Apontamentos Carta Italiana do Restauro (1972)

Carta Italiana do Restauro (1972)

Art.o 1.o – Toda as obras de arte de qualquer época, na acepção mais vasta que vai desde os monumentos arquitectónicos às da pintura e da escultura, mesmo quando fragmentadas, e desde os achados paleolíticos às expressões figurativas das culturas populares e da arte contemporânea, pertencentes a qualquer pessoa ou entidade, são objecto das presentes instruções que tomam o nome de ‘Carta do Restauro 1972’.

Art.o 2.o – Para além de todas as obras indicadas no artigo anterior, devem ser a elas assimilados, para a garantia da sua salvaguarda e restauro, os conjuntos de edifícios com interesse monumental, histórico ou ambiental, as colecções artísticas e as sistematizações conservadas na sua disposição tradicional; os jardins e os parques que sejam considerados de especial importância.

Art.o 3.o – Incluem-se da disciplina das presentes instruções, para além das obras definidas nos artigos 1.o e 2.o, as próprias operações organizadas para garantia da salvaguarda e do restauro dos vestígios antigos respeitantes às buscas terrestres e subaquáticas.

Art.o 4.o – Entende-se por salvaguarda qualquer procedimento de conservação que não implique a intervenção directa sobre a obra; entende-se por restauro qualquer intervenção destinada a manter em eficiência, a facilitar a leitura e a transmitir integralmente ao futuro as obras e os objectos definidos nos antigos anteriores.

Art.o 5.o – Todas as Soprintendenze e todos os Istituti responsáveis em matéria de conservação do património histórico-artístico e cultural organizarão um programa anual e específico de trabalhos de salvaguarda e de restauro incluindo os de buscas no subsolo e de buscas subaquáticas, a serem cumpridas por conta quer do Estado quer de outras entidades ou pessoas, que será aprovado pelo Ministero della Pubblica Istruzione, conforme parecer do Consiglio Superiore delle Antichità e Belle Arti.

No âmbito desse programa, mesmo apôs a apresentação do dito, qualquer que seja a intervenção sobre obras de arte, conformes ao Art.o 1.o, deverá ser ilustrada e justificada por uma relação técnica da qual resultarão, para além das vicissitudes técnicas da obra, o estado actual da mesma, a natureza da intervenção considerada necessária e a despesa consequente para lhe fazer frente.

Esta relação será igualmente aprovada pelo Ministero della Pubblica Istruzione, e previamente, para os casos emergentes ou dúbios e para os que estão previstos na lei, será dado parecer pelo Consiglio Superiore delle Antichità e Belle Arti.

Art.o 6.o – Relativamente aos fins aos quais, pelo Art. 4.o, devem corresponder operações de salvaguarda e restauro, são proibidas indistintamente, para toadas as obras de arte conformes aos Art.o
1.o, 2.o e 3.o:

1) Complementações ‘ao estilo’ ou análogas, mesmo em forma simplificada e mais ainda se existirem documentos gráficos ou plásticos que possam indicar qual era o estado ou como devia parecer o aspecto da obra acabada;

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2) Remoções ou demolições que apaguem a passagem da obra através do tempo, a menos que se trate de alterações limitadas deturpastes ou incongruentes relativamente aos valores históricos da obra, ou complementos ‘ao estilo’ que falsifiquem essa obra;

3) Remoções, reconstruções ou recolocações em lugar diferente do original; a menos que tal seja determinado por superiores razıes de conservação;

4) Alterações das condições acessórias ou ambientais nas quais chegou aos nossos tempos a obra de arte, o conjunto monumental ou ambiental, o conjunto de mobiliário, o jardim, o
parque, etc.;

5) Alterações ou remoções da patine.

Art.o 7.o – Relativamente aos mesmos objectivos que o Art.o 6.o, e indistintamente para todas as obras conformes aos Art.o 1.o, 2.o e 3.o, são toleradas as seguintes operações ou reintegrações:

1) Junção de elementos acessórios com função estática e reintegração de pequenas partes historicamente acertadas, modernizadas, conforme os casos, ou determinando de forma clara a periferia da integração, ou ainda adoptando um material diferenciado embora compatível, claramente distinguível a olho nú, em especial nos pontos de ligação com as partes antigas, ou então assinalado e datado onde possível;

2) Limpeza que, para a pintura e para a escultura polícroma, nunca deve chegar ao esmalte da cor, respeitando a patina e o eventual verniz antigo; para todas as outras espécies de obras
não deve chegar à superfície nua da matéria que constitui a própria obra;

3) Anastilose seguramente documentada, recomposição de obras transformadas em fragmentos, sistematização de obras lacunares, reconstituindo-se os interstÌcios entre entidades semelhantes com uma técnica claramente diferenciável a olho nú, ou com zonas neutras, acertadas a nível diferente das partes originais, ou deixando à vista o suporte original, mas nunca integrando totalmente as zonas figuradas ou inserindo elementos determinantes para a figuratividade da obra;

4) Modificações e novas inserções com finalidades estáticas e conservativas na estrutura interna ou no substrato do suporte, de maneira a que, no que respeita ao seu aspecto, depois de concluida a operação, não resultem alterações nem cromáticas, nem na matéria que é observável à superfície;

5) Nova envolvente ou sistematização da obra, quando não existam já ou quando estejam destruidos a envolvente ou a sistematização tradicionais, ou quando as condições de conservação exijam a sua remoção.

Art.o 8.o – Todas as intervenções sobre a obra, ou na contiguidade da obra, com os objectivos definidos no Art.o 4.o devem ser executadas de forma tal que, e com técnicas e materiais que, dêem garantias de que no futuro não será impossível uma eventual nova acção de salvaguarda ou de restauro.

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Por outro lado, todas as intervenções devem ser previamente estudadas e justificadas por escrito (esta última condição, conforme o Art.o 5.o) e deverá ser feito um diário da sua execução, o qual será incluído num registo final, com a documentação fotográfica antes, durante e depois da intervenção. Serão, ainda, documentadas todas as investigações e análises eventualmente efectuadas com recurso à física, à química, à microbiologia e a outras ciências. De toda esta documentação será guardada uma cópia no arquivo da Soprintendenza competente e enviada uma outra cópia para o Istituto Centrale del Restauro.

No caso das limpezas, e num lugar possivelmente limítrofe da zona intervencionada, deverá ser guardada uma amostra do estado anterior à intervenção, enquanto que no caso de adições, as partes removidas devem ser preferencialmente conservadas ou documentadas num arquivo depósito especial da Soprintendenza competente.

Art.o 9.o – A utilização de novos procedimentos de restauro e de novos materiais, relativamente aos procedimentos e aos materiais cujo uso é usual ou de qualquer forma admissível, deverá ser autorizada pelo Ministero della Pubblica Istruzione, em conformidade e na sequência de parecer do Istituto Centrale del Restauro, a quem competirá também promover acções junto do próprio Ministero com o objectivo de desaconselhar materiais e métodos antiquados nocivos e de qualquer forma não ensaiados, sugerir novos métodos e o uso de novos materiais, definir as pesquisas a que se deve proceder com equipamento e com especialistas exteriores aos equipamentos e aos organismos à sua disposição.

Art.o 10.o – Os procedimentos adequados à preservação contra acções prejudiciais e variações atmosféricas, térmicas e higrométricas das obras referidas nos Art.o 1.o, 2.o e 3.o, não devem alterar sensivelmente o aspecto da sua matéria e as cores das suas superfícies, ou exigirem modificações substanciais e permanentes do ambiente em que essas obras historicamente foram transmitidas. Quando, no entanto, para os superiores fins da conservação forem indispensáveis modificações deste género, tais modificações devem ser feitas de forma a se evitar qualquer dúvida sobre a época em que foram executadas e com a modalidade mais discreta.

Art.o 11.o – Os métodos específicos que devem ser adoptados como procedimentos de restauro especificamente para os monumentos arquitectónicos, pictóricos, escultóricos, para os centros históricos do seu conjunto, e ainda para a execução de escavações, são especificados nos Anexos ‘a’, ‘h’, ‘c’ e ‘d’ das presentes instruÁıes.

Art.o 12.o – Nos casos em que seja dúbia a atribuição das competências técnicas ou existam conflitos nessa matéria, o Ministero decidirá, sobre a escolha das relações entre os superintendentes ou chefes dos institutos interessados, ouvido o Consiglio Superiore delle Antichit‡ e Belle Arte.