Os órgãos parlamentares; os órgãos político-legislativos em especial
I. A Assembleia da República é porventura o órgão mais tipicamente complexo que a Teoria do Direito Constitucional conhece: desdobra-se por vários centros decisórios, que produzem uma vontade politicamente relevante e imputável ao Estado-Poder.
A principal vertente de decisão da Assembleia da República, sendo ela também a que interessa residualmente, é a respetiva valência como universo dos seus membros: como o conjunto de todos os seus Deputados, tecnicamente representados pelo plenário parlamentar, a quem estão cometidas as suas fundamentais competências.
II. Mas a Assembleia da República também toma importantes decisões, ainda que não tão relevantes quanto aquelas, no âmbito de outros centros de decisão, havendo que dissociar os “órgãos político-legislativos”
dos “órgãos administrativos”:
São “órgãos político-legislativos” da Assembleia da República:
– o Plenário;
– a Comissão Permanente;
– as Comissões de Trabalho;
– o Presidente da Assembleia da República.
São “órgãos da administração” da Assembleia da República, nos termos da definição constante da LOAR:
– o Presidente da Assembleia da República;
– a Comissão Permanente;
– o Conselho de Administração;
– o Secretariado Geral.
III. Cumpre ver com alguma detença os principais destes órgãos parlamentares, sendo certo que sobressai a importância da dimensão político-legislativa em detrimento da dimensão meramente administrativa para uma análise tributária do Direito Constitucional:
– a Comissão Permanente: órgão que funciona nas ausências e impedimentos do Plenário e que assegura as funções mínimas vitais que são prototípicas de um Parlamento democrático, de entre as quais se conta a autorização para o Presidente da República se ausentar do território nacional e para a decretação do estado de exceção e do
estado de guerra, sem esquecer as competências gerais de fiscalização política e de vigilância pelo cumprimento da Constituição;
– o Presidente da Assembleia da República: órgão que desempenha competências de direção e de coordenação burocrática dos trabalhos parlamentares, havendo ainda dois Vice-Presidentes, com competências de coadjuvação e substituição do Presidente da Assembleia da República;
– as Comissões de Trabalho (parlamentares especializadas): órgãos que agregam vários Deputados de acordo com a representatividade parlamentar geral, em razão de matérias específicas da atividade desenvolvida, com uma duração permanente ou com uma duração limitada, não esquecendo ainda as comissões de inquérito;
– as Bancadas Parlamentares: órgãos que postulam uma especial vinculação dos Deputados em nome da raiz partidária que determinou a respetiva eleição, dispondo de poderes parlamentares específicos, como a iniciativa legislativa, o agendamento parlamentar ou o uso da palavra nos trabalhos parlamentares;
– os Deputados: órgãos que podem agir sem inserção em qualquer outra estrutura, para os quais a CRM explicitamente estabelece um regime de situações funcionais.
O Presidente da Assembleia da República
I. A CRM confere uma especial relevância ao Presidente da Assembleia da República, o qual exerce diversas competências políticas, legislativas e administrativas.
O Presidente da Assembleia da República, como seria de esperar, é eleito de entre os seus pares864, mas a sua tomada de posse é especialmente solenizada por a CRM estabelecer que “O Chefe de Estado convoca e preside à sessão que procede à eleição do Presidente da Assembleia da República”.
Também se preceitua na CRM que “O Presidente da Assembleia da República é investido nas suas funções pelo Presidente do Conselho Constitucional”.
Quer isto dizer que se reconhece ao Presidente da Assembleia da República um lugar central, de alguma sorte num triângulo que agrupa os três poderes: legislativo, executivo e judicial.
II. O Presidente da Assembleia da República é eleito por escrutínio secreto para um mandato de cinco anos, o mesmo tempo da legislatura da Assembleia da República”, cabendo ao Chefe de Estado convocar e presidir à sessão da Assembleia da República que procede à eleição do seu Presidente.
A eleição rege-se pela regra da maioria absoluta dos votos dos Deputados, havendo uma segunda volta apenas entre os dois candidatos mais votados no caso de aquela maioria não se tiver formado na primeira votação.
III. As competências do Presidente da Assembleia da República são constitucionalmente as seguintes, às quais se juntam outras competências previstas em normas de Direito ordinário:
– convocar e presidir as sessões da Assembleia da República e da Comissão Permanente;
– velar pelo cumprimento das deliberações da Assembleia da República;
– assinar as leis da Assembleia da República e submetê-las à promulgação;
– assinar e mandar publicar as resoluções e moções da Assembleia da República;
– representar a Assembleia da República no plano interno e internacional;
– promover o relacionamento institucional entre a Assembleia da República e as Assembleias Provinciais, em conformidade com as normas regimentais;
– exercer as demais competências consignadas na Constituição e no Regimento.
A Comissão Permanente da Assembleia da República
I. A CRM igualmente confere um peculiar relevo ao estatuto da Comissão Permanente da Assembleia da República, que assegura a continuidade da função parlamentar, nos seguintes casos:
– fora do período de funcionamento efetivo;
– entre o termo de uma legislatura e o início de nova legislatura; e
– nos demais casos previstos na Constituição e na lei.
II. A sua composição evidencia a configuração de “mini-Parlamento”, por integrar a exata proporção da Assembleia da República:
– Presidente da Assembleia da República, que a ela preside;
– Vice-Presidentes da Assembleia da República;
– Chefes das Bancadas Parlamentares; e
– outros Deputados eleitos para a Comissão Permanente.
III. As competências da Comissão Permanente da Assembleia da República revelam aquela preocupação de continuidade da função parlamentar, em substituição do funcionamento do plenário.
De um modo geral, o texto constitucional contém uma cláusula que define a amplitude das suas competências nestes termos: “A Comissão Permanente é o órgão da Assembleia da República que coordena as atividades do Plenário, das suas Comissões e dos Grupos Nacionais Parlamentares”.
Mas o texto da CRM é explícito na tipificação das competências que são atribuídas a este órgãos, rol a que se deve juntar outras competências contantes de legislação ordinária, a começar por aquilo que consta do RAR:
– exercer os poderes da Assembleia da República relativamente ao mandato dos Deputados;
– velar pela observância da Constituição e das leis, acompanhar a atividade do Governo e da Administração Pública;
– pronunciar-se previamente sobre a declaração de guerra;
– autorizar ou confirmar, sujeito a ratificação, a declaração do estado de sítio ou estado de emergência, sempre que a Assembleia da República não esteja reunida;
– dirigir as relações entre a Assembleia da República e as Assembleias e instituições análogas de outros países;
– autorizar a deslocação do Presidente da República em visita de Estado;
– criar comissões de inquérito de caráter urgente, no intervalo das sessões plenárias da Assembleia da República;
– preparar e organizar as sessões da Assembleia da República;
– exercer as demais funções conferidas pelo Regimento da Assembleia da República;
– conduzir os trabalhos das sessões plenárias;
– declarar as perdas e renúncias de mandatos dos deputados, bem como as suspen-
sões nos termos da Constituição e do Regimento da Assembleia da República;
– decidir questões de interpretação do Regimento da Assembleia da República no intervalo das sessões plenárias;
– integrar nos trabalhos de cada sessão as iniciativas dos deputados, bancadas ou do Governo;
– apoiar o Presidente da Assembleia da República na gestão administrativa e financeira da Assembleia da República.
O funcionamento da Assembleia da República
I. O funcionamento da Assembleia da República não é de cariz permanente, na medida em que se afirma que a mesma se reúne por sessões: “A Assembleia da República reúne-se ordinariamente duas vezes por ano e extraordina-
riamente sempre que a sua convocação for requerida pelo Presidente da República, pela Comissão Permanente ou por um terço, pelo menos, dos Deputados”.
Fora dos períodos de funcionamento do plenário parlamentar, compete à Comissão Permanente o exercício de algumas daquelas competências ou a própria convocação do plenário parlamentar.
II. A legislatura, que é o substantivo coletivo para o decurso do mandato parlamentar, tem a duração de cinco anos.
O RAR melhor explicita em que consiste o tempo da legislatura:
“A legislatura tem a duração de cinco anos e inicia com a sessão da investidura dos deputados da Assembleia da República, nos termos do artigo 185 da Constituição e termina com a investidura de novos deputados eleitos”.
III. A atividade parlamentar – cujo ano coincide com o ano civil – expressa-se por um conjunto de trabalhos: “Considera-se atividade parlamentar toda aquela que é desenvolvida pelo Deputado no Plenário, na Comissão Permanente da Assembleia da República, nas Comissões de Trabalho, nos Grupos Nacionais e Ligas de Amizade, no exercício das suas competências, incluindo nas deslocações às províncias e ao exterior, em serviço da Assembleia da República”.
Porventura a mais forte expressão da atividade parlamentar é a Assembleia da República reunir-se formalmente em sessões, que podem ser de quatro espécies:
– sessões ordinárias;
– sessões extraordinárias;
– sessões solenes; e
– sessões especiais.
IV. O quórum deliberativo da Assembleia da República, definido constitucionalmente, corresponde à presença da maioria dos seus membros: “A Assembleia da República só pode deliberar achando-se presentes mais de metade dos seus membros”.
A Assembleia da República pode funcionar com um quórum de um terço dos Deputados desde que não seja para tomar deliberações: “O Plenário inicia as sessões à hora fixada, desde que esteja presente um terço dos Deputados”.
V. As votações são abertas, como regra geral, embora se estabeleça que “Quando se trate de eleição ou ratificação de nomeação de personalidades as deliberações são tomadas por voto secreto”.
O RAR assinala a existência de três formas de votações, sendo as mesmas manuais ou eletrónicas:
– votação ordinária: “A votação ordinária é a forma usual de deliberação da Assembleia da República e consiste em se perguntar sucessivamente quem vota contra, quem se abstém e quem vota a favor, sendo o voto expresso pelo braço levantado”;
– votação nominal: “A votação nominal consiste em o Presidente da Assembleia da República, por ordem alfabética, chamar cada Deputado, devendo este responder se vota contra, se abstém, ou se vota a favor, registando na ata o voto expresso por cada um”;
– escrutínio secreto: “O escrutínio secreto é obrigatório quando se trata de eleições ou deliberações sobre personalidades, desde que não esteja envolvida a representatividade das Bancadas Parlamentares, nos termos do Regimento”.
VI. A maioria geral nas deliberações corresponde à existência de “…mais de metade dos votos dos Deputados presentes”, embora haja matérias que se submetem à maioria deliberativa agravada de dois terços dos Deputados:
– as alterações à Constituição e as matérias referentes ao estatuto da oposição;
– alterações da letra e da música do Hino Nacional, bem como da moeda nacional.
Havendo empate nas votações, o RAR tem o critério para o resolver, sendo certo que a “…cada Deputado corresponde um voto”:
– desde logo, “Quando se verifique empate na votação, a questão é levada novamente a debate passadas quarenta e oito horas e por um dia de sessão apenas”; e
– depois, efetuada nova votação, sendo que “O empate na segunda votação equivale a rejeição”.