Consagra-se no art. 35º/1 CP o estado de necessidade como obstáculo à existência de culpa.
O agente fica excepcionalmente dispensado da pena (art. 35º/2, 2ª parte CP). É que a isenção da pena e dispensa da pena são institutos diferentes (ver art. 74º CP), enquadrando-se o art. 35º/2 CP o instituto da dispensa de pena, porque ainda há culpa, embora em grau muito reduzido, e não no da isenção de pena, que afasta logo abinitio a punibilidade do facto.
Os casos de identidade de valoração de bens jurídicos e aqueles em que o bem sacrificado tem maior valoração que o ameaçado não cabem no âmbito do direito de necessidade e têm portanto que ser resolvidos por via dos normativos deste art. 35º CP.
A lei escalona a valoração de alguns dos interesses, pelo que se deve observar a ordem por que os enumera o art. 35º/1 CP. Trata-se de interesses eminentemente pessoais.
Para os casos em que a lei não refere expressamente, deverá entender-se que em princípio os interesses eminentemente pessoais predominam sobre os patrimoniais e que a própria lei, pela indicação dada através das sanções, estabelece o escalonamento entre os interesses da mesma natureza.
A este respeito e dentro desta orientação, expendeu o Prof. Figueiredo dias “…são conhecidas as dificuldades que uma avaliação em concreto da hierarquia dos interesses conflituantes pode suscitar. Nesta matéria deve bastar-me com acentuar que pontos de apoio para a levar a cabo são oferecidos quer pela medida das sanções penais cominadas para a violação dos respectivos bens jurídicos, quer pelos princípios ético-sociais vigentes na comunidade em certo momento, quer pelas modalidades dos factos, a medida da culpa ou por pontos de vista político criminais. Como ainda e também, noutro plano, pela extensão do sacrifício imposto e pela extensão e premência do perigo existente. Mas para além disso no novo Código existe ainda, para a justificação, que seja razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza e ao valor do interesses ameaçado. Esta limitação ético-social do direito de necessidade – independentemente de saber se ela poderá ver-se já contida, ao menos em certa medida, na exigência de sensível desproporção dos interesses conflituantes – é, minha opinião, de sufragar incondicionalmente. O direito de necessidade, justificado, embora como disse por razões de recíproco solidarismo entre os membros da comunidade jurídica, tem em todo o caso de recuar perante a possibilidade de violação da dignidade e da autonomia ética da pessoa de terceiro. E isso mesmo quer dar a entender a alínea c) do art. 34º CP…”
Por maioria de razão, deve entender-se que há lugar a indemnização, se se verificarem os seus pressupostos no caso de estado de necessidade desculpante, pois que também o há no caso de direito de necessidade.