Ao mesmo tempo que no campo da conservação patrimonial verificamos um maior entendimento da complexidade dos problemas envolvidos, aumentando a sua sensibilidade para a dimensão urbana das principais questıes, no campo da urbanística verificamos hoje o abandono das posições reformistas, baseadas num higienismo e num reformismo de muito má memória.
Na década de 50, tivemos uma desmesurada fé no progresso tecnológico.
Nessa cultura desenvolvimentista, o antigo foi considerado como um obstáculo! Qualquer elemento não racionalizável dentro de uma lógica industrial parecia não ter futuro.
O restauro e a conservação, ao requererem um enorme emprego de mão-de-obra e reduzida utilização de técnicas mecanizadas – ainda que também necessite de recorrer a tecnologias evoluídas, ou altamente especializadas, não parecia constituir uma opção válida para a reconstrução e renovação urbanas, num tempo que queria esquecer a história em prol de um grande optimismo no futuro.
A opção era o novo, a cidade nova, que traduzia no urbanismo os
paradigmas do ‘espaço aberto’, do ‘menos é mais’ e da ‘forma segue a função’ da arquitectura moderna.
A situação mudou substancialmente nas décadas de 60 e 70, quando se descobriu que o desenvolvimento logarítmico não era sustentável e que havia uma factura ecológica a pagar.
No início dos anos 80, Campos Venuti, no conhecido Urbanismo e Austeridade, afirmava que se vivia uma gradual passagem de uma cultura da expansão para uma cultura de (re)qualificação das cidades, a qual se processava através de um desenvolvimento urbanístico de carácter qualitativo e já não quantitativo.
Segundo o mesmo Campos Venuti, tratar-se-ia de uma terceira geração da história (ainda recente) da urbanística, numa nova etapa que se direccionava para a resolução dos problemas da cidade existente, procurando responder tanto aos ênfases de salvaguarda como à emergência de novas reivindicações sociais cada vez mais precisas, propondo a sua resolução através de novas formas de programação, particularmente realista em relação à viabilidade das iniciativas, tanto quanto através do
reforço dos meios públicos de actuação.
A nova realidade do crescimento zero (ou negativo) das cidades e a necessidade objectiva de reutilizar os parques edificados e de salvaguardar as memórias físicas da história, implicaram profundas mudanças teóricas e metodológicas na urbanística e na arquitectura, as quais durante décadas se concentraram quase exclusivamente no desenho de cidades novas, da cidade de expansão e de renovação (ou seja na demolição do que existe e sua substituição por algo novo, de acordo com os paradigmas do momento).
Nos nossos dias, o território das políticas de requalificação urbana estende-se a todas as partes da cidade.
Como defende Françoise Choay, hoje já não se trata só de salvar as cidades histórico-monumentais de primeira instância, importa também salvar da prometida ‘modernização’ – entendida cada vez mais como uma operação intrusiva e substitutiva, integrada numa lógica especulativa de maximização dos lucros pela maximização das possibilidades de ocupação do espaço – os tecidos quase banais dos finais do século XIX (Campo de Ourique, por exemplo) e da primeira metade do século XX (a cidade tardo-eclética de Barry Parker, no Porto, o Bairro das Colónias e do Arco do Cego e já agora também Alvalade, em Lisboa).
Entre nós, tem sido sobretudo Nuno Portas que tem destacado a importância dos novos problemas disciplinares que se levantam quando encaramos o problema da osmose entre a cidade velha e a cidade nova, situação que se define como um terceiro momento da própria reabilitação urbana, em que esta passa a ser entendida como a integração social e física da cidade na sua totalidade (…) de uma cidade que cresceu por partes e mal, ainda que sob princÌpios de planificação (…) cidade herdada do urbanismo que nos ensinaram (…) da planificação moderna, modernista, enfim, filhos da Carta de Atenas se quiserem. E é esta a cidade que hoje é problema e que há 30 anos era solução para a cidade mais antiga, que antes era problema e que agora é solução, ou princípio da solução