, realizar o acto jurídico de que todos tinham sido encarregados.
Sendo vários os mandatos, também resulta daquela afirmação legal, não só que há o direito por parte de cada um dos mandatários de celebrar o acto, como há a obrigação, para cada um de o fazer. Concluído o acto por um dos mandatários, todos os outros ficam libertados da sua obrigação.
O sistema adoptado no art. 1166º CC foi o de estabelecer como regime supletivo o da responsabilidade de cada mandatário pelos seus actos; na ponderação das soluções parece não haver efectivamente fortes razões para introduzir uma excepção ao regime regra do art. 513º CC. Não é efectivamente razoável que a responsabilidade seja solidária; poderia, porém, contrapor-se, que a solução da solidariedade é mais razoável nos casos em que a inexecução resulta de atitude passiva conjunta dos mandatários.
Quando o mandato seja conferido conjuntamente, só conjuntamente pode ser exercido; se, porém, algum dos indicados não aceitar o mandato, os que aceitarem ficam obrigados a cumpri-lo mas sempre conjuntamente, se constituírem a maioria.
Ocorrendo nomeação de novo mandatário em momento posterior ao do princípio, torna-se necessário harmonizar o sistema do mandato substitutivo com o disposto no art. 1171º CC alusivo à revogação tácita do mandato: a nomeação posterior dum outro mandatário para a prática do mesmo acto só não importará a revogação do primeiro se dos seus termos resultar inequivocamente a natureza de mandato substitutivo.
Pluralidade de mandantes
Identificada uma única relação de mandato, com vários mandantes, o mandato será colectivo, em sentido próprio, se tiver sido conferido para assunto de interesse comum aos vários sujeitos da parte plurisubjectiva: aos vários domínios.
À pluralidade de mandantes refere-se o art. 1169º CC. As obrigações dos mandantes sujeitos ao regime da solidariedade são todas aquelas a que se refere o art. 1167º CC.
O regime da solidariedade consagrado no art. 1169º CC, para as obrigações assumidas por mais do que um mandante. Esta depende do facto de o mandato ter ser conferido para assunto de interesse comum dos mandantes, não se confundindo com o chamado mandato de interesse comum referido nomeadamente no art. 1170º/2 CC.
Ao prescrito no art. 1169º CC não obsta a gratuitidade do mandato; simplesmente, quando o mandato seja gratuito, o mandatário não poderá exigir o cumprimento da obrigação do art. 1167º-b CC podendo, porém, responsabilizar os mandates, solidariamente, pelo cumprimento das obrigações das restantes alíneas, bem como de outras obrigações eventualmente assumidas por convenção.
O regime do art. 1169º CC não deixa, naturalmente, de ter aplicação quando exista também pluralidade subjectiva da parte mandatária.
Substitutos e auxiliares do mandatário
Resulta do art. 1165º CC, que o mandatário pode, na execução do mandato, fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer (arts. 1165º, 264º CC).
Da combinação do art. 1165º CC, com o art. 264º/1 CC, resulta que o mandatário só pode fazer-se substituir por outrem se o mandante o permitir ou se a faculdade de substituição resultar do conteúdo do mandato. Resulta por sua vez do art. 264º/2 CC, que a substituição não envolve a exclusão do mandatário primitivo, salvo declaração em contrário.
Da harmonização do art. 264º/4 CC, e do art. 1165º CC, resulta que o mandatário pode socorrer-se de auxiliares na execução do mandato, salvo se outra coisa resultar do negócio ou da natureza do acto que haja de praticar. Os auxiliares estão normalmente numa posição de subordinação ao mandatário mas nada impede que a relação seja de prestação de serviços.
Direitos e obrigações do mandatário
Obrigação de executar o mandato como um bom gestor
O mandatário é obrigado a praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante (art. 1161º-a CC).
A obrigação do mandatário de praticar actos compreendidos no mandato constitui o efeito essencial do contrato (art. 1157º CC). A afirmação da lei (art. 1161º CC) reflecte um aspecto muito particular das obrigações do mandatário, que resulta da complexidade que a execução do acto normalmente reveste. Não se impõe ao mandante a simples emissão de uma declaração de vontade, caso em que o mandatário se transformaria num núncio, mas impõe-se-lhe a obrigação de negociar e dar execução de um acto jurídico ou a um conjunto de actos jurídicos em que a determinação e a vontade do próprio agente tem um papel preponderante.
As instruções podem ser dadas no momento em que o mandato é constituído ou em momento posterior, durante a execução do contrato.
Uma vez que o Código Civil não estabelece qualquer atenuação para o caso do mandato não oneroso, não houve necessidade de reafirmar o princípio que resulta dos arts. 799º/1 e 487º/2 CC, que determina também a necessidade do mandatário actuar como um diligente pai de família, dentro das instruções do mandante.
O art. 1161º-c CC, obriga o mandatário a comunicar ao mandante, com prontidão a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu.
A obrigação de prestação de contas (art. 1161º-d CC) só tem interesse para o mandante quando haja, em relação às partes, créditos e débitos recíprocos.
O mandatário é obrigado, a entregar tudo o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu no cumprimento do contrato (art. 1161º-e CC).
Segundo o art. 1164º CC, o mandatário deve pagar ao mandante os juros legais correspondentes às quantias que recebeu dele ou por conta dele, a partir do momento em que devia entregar-lhas ou remeter-lhas, ou aplicá-las segundo as suas instruções.
Obrigações do mandante
Obrigação de lealdade e cooperação
A obrigação de lealdade e cooperação que incumbe ao mandante não resulta literalmente do art. 1167º CC, ela reconduz-se, porém, ao princípio expresso no art. 762º/2 CC, segundo a qual as partes devem proceder de boa fé tanto no cumprimento da obrigação quanto ao exercício do direito respectivo e tem inteiro fundamento na natureza do contrato de mandato como negócio típico de cooperação entre pessoas, assente numa relação de confiança.
Esta obrigação constitui a equivalente à obrigação que tem o mandatário de actuar como um bom pai de família.
O mandante deve fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não foi convencionada (art. 1167º-a CC).
Em regra, sem o cumprimento desta obrigação por parte do mandante, o mandatário não é obrigado a executar o mandato (art. 1168º CC).
O art. 1167º-a CC tem natureza supletiva: pode por tanto, ser convencionado que os meios necessários à execução do mandato serão “adiantados” pelo mandatário que, no final da execução, exigirá a sua entrega a título de despesas; como também pode ser convencionado que os meios necessários são suportados pelo próprio mandatário.
A segunda obrigação do mandante é a de pagar a retribuição que ao caso competir, e fazer a provisão que for de uso (art. 1167º-b CC).
A retribuição só existe quanto tiver sido convencionada ou o mandato tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão (art. 1158º/1 CC). A medida de retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais pelos usos, ou por juízos de equidade (art. 1158º/2 CC).
A terceira obrigação do mandante (art. 1167º-c CC) é a de reembolsar o mandatário de despesas feitas, com juros legais desde que foram efectuadas. Os juros são compensatórios e não moratórios, pois não há por parte do mandante a falta de cumprimento de uma obrigação. Supõe-se em regra, que foi convencionada a antecipação das despesas por parte do mandatário, nos termos da parte final da alínea a) do art. 1167º CC.
A lei exige que as despesas tenham sido fundadamente consideradas pelo mandatário como indispensáveis.
Por último, o mandante é obrigado a indemnizar o mandatário dos prejuízos sofridos em consequência do mandato. Esta obrigação não depende de culpa do mandante.
Referindo-se a lei aos prejuízos sofridos em consequência do mandato, ela supõe existente um nexo de causalidade (adequada) entre o mandato e o prejuízo, afastando o prejuízo resultante de factos puramente fortuitos, que apenas tenham com o mandato um nexo acidental, anormal, fora do usual. São, de resto aplicáveis as disposições dos arts. 562º segs. CC, e portanto, a do art. 563º CC, que exprime esse nexo de causalidade. Por outro lado, devem excluir-se da obrigação de indemnizar impostas ao mandante aos danos imputáveis a culpa do lesado ou de terceiro.
O mandatário goza do direito de retenção sobre as coisas que tenha em seu poder para a execução da gestão, pelo crédito proveniente desta (art. 755º/1-c CC). São créditos provenientes da gestão todos os mencionados nas três últimas alíneas deste artigo.
Extinção da relação de mandato
Introdução
A cessação da relação obrigacional de mandato opera-se, em primeiro lugar, pelo cumprimento das obrigações complexivamente envolvidas coincidente com o esgotamento do programa de realização gestória.
Mas para além desse modo normal de cessação do vínculo, o mandato pode cessar pela ocorrência de factos jurídicos (lato sensu) extintivos que, por não se reconduzirem ao integral cumprimento das obrigações decorrentes do contrato são, nessa medida anómalos.
O mandato pode cessar por revogação, distrate, denúncia, caducidade e por resolução.
A cessação do mandato por acordo das partes – revogação em sentido técnico
A revogação unilateral de um contrato só é admitida, nos termos do art. 406º CC, nos casos excepcionais previstos na lei. Este, da revogação do mandato, quer gratuito, quer oneroso (art. 1172º-c CC), é um deles. E a lei confere o direito de revogação a qualquer dos contraentes – mandante ou mandatários – o que não deixas também de ser um caso excepcional dentro da excepção da livre revogabilidade, normalmente conferida apenas a um dos contraentes.
A figura da revogação não corresponde à da resolução do contrato. É inaplicável à revogação, designadamente, a disposição do art. 433º CC, que equipara, tanto aos seus efeitos, a resolução à nulidade do negócio jurídico. A revogação, neste caso, limita-se a fazer cessar o mandato, com eficácia ex nunc, aproximando-se bastante, nesse aspecto, da denúncia.
O Código Civil não estabelece nenhuma medida especial quanto à forma da revogação. Em princípio, ao lado dos casos de revogação tácita (art. 1171º CC), o mandato pode ser revogado por qualquer das formas de celebração negocial admitidas no Código Civil (arts. 224º segs.) sem prejuízo da inadmissibilidade da prova da revogação por testemunhas, se o mandato tiver sido outorgado por documento autêntico ou particular (arts. 393º segs. CC).
Quanto aos efeitos da revogação em relação a terceiros, sendo o mandato representativo por força do art. 1178º/1 CC. É necessária levar a revogação ao conhecimento de terceiro, por meio idóneo, ou então provar que eles tinham conhecimento dela no momento da celebração do negócio.
A cessação do mandato por denúncia
A denúncia constitui uma forma de extinção típica das relações contratuais duradouras, celebradas por tempo indeterminado.
Seria porém contrário ao princípio da boa fé que essa denúncia pudesse operar imediatamente, exigindo-se que o denunciante informe a contraparte com um pré-aviso razoável.
Os efeitos da denúncia processam-se ex nunc, donde resulta que o mandante tem de aceitar a actuação gestória desenvolvida pelo mandatário em execução do mandato, até ao momento da cessação do vínculo.
A figura da denúncia encontra-se englobada na previsão da revogação feita no art. 1170º e do art. 1172º-c in fine CC. Quer o mandante quer o mandatário podem denunciar livremente o mandato celebrado por tempo indeterminado, porém, fazê-lo com antecedência conveniente.
A denúncia feita sem pré-aviso adequado confere à contraparte direito a uma indemnização nos termos previstos no art. 1172º-c), d) CC).
A cessação do mandato por revogação unilateral
De acordo com o art. 1170º/1 CC o mandato é livremente revogável para qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação. A licitude da desvinculação unilateral não tem apenas aplicação aos mandatos, passíveis de denúncia – mandato duradouros por tempo indeterminado – mas também nos mandatos conferidos por certo tempo ou para assunto determinado. O art. 1170º/1 CC alberga o exemplo paradigmático de desvinculação unilateral de um contrato que, ao menos prima facie, não se compagina com a recíproca e livre vinculação que o contrato pressupõe e determina.
Como pressupostos da livre revogabilidade pelo mandante, pode-se apontar basicamente dois: pressuposto da não concorrência de interesses e o pressuposto da não realização do acto gestório.
De acordo com o art. 1170º/2 CC a livre revogação é afastada, ou pelo menos fortemente restringida, nos casos em que o mandato tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro.
Outro pressuposto da discricionária desvinculação pelo mandate é que o acto gestório – o acto para cuja prática o mandato foi acordado – não tenha sido ainda realizado, ainda que a sua execução já tenha sido iniciada. A partir do momento em que o acto gestório é praticado de acordo com os termos do mandato, qualquer manifestação de vontade do mandante no sentido de operar a ruptura é ineficaz, sem prejuízo de o mandate poder resolver o contrato nos termos gerais se, por exemplo, ocorre o não cumprimento definitivo da obrigação de transferência, a cargo do mandatário, no mandato para adquirir.
A cessação do mandato por resolução
A justa causa a que se refere o art. 1170º/2 CC assume cariz e implicações diversas da justa causa de revogação no mandato puto e simples. Neste, a invocação do direito de denúncia, podendo, porém ter o efeito de exonerar o revogante, da obrigação de indemnização a que, de outro modo, estivesse adstrito por força do disposto no art. 1172º CC.
Cessação do mandato por caducidade
No art. 1174º CC vêm referidos os casos de caducidade. Na alínea a) do art. 1174º CC, não considera, em princípio (excepção do art. 1175º CC), transmissível por sucessão, nem a posição do mandante, nem a posição do mandatário. Isto é reflexo da natureza pessoal das duas posições. O intuitus personae que domina o contrato justifica também, a caducidade no caso de interdição de um ou de outro.
Pelo que respeita à inabilitação (art. 1174º-b CC) esta não atinge, em nenhum caso, os actos que o inabilitado haja de praticar por conta de outrem (arts. 153º e 154º CC).
Quanto ao mandante, é necessário, para que se verifique a caducidade do mandato, que este tenha por objecto actos que não possam ser praticados sem intervenção do curador.
A primeira parte do art. 1175º CC, admite uma excepção às regras de caducidade deste art. 1174º CC.
A caducidade, que resulta da lei, extingue o mandato, tem por conseguinte, eficácia. Mesmo, porém, quanto aos efeitos futuros, a 2ª parte do art. 1175º CC admite duas excepções, evidente que o art. 1174º CC não pretende enumerar todas as causas de caducidade do mandato, mas apenas aquelas que têm regime especial dentre deste contrato. Além destas, são ainda aplicáveis ao mandato, com as necessárias acomodações, as causas de caducidade, a que o contrato esteja sujeito, bem como de nulidade, anulabilidade, resolução, etc., referidas ao negócio jurídico.
Mandato com representação
Introdução
De acordo com o disposto no art. 1178º/1 CC, se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é aplicável ao mandato o disposto nos arts. 258º segs. CC.
Ao lado do mandato, que impõe ao mandatário a obrigação de celebrar um acto por conta do mandante, existe a procuração, que, uma vez aceite obriga o mandatário-procurador, em princípio, a celebrar o acto em nome daquele. Nestes casos, a que se pode chamar mandato representativo, são de aplicar as disposições do mandato, e são de aplicar também as disposições relativas à representação. São pois, de aplicar conjuntamente as normas dos dois institutos e não apenas as do mandato (art. 178º/1 CC).
Para que funcione o mecanismo da representação é mister, que o agente tenha sido investido na qualidade de representante, através do conferimento de poderes de representação, o qual se processa através da procuração. Mas é também necessário que o agente, titular do poder actue, invocando o nome do representado.
O art. 1178º/2 CC, obriga o mandatário a agir por conta e em nome do mandante, salvo se outra coisa tiver sido estipulada. Não se lhe permite, portanto agir em seu nome e por conta do mandante. A razão de ser deste preceito está na conveniência, que é normal, de dar conhecimento aos contraentes das pessoas com quem contratam, por ser na esfera jurídica destas, e não dos representantes, que os actos produzem os seus efeitos (art. 258º CC) e sobretudo na vantagem de fazer com que o negócio realizado pelo intermediário produza imediatamente os seus efeitos na esfera jurídica do representado, de harmonia com a vontade deste, sem necessidade de actos posteriores de transmissão, como sucede no mandato sem representação.
Mandato e representação
O Código Civil trata autonomamente a representação e o mandato.
Pela representação, o representante age em nome do representado e os efeitos jurídicos dos negócios por aquele realizados, nos limites dos seus poderes, produzem-se directamente na esfera jurídica do representado (art. 258º CC).
Pelo mandato simples, os efeitos do acto jurídico praticado pelo mandatário repercutem-se na sua própria esfera jurídica (art. 1180 CC); quando o mandato seja representativo, repercutem-se na esfera jurídica do mandante nos mesmos termos em que os actos praticados pelo representante se repercutem directamente na esfera do representante (art. 1178º CC).
A representação não faz, portanto, parte da essência do mandato: é algo que se lhe pode “acrescentar,” mas que não faz parte da sua estrutura.
Revogação ou renúncia da procuração
Importa distinguir mandato e procuração: aquele é um contrato, ao passo que esta é um negócio jurídico unilateral autónomo. De facto o mandato impõe a obrigação de praticar actos jurídicos por conta de outrem (art. 1157º CC); a procuração confere o poder de os celebrar em nome de outrem (art. 262º/1 CC). Por outro lado, o simples mandatário age por conta do mandante e em nome próprio [11]; só o mandatário-representante age ao mesmo tempo por conta e em nome do mandante [12]. A representação, que é a da essência da procuração já não é essencial ao mandato, pois que há mandato não representativo. E o mandato não é a única fonte da representação, por isso que pode existir esta sem aquele.
Para a celebração do acto, que constitui o objecto do mandato, em nome do mandante, é necessária uma procuração pela qual se atribuam ao mandatário poderes representativos. Sem eles, este pode celebrar o negócio em nome e por conta do mandante [13], mas não em nome deste. Revogando o mandante a procuração ou renunciando o procurador a ela, poderia teoricamente admitir-se que cessava apenas o poder que o procurador tinha de agir em nome da outra parte, mas não a faculdade e o dever de agir por conta dela.
À revogação e à renúncia da procuração referem-se os arts. 265º a 267º CC.
Mandato sem representação
Noção
De acordo com o disposto no art. 1180º CC, o mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes do acto que celebra.
O que caracteriza o mandato sem representação, é o facto de o mandatário agir em seu nome próprio.
Em vez, assim, de os actos produzirem os seus efeitos na esfera jurídica do mandante (art. 258º CC), produzem-nos na esfera do mandatário. No fundo, o alcance da actuação em nome próprio é o de fazer projectar sobre a esfera jurídica do agente, além dos efeitos característicos da situação de parte, os de natureza pessoal: é ele quem tem legitimidade para exigir e receber o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, é contra ele que a outra parte se deve dirigir, não só para reclamar os seus créditos como para fazer valer quaisquer acções pessoais derivadas do contrato, nomeadamente a respeitante à sua validade ou eficácia.
Segundo o art. 1182º CC, o mandante deve assumir, por qualquer das formas indicadas no art. 595º CC, as obrigações contraídas pelo mandatário em execução de mandato.
O art. 1181º/1 CC, estabelece que o mandatário deve transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução de mandato. Os arts. 1183º e 1184º CC reportam-se à responsabilidade do mandatário.
O mandato para alienar
Alienar significa transmitir, onerosa ou gratuitamente, o direito de propriedade sobre um bem ou a constituição de um direito real que o onere.
Não constituindo o mandato um contrato translativo, a transferência no mandato para alienar opera-se recta vie do mandate para o terceiro. Daqui retira-se três consequências: a primeira é que o mandate pode antes da alienação reivindicar a coisa em poder do mandatário, ao passo que na hipótese da dupla transferência só se poderia socorrer de uma acção pessoal. A segunda, é que os credores do mandante podem penhorar a coisa e impugnar a venda feita pelo mandatário. Por último, o mandato não carece de qualquer forma ad substantiam para ser válida.
Mandato para adquirir
É pacífica a ideia de que no art. 1181º CC se encontra consagrado o princípio da dupla transferência. [14]
No cumprimento do mandato para adquirir, o mandatário ao adquirir o bem, está obrigacionalmente adstrito a transferir para o mandante o direito adquirido em execução do mandato. Mas os efeitos reais resultantes da aquisição radicam-se na esfera jurídica do mandatário. A alienação posterior para o mandante é realizada através de um outro negócio jurídico, que se denomina de acto alienatório específico, cuja causa justificativa está no cumprimento da obrigação que impede sobre o mandatário, no âmbito das suas relações internas com o mandante.
O mandante fica investido num direito de crédito: o direito de exigir uma prestação de facere, que consiste na celebração do negócio jurídico alienatório específico, destinado a transferir os bens que entraram no património do mandatário.
Daqui resulta que se o mandatário se recusar a transmitir os bens adquiridos por causa do mandato, o mandante tem de intentar uma acção pessoal e não uma acção real. É que não sendo o mandante proprietário desses bens, ele não pode reivindicá-los do mandatário. Portanto a acção não é de reivindicação, porque antes da transferência, o mandante não tem nenhum direito sobre os bens adquiridos; a acção destina-se apenas a obter o cumprimento de uma obrigação – a de transferir os bens. Daqui uma consequência: o mandante não goza do direito de sequela, nem sequer do direito de separação, no caso de o mandatário, este reponde, nos termos gerais, pelo prejuízo causado ao mandante com a falta de cumprimento da obrigação, mas não pode o mandante reivindicá-los do património de terceiros.
Os bens adquiridos em execução do mandato, não podem ser penhorados pelos credores do mandatário apenas quando o documento do contrato de mandato seja anterior à penhora. Se os bens em causa estiverem sujeitos ao registo, são as regras do registo que prevalecerão, mesmo que o contrato de mandato conste de escritura pública.