Apontamentos Contrato de Sociedade

Contrato de Sociedade

Elementos de características qualificativas do contrato de sociedade

Conceito de sociedade

A definição parece lacunosa por não incluir o elemento organização conformador de toda a actividade societária.

O art. 980º CC não dá uma definição de sociedade, mas do contrato de sociedade.

São três os requisitos essenciais do contrato de sociedade referidos no art. 980º CC: a contribuição dos sócios, o exercício em comum de certa actividade económica que não seja de mera fruição e a repartição dos lucros.

A contribuição será de bens ou serviços. Podem os sócios contribuir com a propriedade ou titularidade de bens, simplesmente com o seu uso e fruição (art. 984º CC) ou com a prestação de determinada actividade ou com os resultados desta. Falando intencionalmente na obrigação de contribuir, o art. 980º CC não exige uma contribuição imediata.

Atenta a natureza obrigacional que o contrato no fundo reveste, qualquer dos sócios, se o outro ou outros não realiza a prestação a que ficou adstrito, pode exigir do faltoso ou faltosos a contribuição em dívida. Essa prestação não se destina, porém, a quem tem o poder de a exigir, mas ao conjunto dos sócios. Neste aspecto se distingue o contrato de sociedade do contrato de troca ou permuta, em que a prestação de cada um dos contraentes se destina ao património do outro.

A actividade a exercer em comum – o fim comum a todos os sócios – deve ser determinada (certa). Não podem constituir-se sociedades para fins indeterminados. Estes têm de ser sempre especificados ou individualizados no contrato, embora possam ser vários, esses fins.

O fim comum deve consistir numa actividade económica, o que significa que dela deve resultar um lucro patrimonial, embora se não deva confundir actividade económica com simples produção de bens, pois a economia abrange outras actividades além da produção.

A sociedade tem sempre por objecto repartição de lucros, não bastando que o sócio lucre directamente através da actividade em comum.

Às sociedades civis são aplicáveis, subsidiariamente as disposições que regulam as pessoas colectivas, quando a analogia das situações o justifique (art. 157º CC).

A organização é a forma coordenada de prossecução do objecto.

Elementos constitutivos da sociedade

O instrumento: contribuição com bens ou serviços.

Sem esta contribuição frustrar-se-ia a possibilidade de surgirem os outros elementos. Se o fim do contrato de sociedade é a obtenção de lucros e o lucro representa o aumento do valor do património no termo da actividade social, ou dos seus ciclos periódicos, em relação aos elementos utilizados para produzi-lo, é óbvio que a atribuição, por parte dos sócios, dos meios necessários ao exercício da actividade social, constitui elemento essencial do contrato.

As entradas dos sócios, destinam-se funcionalmente a possibilitar o exercício de uma empresa. Ora, no contrato de sociedade esse exercício vem a ser prosseguido através de uma organização. Assim, o título do direito de crédito correspondente terá de ser a própria organização e, portanto, a sociedade enquanto entidade jurídica.

Objecto

Exercício em comum de uma actividade económica que não seja de mera fruição.

O que caracteriza a sociedade é, a funcionalização atribuída a essas prestações que só se tornam relevantes em ordem À prossecução em comum de determinada actividade. Essa actividade que os sócios se propõem exercer vem a constituir o segundo elemento do contrato de sociedade, o chamado objecto social.

O art. 980º CC exige que a actividade a desenvolver pelos seus sócios seja certa, pelo que se faltar essa determinação o contrato não pode deixar de considerar-se nulo por indeterminabilidade do objecto (art. 280º/1 CC).

Porém, para se poder falar em sociedade é ainda necessário:

  • Que essa actividade tenha conteúdo económico, não podendo este consistir na mera fruição;
  • Que essa actividade seja exercida em comum pelos sócios.

A organização

Estrutura coordenada da gestão da actividade societária.

Esse contraste sócio-sociedade é resolvido através da interposição de uma organização, destinada a gerir a prossecução desse objecto. Daí o surgimento de todo um sistema de órgãos, através dos quais se prossegue a execução do contrato (arts. 985º segs. CC). Deste elemento deriva, por um lado, o carácter extraordinariamente complexo da posição jurídica dos sócios que, para além das obrigações que assumiram pelo contrato, ficam sujeitos ao poder potestativo da organização que criaram, constrangedor da sua actividade.

O fim

A repartição dos lucros.

O fim para o qual converge toda a actividade societária é a repartição dos lucros. Constitui este, com efeito, o momento da realização do interesse individual dos sócios, por força do qual se subordinaram ao interesse social na prossecução do objecto. Por essa mesma razão é que o art. 980º CC vem considerar elemento do conceito de sociedade o fim de repartir os lucros e não a sua produção.

Faltando o elemento fim lucrativo não existe sociedade, mas sim associação (art. 157º CC).

Características qualificativas do contrato de sociedade

a) A sociedade como contrato consensual

O contrato de sociedade exige apenas a sua celebração pelas partes para se constituir, não sendo necessário uma efectiva atribuição de bens à sociedade. O preenchimento do elemento instrumental deste contrato verifica-se com a simples assunção de obrigações por parte dos sócios. Por essa razão a sociedade não é um contrato real quod constitutionem, mas antes um contrato consensual.

b) A sociedade civil como contrato primordialmente não formal

O art. 981º CC não exige a observância de forma especial para a constituição de sociedades civis vigorando portanto quanto a estas a regra geral do art. 219º CC. O art. 981º CC excepciona, porém, o caso de essa forma ser exigida pela natureza dos bens com que os sócios entram para a sociedade.

De per si, o contrato de sociedade tem simples natureza obrigacional e não real, embora as entradas possam ser tituladas pelo mesmo acto, que passa, assim, a ter natureza real (art. 980º CC). Há portanto independência entre os dois actos, não obstante a lei ter subordinado, quanto à forma, o regime de contrato de sociedade ao regime exigido para as entradas dos sócios.

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O art. 981º/2 CC vem estabelecer que a falta de forma “só anula todo o negócio se este não puder converter-se segundo o disposto no art. 293º CC de modo que à sociedade fique o simples uso e fruição dos bens cuja transferência determina a forma especial, ou se o negócio não puder reduzir-se, nos termos do art. 292º CC às demais participações”.

Como contrato que é na sua origem, a sociedade está sujeita às causas de nulidade e de anulação próprias dos contratos. É o art. 981º/2 CC conclui-se indirectamente que o regime, quer da nulidade, quer da anulabilidade, não se afasta, neste caso da sociedade, do regime geral dos negócios jurídicos.

Assim é, que tanto a redução como a conversão do negócio, em consequência daquelas causas de invalidade, encontram aplicação no contrato de sociedade com as meras adaptações que o preceito consagra.

c) A sociedade como contrato de execução continuada ou duradoura

As obrigações do contrato de sociedade são obrigações de cumprimento ininterrupto, tais como a obrigação de colaboração, a obrigação de não concorrência e as obrigações derivadas do exercício da gerência. Consequência do carácter duradouro desta relação contratual é a faculdade de denúncia ad nutum, prevista no art. 1002º CC quando o contrato não tenha prazo fixado.

d) A sociedade como contrato sinalagmático e oneroso

Faz nascer obrigações recíprocas a cargo de todas as partes. O facto de não existir, em sede de sociedade, uma contraposição de interesses entre as partes, exclui a correspectividade entre as suas prestações, mas não exclui o sinalagma, apenas o faz configurar-se de uma maneira específica.

A sociedade assume-se como um contrato oneroso, dada a necessidade de haver uma atribuição patrimonial por parte de todos os contraentes, uma vez que o art. 983º CC que estabelece a obrigação de entrada dos sócios é inderrogável.

e) A sociedade como contrato aleatório

Impõe-se a classificação da sociedade na categoria dos contratos aleatórios. Efectivamente, embora a atribuição patrimonial dos sócios seja certa, o seu correspectivo patrimonial é incerto, pois ignora-se no momento da celebração o an e o quantum do lucro, o que corresponde obviamente à existência de uma área ou risco económico neste contrato.

f) A sociedade civil como contrato “intuito personae”

A existência de uma responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios pelas dívidas da sociedade (art. 997º CC) impõe que se verifique, para a celebração do contrato uma relação de confiança mútua entre todos, sem a qual a sociedade civil não teria condições de funcionamento. Daí que se deve qualificar a sociedade civil como um contrato intuito personae, atenta a importância fundamental que nesta reveste a pessoa dos sócios.

g) A sociedade civil como contrato obrigacional e ainda real “quod effectum”

O facto de as entradas no contrato de sociedade não serem típicas, antes podendo consistir em quaisquer bens ou serviços (arts. 980º e 983º/1 CC), desde que os aptos para a prossecução da actividade económica que os sócios se propõem desenvolver, dá origem a que a sociedade, que se apresenta primordialmente como um contrato obrigacional, venha a ter natureza real quanto a entrada consista na transmissão de um direito real. Nesse caso a sociedade adquire características de um contrato real quod effectum.

As relações internas

Obrigações dos sócios

Obrigação de entrada

Como consequência do contrato (art. 980º CC), os sócios são obrigados às entradas que entre si acordaram. Mas somente são obrigados a essas entradas – art. 983º/1 CC – e não a quaisquer prestações suplementares, posteriores, embora haja necessidade de novos capitais para o funcionamento da sociedade e realização dos respectivos fins, ou haja conveniência em substituir alguma contribuição que entretanto tenha perecido ou se tenha inutilizado.

O valor da entrada é normalmente fixado no pacto, podendo variar de sócio para sócio. A lei manda atender há vontade das partes, porque neste ponto estão apenas em jogo as relações entre só sócios. Não se fixando o valor, nem fornecendo o contrato os elementos necessários para a sua fixação, entende a lei, supletivamente, que são iguais as entradas a que se obrigam os sócios ou que os sócios realizaram (art. 983º/2 CC).

Se a obrigação de entrada não estiver determinada (art. 280º CC) no contrato nem existirem elementos para a sua determinação o negócio não pode deixar de se considerar nulo, por falta de um elemento essencial.

O art. 984º CC regula a execução da prestação, garantia e risco da coisa, pelos arts. 577º e 424º segs. CC e os arts. 578º e 425º CC desenvolvem a regulação dos requisitos e efeitos da cessão para os arts. 980º segs. CC.

Deveres acessórios impostos pela boa fé

Encontra-se no regime do contrato de sociedade entre outras duas limitações à actividade pessoal dos sócios:

  • A proibição do uso dos bens sociais para fins estranhos à sociedade (art. 989º CC);
  • A proibição da concorrência (art. 990º CC).

A violação do dever de não usar das coisas da sociedade importa, para o sócio, nos termos gerais, a obrigação de indemnizar os outros pelo prejuízo causado, não se prevendo nenhuma sanção específica para o efeito. O uso indivíduo das coisas da sociedade pode importar, todavia, a sanção da exclusão do sócio, se, nos termos do art. 1003º-a CC se puder considerar, no caso concreto, ou pela sequência dos casos, grave violação cometida. Não pode deduzir-se da falta de referência a esta alínea, ao contrário do que se faz no artigo seguinte, senão que, normalmente, o uso das coisas da sociedade não apresenta gravidade exigida para a exclusão.

Pretende-se evitar, com a proibição de concorrência (art. 990º CC), que o sócio se aproveite dos seus conhecimentos e da sua acção dentro da sociedade para obter lucros para si próprio, em prejuízo dos outros sócios. Mesmo, porem, que não haja concorrência desleal, deve razoavelmente exigir-se de todo o sócio que dirija a sua actividade no sentido de obter os melhores resultados para a sociedade, o que é praticamente incompatível com o exercício da mesma actividade em benefício próprio.

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A proibição só vale, pelo espírito da lei, em relação à actividade que a sociedade efectivamente exerça, e não em relação àquelas que, embora previstas no pacto social, não chegam a ser realizadas.

Estão previstas duas sanções para a concorrência proibida: a responsabilidade pelos danos causados e a exclusão (art. 1003º-a CC).

Direitos dos sócios

a) Exprimir a sua vontade, em todas as fases relevantes da vida societária de modo a concorrer para a formação da vontade social. É nesse sentido que várias disposições exigem o consentimento unânime de todos os sócios – arts. 989º, 990º e 995º CC; acordo dos sócios – arts. 1007º, 1008º, 1011º, 1018º e 1019º CC; e a deliberação da maioria – arts. 986º/3, 991º e 1005º

b) Fiscalização dos administradores (art. 988º CC) atribui dois direitos de natureza e conteúdos diferentes: o direito à informação mediante o qual o sócio pode obter em qualquer altura as informações que necessite sobre os negócios da sociedade e consultar os documentos a eles relativos; e o direito à prestação de contas que o sócio pode exigir apenas periodicamente (art. 988º/2 CC).

c) Direito aos lucros

Corresponde à plena realização do interesse individual dos sócios, determinante da celebração do contrato de sociedade.

A distribuição de lucros e perdas pelos vários sócios encontra-se dependente de certas regras, constantes pelos vários sócios encontra-se dependente de certas regras, constantes dos arts. 992º e 993º CC. Tratam-se, no entanto, de regras supletivas, pelo que se os sócios determinarem no contrato o método de proceder a essa repartição será esse o critério que se aplica.

Não havendo qualquer convenção, os sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade, segundo as proporções das respectivas entradas (art. 992º/1 CC). O art. 992º/3 CC estabelece duas excepções quanto a esta regra.

  • À situação do sócio de indústria;
  • À situação do sócio que apenas se obrigou a facultar à sociedade o uso e fruição de uma coisa.

Proibição de pacto leonino

É nula, todas a cláusula que exclua um sócio da comunhão nos lucros ou que o isente das perdas.

Não pode pôr-se em dúvida o acerto da solução. É a única aceitável, pelo menos, na parte que se refere ao direito do sócio de participar nos lucros. Este direito é um elemento essencial do próprio contrato. Sem ele, não há sociedade, como resulta da própria noção do art. 980º CC que alude explicitamente ao intuito de repartição dos lucros sociais.

A cláusula leonina não torna nulo o contrato; apenas atinge a cláusula viciada, ou melhor, a participação do sócio abrangido pela cláusula. A sanção é, porém, a da nulidade, com todas as suas consequências legais (art. 286º CC) e não da anulabilidade.

A estrutura organizativa

No caso das sociedades civis, esta organização estrutura-se unicamente numa relação de administração, mediante a qual se atribuem poderes de gestão da empresa social a todos ou alguns dos sócios ou a terceiros, que assumem a qualidade de administradores.

A administração constitui assim um órgão da sociedade enquanto entidade jurídica, ao qual cabe prosseguir o seu objecto. Verifica-se, no entanto, que a relação da administração adquire uma certa autonomia na estrutura do contrato de sociedade, regulando-se pelas normas do mandato (art. 987º/1 CC). Modalidades de exercício da administração:

  • Administração disjunta (art. 985º/1 CC): os poderes da administração concentram-se integralmente em cada um dos administradores, podendo estes individualmente praticar os actos que incumbem àquele órgão, sem necessidade do consentimento nem sujeição às directivas dos outros;
  • Administração conjunta (art. 985º/3, 4 e 5 CC): a administração precisa do consenso de todos os administradores para praticar os actos compreendidos na sua competência.
  • Administração maioritária (art. 985º/3, 4 e 5 CC): exige-se apenas uma deliberação maioritária.

Relações externas

Representação da sociedade

O art. 996º CC atribui a representação da sociedade aos administradores nos termos do contrato ou da lei (art. 985º CC).

O poder da administração tem por conteúdo a possibilidade de exercer a gestão da empresa comum, enquanto a faculdade de representação compreende a imputação à sociedade dos actos praticados em seu nome.

Em princípio, as pessoas que têm poderes de administração é quem goza de poderes de representação. Poderes de administração e poderes de representação são, assim, dois aspectos ou duas faces da mesma posição jurídica, reflectindo-se nos poderes de representação todo o conteúdo dos poderes de administração atribuídos a cada sócio.

Como regra, todas as limitações aos poderes de representação dos administradores são oponíveis a terceiros. É a estes que cabe, quando contratam com a sociedade, averiguar quem são os administradores e quem são os representantes dela.

Mas, se insto é assim em relação aos poderes representativos que resultam do contrato, já não é assim, por força do art. 996º/25 CC em relação aos poderes que resultam da extinção ou modificação dos poderes de administração.

Responsabilidade pelas obrigações sociais

Refere o art. 997º CC que pelas dívidas sociais responde a sociedade, e pessoal e solidariamente, os sócios.

A responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais representa apenas uma garantia legal de obrigação alheia, juridicamente imputável à sociedade. Essa garantia é imperativa, quando o sócio exerce a administração ou quando os sócios a confiam exclusivamente a terceiros. Mas essa imperatividade, explicável em virtude do princípio do risco de empresa, não pode levar a subverter o facto de as obrigações serem assumidas em representação da sociedade e portanto a este deverem ser imputadas (art. 258º CC).

Extinção do vínculo social relativamente a um sócio