Existe um padrão no paramento das velhas paredes toscas em pedra que reflecte uma forma de trabalhar proveniente de milénios atravessando países e, mesmo, continentes.
Encontrei este padrão nas minhas viagens através da Europa em simples muros de cerca, construções rurais, mosteiros, castelos, catedrais góticas e outras.
Misteriosamente, neste século e em muitos lugares o padrão começou a desaparecer em exemplos de trabalho novo; estou-me a referir em particular à inclusão de pequenas pedras nas juntas de argamassa da alvenaria tosca.
Porque é que elas desapareceram recentemente dos trabalhos novos? E o que sucedeu para provocar esta alteração?
As pedras pequenas aparecem nas juntas das alvenarias toscas por duas razões. A primeira razão é para compensar a diferença de altura entre uma pedra e a sua vizinha, por forma a que outra pedra possa ser colocada sobre o topo de ambas.
Isto é de bom senso e é um facto natural que pode ser descoberto por qualquer pessoa que trabalhe em alvenaria tosca durante um curto período de tempo.
As pedras pequenas usadas para este fim poderiam ainda ser aplicadas em trabalhos novos.
A segunda razão pela qual aparecem as pedras pequenas nas juntas de argamassa é bastante diferente e é aquela que nos preocupa mais neste texto.
Podemos começar por explicar isto olhando simultaneamente para uma arte diferente, por exemplo o estuque. Porque é que os estucadores tradicionais raramente excediam os 12 mm de espessura em cada camada individual? A resposta é que o material com que eles trabalhavam mais era frequentemente uma mistura de cal não hidráulica (N.T. aérea) e areia.
A cal não hidráulica (N.T. aérea) faz presa por carbonatação (introdução de dióxido carbónico proveniente da atmosfera) e quanto mais fina for a camada, mais rapidamente acontecerá a presa. Portanto, as camadas eram limitadas em espessura aos 12 mm ou menos.
Toda a gente que trabalhava com argamassas de cal compreendia isto apesar de conhecerem ou não a sua razão científica.
Os pedreiros também estavam conscientes de que quanto mais finas fossem as juntas de argamassa, mais eficientemente elas faziam presa e também melhor elas ficariam capazes de suportar os efeitos do clima.
Portanto, nas juntas de argamassa maiores que surgem nas alvenarias toscas, o pedreiro inseria ou batia com um martelo lascas de pedra. Estas lascas eram colocadas quer nas juntas verticais, quer nas horizontais. Nas juntas horizontais era de boa prática deixar estas lascas ligeiramente salientes das juntas para oferecerem protecção contra a água da chuva.
A diferença de aparência que isto faz relativamente a paredes de assentamento banal é totalmente surpreendente. Até o olho não treinado segue naturalmente e testemunha a coerência na espessura visível das juntas de argamassa que se vêem no paramento da parede.
Se estas juntas variarem muito em espessura, o trabalho parece não profissional e aleatório, mas se a espessura das juntas for controlada pela utilização das lascas, então o mais simples e banal trabalho parece requintado.
As juntas de argamassa correntes, após a inserção das lascas, normalmente têm espessura médias entre 10 a 20 mm. Claro que em trabalhos toscos de classe superior, as pedras podiam ser aparelhadas por forma a que a dimensão das juntas fosse regular e que as lascas fossem inúteis, mas isto é outra história.
Então, porque é que essas lascas desapareceram do trabalho tosco moderno?
A resposta está na passagem do uso das argamassas de cal para o das argamassas baseadas em cimento, que sucedeu em muitos lugares, em todo o mundo, desde o século XIX, mas principalmente no século XX.
Repare-se que é possível, com argamassas cimentícias, criarem-se juntas maiores que irão ganhar presa virtualmente durante uma noite (muito diferente das argamassas de cal não hidráulica [N. T. aérea]) e que são eficientes na resistência aos efeitos do clima.
A necessidade de se inserirem lascas de pedra ficou então enormemente reduzida e, visualmente, o que nos é aparente são grandes pedras e espessuras variáveis de juntas de argamassa. Uma visão de alvenaria tosca muito desagradável comparada com a maneira tradicional de se fazerem as coisas.