O conceito de empreitada
Noção
No art. 1207º CC define-se empreitada como o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.
Do art. 1207º CC infere-se três elementos da empreitada:
1) Os sujeitos;
2) A realização de uma obra; e
3) O pagamento do preço.
É um contrato sinalagmático na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interpendentes; é um contrato oneroso, porque o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambas; e é cumulativo, porque as vantagens patrimoniais que dele emergem são conhecidas, para ambas as partes, no momento da celebração; trata-se de um contrato consensual, na medida em que, ao não cair sob a estatuição de nenhuma norma cominadora de forma especial, a validade das declarações negociais depende do mero consenso (art. 219º CC).
A noção legal de empreitada atende simplesmente ao requisito do resultado [15] e ao critério da autonomia [16].
No contrato de empreitada, o empreiteiro não é um subordinado do dono da obra, mas antes um contraente que actua segundo a sua própria vontade, embora ao resultado ajustado, não existindo, por isso, entre eles o vínculo próprio das relações entre comitente e comissário.
Os sujeitos do contrato de empreitada têm as designações legais de empreiteiro e de dono da obra. Esta última expressão tem de ser entendida no seu significado técnico e não vulgar. O dono da obra pode não ser o proprietário da coisa, como resulta expressamente do disposto do art. 1212º/1 e 2 CC; é simplesmente um dos sujeitos da relação jurídica. Note-se ainda que o dono da obra podem também ser obrigado a cooperar com o empreiteiro dela, que dependem da sua participação quer por vontade das partes, quer pela natureza das coisas.
Direitos do dono da obra
a) Obtenção de um resultado
O comitente que celebra com o empreiteiro um contrato de empreitada tem direito a que, no prazo acordado, lhe seja entregue uma obra realizada nos moldes convencionados.
b) Fiscalização da obra (art. 1209º CC)
A fiscalização por parte do dono da obra tem como fim principal impedir que o empreiteiro oculte vícios de difícil verificação no momento da entrega. Pode além disso, o dono da obra, por meio de avisos ao empreiteiro, evitar que a coisa seja executada em condições de não poder ser aceite, ou de necessitar de grandes ou pequenas alterações ao projecto para ser recebida (art. 1215º CC).
O direito de fiscalização não pode ser afastado por vontade das partes, pois a norma do art. 1209º CC é imperativa.
Sendo a fiscalização feita no interesse imediato do dono da obra e por sua iniciativa, é este que deve custear as despesas dela.
Deveres do dono da obra
a) Prestação do preço
A obrigação principal do dono da obra é a prestação do preço acordado. Na falta de cláusula ou de uso em contrário, o preço deve ser pago no acto da aceitação da obra (art. 1211º/2 CC).
b) Colaboração necessária
Não constitui uma verdadeira obrigação, mas antes um dever de credor cuja violação faz incorrer o comitente em mora accipiendi (arts. 813º segs. CC).
c) Aceitação da obra
A violação do dever de aceitar a obra faz incorrer o comitente em mora accipiendi e, eventualmente, a prestação do preço se vence na data em que a aceitação deveria ter sido efectuada (arts. 1211º/2, 805º/2-c CC).
Perante a recusa injustificada de aceitação, o empreiteiro poderá consignar a obra em depósito (arts. 841º segs. CC).
Direitos do empreiteiro
Perante o incumprimento de obrigações do dono da obra, ao empreiteiro cabe recurso à excepção de não cumprimento (arts. 428º segs. CC) ou à condição resolutiva tácita (art. 801º/2 CC), consoante as circunstâncias.
Direito de retenção: para garantia de pagamento do preço e de quaisquer indemnizações derivadas do incumprimento de deveres contratuais, o empreiteiro goza do direito de retenção sobre as coisas criadas ou modificadas, nos termos dos arts. 754º segs. CC. Este direito de retenção pode por força dos arts. 758º e 759º CC, incidir tanto sobre coisas móveis como imóveis.
Deveres do empreiteiro
a) Realização da obra
O empreiteiro está adstrito a realizar uma obra, a obter um certo resultado (art. 1207º CC) em conformidade com o convencionado e sem vícios (art. 1208º CC). Em suma, o contrato deve ser pontualmente cumprido (art. 406º CC) e de boa fé (art. 762º/2 CC). Esta é a obrigação principal do empreiteiro.
O não cumprimento das obrigações referidas no art. 1208º CC, dá lugar a variadas sanções. O empreiteiro pode ser compelido à eliminação dos defeitos (art. 1221º CC) ou ficar sujeito à redução do preço (art. 1222º CC), à resolução do contrato (art. 1222º CC) ou a uma indemnização pelos danos causados (arts. 1223º e 1225º CC).
b) Fornecimento de materiais e utensílios (art. 1210º CC);
c) Conservação da coisa
O empreiteiro tem a obrigação de conservar a obra realizada até a entregar ao comitente. É um dever lateral que poderá emergir do contrato de empreitada, não por qualquer especificidade deste negócio jurídico, mas por o empreiteiro ficar adstrito a guardar a coisa que, mas tarde tem de entregar.
d) Entrega da coisa
A entrega é efectiva ou simbólica. E como em regra, as despesas da entrega correm por conta do empreiteiro, na medida em que as despesas do cumprimento, salvo convenção em contrário, são suportadas pelo devedor.
Formação e execução do contrato
Consignação da obra
Em certos contratos de empreitada justifica-se que, da formação do contrato, se autonomiza a fase de consignação da obra, pois só a partir desse momento se poderão iniciar os trabalhos.
A consignação da obra, é o acto pelo qual o dono da obra (ou o seu representante) faculta ao empreiteiro os locais onde irão ser executados os trabalhos, bem como os materiais e plantas complementares do projecto que sejam necessárias para que se possa proceder à execução.
O prazo fixado para a execução da obra começa a contar-se, não da data da celebração do contrato, mas sim da consignação da obra, pois só a partir desta última o empreiteiro está em condições de executar os trabalhos a que se obrigou.
Alterações ao plano convencionado
No decurso da execução da obra pode o projecto inicial ser alterado. Se essas variações se limitarem a modificar o tipo ou a qualidade, a estrutura, o tempo ou o lugar de execução da obra, etc., denominam-se alterações.
a) Alterações da iniciativa do empreiteiro
A regra geral está consagrada no art. 1214º/1 CC estabelece que o empreiteiro não pode fazer alterações ao plano convencionado, sem autorização do dono da obra (art. 406º/1 CC).
As disposições do art. 1214º CC, referem-se apenas às alterações ao plano convencionado, feitas por iniciativa do empreiteiro (não autorizadas, ou autorizadas ou aceites pelo dono). Quando sejam necessárias em virtude de certas razões objectivas, ou sejam exigidas pelo dono da obra, são aplicáveis as disposições dos arts. 1215º e 1216º CC.
As regras previstas no art. 214º CC, quanto às alterações sãos as seguintes:
- Elas não podem ser feitas pelo empreiteiro sem autorização do dono da obra (art. 1214º/1 CC), não se reconhecendo àquele a faculdade de alterar unilateralmente a convenção estabelecida;
- Se o empreiteiro as fizer sem autorização, a obra considera-se defeituosa, e sujeita quem a fez às sanções dos arts. 1221º segs. CC;
- O dono da obra não está, porém, impedido de a aceitar com as alterações feitas pelo empreiteiro, sem ficar por isso obrigado a qualquer suplemento de preço ou a indemnização pelo dono da obra por enriquecimento sem causa (art. 1214º/2 CC).
b) Alterações necessárias
É possível que, no decurso da execução, para evitar imperfeições da obra ou em consequência de direitos de terceiro haja necessidade de proceder a alterações ao plano convencionado (art. 1215º/1 CC). A necessidade de alteração pode ficar a dever-se a uma imperfeição ou uma insuficiência do plano não imputável a nenhuma das partes.
Verificando-se a necessidade da alteração, podem as partes chegar a acordo quanto às modificações a introduzir no contrato. Nesse caso estar-se-á perante uma modificação do contrato por mútuo consentimento (art. 406º/1 CC), que seguem os termos gerais (arts. 219º e 222º/2 CC).
A denúncia do contrato não será de aceitar sempre que o empreiteiro tenha dado início aos trabalhos de alterações da obra.
c) Alterações exigidas pelo dono da obra
O art. 1216º CC, é uma das excepções ao disposto no art. 406º/1 CC, pois é um dos casos admitidos na lei em que se pode modificar um contrato mediante uma manifestação unilateral da vontade.
Estabelece o art. 1216º/1 CC dois limites às alterações impostas pelo dono da obra: o valor delas não deve exceder a quinta parte do preço estipulado, e não deve haver modificações da natureza da obra.
O direito de exigir alterações não é, todavia, ilimitado – o art. 1216º/1 CC, reduz o âmbito de aplicação deste direito, na medida em que o empreiteiro não fica adstrito, por um lado, a alterações que excedam no seu valor a quita parte do preço total convencionado e, por outro, alterações que impliquem uma modificação da natureza da obra.
Sempre que as alterações exigidas pelo dono da obra violarem o disposto no art. 1216º/1 CC, o empreiteiro pode recusar-se a realizar essas obras.
Obras novas e alterações posteriores à entrega
Obras novas ou trabalhos extracontratuais são aqueles que têm autonomia relativamente à obra prevista no contrato, ou que foram realizados depois da sua entrega (art. 1217º/1 CC).
São, por conseguinte, os trabalhos que constituem uma obra independente, ou que foram executados após a entrega da obra.
Extinção do contrato
Verificação, comunicação e aceitação da obra
Depois de concluída a obra, o empreiteiro deve avisar o dono que ela está em condições de ser verificada. O comitente vai, então averiguar se a obra foi realizada nas condições convencionadas e se não apresenta vícios (art. 1218º/1 CC).
A verificação a que se refere o art. 1218º/1 CC tem por finalidade permitir ao dono da obra assegurar-se pessoalmente de que esta foi executada nas condições convencionadas e sem vícios: e é operação distinta da fiscalização que o mesmo contraente pode exercer no decurso do contrasto, ao abrigo do art. 1209º CC. Mas ela interessa igualmente ao empreiteiro, pois que da verificação e da aceitação depende o vencimento do preço (art. 1211º/2 CC). Por isso a lei a considerou obrigatória para o dono da obra (art. 1218º/1 CC) e estabeleceu sanções para o caso de não se efectuada (art. 1218º/5 CC) embora não conceda ao empreiteiro o direito de exigir que o outro contraente a faça.
Nos termos do art. 1218º/5 CC, a falta da verificação ou da comunicação importa a aceitação da obra, sem reservas.
Transferência da propriedade da obra
No art. 1212º CC, pretende-se resolver supletivamente a questão da transferência da propriedade da obra e nele consagram-se dois regimes diversos, consoante se trata de coisas móveis ou imóveis.
No art. 1212º/1 CC estabeleceu-se regras para a determinação da propriedade no caso de empreitada de construção de coisa móvel. O n.º 2 do art. 1212º CC, estabelece as regras para a determinação da propriedade no caso de empreitada de construção de coisa imóvel.