Se observarmos nossas gramáticas, constataremos que o conceito de palavra não é abordado, mas tomado implicitamente. Isto se verifica porque, nas gramáticas tradicionais, o modelo subjacente é o modelo ‘Palavra e Paradigma’, em que a palavra é considerada como a unidade mínima de análise linguística.
Nesse modelo, a forma das palavras apresenta um esquema relativamente fixo de variações para a expressão de categorias acidentais, o paradigma. Temos, portanto, substantivos classificados em declinações e verbos em conjugações, cada um(a) com seu paradigma correspondente.
As gramáticas do português não apenas apresentam o termo explícito ‘paradigma’ no tratamento dos verbos, mas também a organização implícita, que entende a palavra como a unidade mínima de análise linguística.
A conceituação de palavra, no entanto, passou por diferentes abalos em vários momentos da história da linguística e continua sendo discutida até hoje. Aqui vamos nos deter nas questões que surgem com o advento do estruturalismo. Para isto, entretanto, é necessário traçarmos um panorama de sua evolução sobretudo a partir do século XIX.
Ainda que gramáticos antigos tenham intuído a distinção entre derivação e flexão, conforme observa Mattoso (1970: 71), ou que termos como radical e afixos tenham sido utilizados já há alguns séculos, apenas no século XIX, com o desenvolvimento da Linguística Histórica, passa a haver uma preocupação geral com a estrutura interna da palavra. É nesta época que o termo morfologia passa a ser utilizado abrangendo a flexão e a derivação.
De facto, o século XIX se caracteriza inicialmente pelo desenvolvimento do método histórico-comparativo, com o qual se pretendia estabelecer a relação genética entre línguas; e pelo subsequente desenvolvimento do método histórico, através do qual se estabelecia a evolução fonética a partir de formas básicas teorizadas como ancestrais.
Ora, dadas as profundas modificações ocorridas sobretudo em situações de juntura, que dificultavam o estabelecimento de correspondências sistemáticas, os comparatistas precisavam proceder à análise da estrutura interna da palavra e recuperar os elementos formativos, a serem comparados em diferentes línguas.
A manipulação desta estruturação, ao lado da comparação de sistemas morfológicos que pressupunha a flexão, muito cedo levou à necessidade de se delimitar e nomear os dois campos da morfologia, a flexão e a derivação.
Podemos observar, então, já na literatura correspondente ao método comparativo e ao método histórico, a ascensão da relevância dos elementos formativos em detrimento da palavra como um todo; as comparações e relações sistemáticas se estabelecem em termos de raízes lexicais e terminações flexionais e não em termos de uma unidade que já não pode mais ser definida como elemento mínimo da análise linguística, embora, naturalmente, o reconhecimento da unidade palavra continue sendo feito sem maiores problemas.