Conforme a definição de Dubois, no Dicionário de Linguística (1988, p. 364), léxico “designa o conjunto das unidades que formam a língua de uma comunidade, de uma atividade humana, de um locutor, etc.”, sendo o termo léxico reservado à língua, e o termo vocabulário reservado ao discurso.
Segundo Saussure (1986), o léxico, do grego lexis – palavra, pode, ainda, ser usado na acepção de dicionário de uma língua, ou seja, conjunto de palavras ordenado.
Considerando essa definição, léxico mental seria algo como uma memória onde estocamos o léxico, isto é, todas as palavras que conhecemos da língua.
No momento em que o léxico é qualificado com o termo ‘mental’, passamos do léxico em seu uso social para o léxico no cérebro.
Portanto, essa denominação se refere ao léxico em seu aspecto cognitivo, que, ao ser utilizado na comunicação, materializa-se na fala ou na escrita. Saussure (1986, p. 80) já considerou o aspecto cognitivo do signo, ao defini-lo como sendo “uma entidade psíquica de duas faces” formada por conceito ou significado, e pela imagem acústica ou significante, esclarecendo que ambos os componentes são psíquicos e estão unidos no cérebro por meio de associações.
A denominação léxico ‘mental’ é própria da Psicolinguística, tendo sido utilizada pela primeira vez por Ann Triesman em 1961 (COLTHEART et al., 2001).
Primeiramente, o léxico mental foi concebido como sendo um estoque de conhecimento que funciona como um dicionário na mente, permitindo o fácil acesso às formas escritas e orais de palavras e de seus significados (LIBBEN, 2008).
No entanto, percebeu-se que essa comparação era muito simplista. Aitchison (1987, p.10-11) enumera algumas diferenças: a) o léxico mental não está organizado por ordem alfabética; outros aspectos fonológicos como terminação e padrão de tonicidade, e aspectos semânticos como proximidade de sentido são relevantes – uma prova disso é o tempo que levamos para acessar as palavras: se estivessem organizadas em ordem alfabética demoraríamos muito tempo, especialmente, para acessar as que começam pelas últimas letras do alfabeto; b) o conteúdo do léxico mental não é fixo, não existe um número limite de palavras, as pessoas estão sempre aprendendo novas palavras e atualizando seus significados; o léxico é um dos aspectos da língua que mais sofre alterações e atualizações, sua estrutura é muito mais flexível que os padrões sintáticos e fonológicos; atividades como a leitura são grandes colaboradoras para o aprendizado de novas palavras; c) o léxico mental contém um número imensamente maior e mais aprofundado de informações sobre cada palavra do que um dicionário: diferentes padrões de pronúncia, aspectos pragmáticos que orientam o uso, frequência, padrões sintáticos, grau de formalidade, relações lexicais, informação morfológica, etc – isso porque no léxico mental as palavras são conectadas em redes semânticas e suas relações são atualizadas conforme o uso, a cada nova experiência com uma determinada palavra outro aspecto de informação pode ser integrado à rede.
O aspecto pragmático é certamente o mais difícil de ser registrado no dicionário, o que implica em uma grande diferença
qualitativa entre o dicionário e o léxico mental.
Além da analogia com o dicionário, outras foram feitas comparando o léxico mental a uma biblioteca, à memória de um computador, etc.
No entanto, nenhuma delas demonstrou adequação ao funcionamento do léxico mental. Atualmente, “uma hipótese bem aceita propõe que o léxicon esteja organizado segundo redes semânticas” (LENT, 2001, p. 627)1, essa parece ser a mais adequada para explicar a sua flexibilidade, extensão e organização.
Recentes estudos com neuroimagem têm permitido aos pesquisadores entenderem cada vez mais a organização e a natureza do léxico mental. Há fortes indícios de que o lobo temporal esquerdo seja o local em que o cérebro armazena o léxico (DAMÁSIO et al., 1996).
No entanto, o debate entre modularidade ou conectividade continua vigorando nas hipóteses levantadas a partir das imagens, o que originou uma pergunta fundamental: existe um ou vários léxicos? Um grupo de pesquisadores (HILLIS, 2001; TEICHMANN et al, 2012; SINGLETON, 2007) acredita que existam vários léxicos, defendendo uma visão modular de separação entre os diferentes níveis de informação armazenada.
Segundo Lent (2001, p. 627), as pesquisas com afásicos evidenciam a existência de “diferentes léxicons, de acordo com o tipo de informação que armazenam: as informações semânticas seriam armazenadas em conjunto de regiões cerebrais, as sintáticas em outro diferente e as fonológicas em um terceiro conjunto”.
O autor cita, a partir de atualizações do modelo de Wernicke, as seguintes prováveis localizações: léxico semântico – giros temporais médio e inferior, sendo o polo anterior responsável por identificar nomes de pessoas, e o polo posterior identificação de animais e objetos; léxico sintático – córtex frontal anterior à área de Broca; léxico fonológico – área de Wernicke.
Outro grupo de pesquisadores (MCCLELLAND, ROGERS, 2003; SEIDENBERG, 1997, etc.) discorda dessa hipótese e aposta na visão conexionista de um único léxico em que todos os níveis de informação (semântica, sintática, fonológica, ortográfica, sensorial, pragmática, etc.) estejam integrados e interconectados em uma mesma rede.
A seguir, veremos alguns aspectos da organização do léxico mental.