Os critérios de atribuição da nacionalidade
I. De um modo geral, dois são os principais critérios que costumam ser invocados para se proceder a uma conexão das pessoas relativamente aos Estados no seio de um vínculo de cidadania:
– o ius sanguinis; e
– o ius soli.
II. O ius sanguinis significa que a cidadania permanece na descendência daqueles que, uma primeira vez, a alcançaram, sendo assim cidadãos de um Estado os descendentes dos que já o eram antes, independentemente da
consideração de outros critérios.
O ius soli, inversamente, sublinha a importância do lugar do nascimento da pessoa em questão, atribuindo-se a cidadania do Estado em cujo território aquele aconteça com desconsideração da ligação à cidadania dos respetivos progenitores.
III. Todavia, na prática estes dois modelos não podem funcionar nesta sua pureza e normalmente dão origem a sistemas mistos, nos quais aqueles dois critérios se encontram presentes, ainda que um deles possa ser predominante.
É o que sucede, como iremos ver já de seguida, com o Direito Moçambicano da Nacionalidade.
A nacionalidade originária
I. A nacionalidade originária parte do pressuposto geral do nascimento, distinguindo-se da nacionalidade adquirida no sentido de esta ser superveniente.
São três as conjugações possíveis para que aponta o texto da CRM:
– a aplicação de ambos os princípios da territorialidade e da consanguinidade;
– a aplicação do princípio da territorialidade; e
– a aplicação do princípio da consanguinidade.
II. Este é um caso de aplicação dos dois princípios da territorialidade e da consanguinidade: “…desde que hajam nascido em Moçambique: a) os filhos de pai ou mãe que tenham nascido em Moçambique”.
Só que a concessão da naturalidade originária não está sempre dependente da reunião destes dois princípios, havendo essa atribuição em situações que só fazem a aplicação de um deles.
III. São casos de aplicação do princípio da territorialidade, não sendo relevante a relação com progenitor moçambicano, “…desde que hajam nascido em Moçambique:
– “os filhos de pais apátridas, de nacionalidade desconhecida ou incógnita”;
– “os que tinham domicílio em Moçambique à data da independência e não tenham optado, expressa ou tacitamente, por outra nacionalidade”.
O texto constitucional ainda refere este outro grupo de casos: “São moçambicanos os cidadãos nascidos em Moçambique após a proclamação da independência”.
Contudo, esta vem a ser uma hipótese mais restritiva, porquanto se estabelece o seguinte: “Excetuam-se os filhos de pai e mãe estrangeiros quando qualquer deles se encontre em Moçambique ao serviço do Estado a que pertence”.
IV. São casos de aplicação do princípio da consanguinidade, tendo os interessados nascido no estrangeiro:
– “São moçambicanos, ainda que nascidos em território estrangeiro, os filhos de pai ou mãe moçambicanos ao serviço do Estado fora do país”;
– “São moçambicanos os filhos de pai ou mãe de nacionalidade moçambicana ainda que nascidos em território estrangeiro, desde que expressamente, sendo maiores de dezoito anos de idade, ou pelos seus representantes legais, se forem menores daquela idade, declararem que pretendem ser moçambicanos”.
V. O texto constitucional ainda equaciona a situação particular de um menor, podendo ter obtido a nacionalidade originária, tal não tenha acontecido por vontade do progenitores em evitar tal facto.
Admite-se a atribuição da nacionalidade originária moçambicana por maioridade: “São moçambicanos os indivíduos que preenchendo os pressupostos da nacionalidade originária, não a tenham adquirido por virtude de opção dos seus representantes legais, desde que, sendo maiores de dezoito anos de idade e até um ano depois de atingirem a maioridade, declarem, por si, que pretendem ser moçambicanos”.
I. A nacionalidade adquirida pode assentar em diversos fenómenos, cada qual com as suas próprias regras:
– casamento: atribuição de nacionalidade ao cônjuge – não se prevendo o mesmo efeito para o unido de facto – casado com moçambicano ou moçambicana, desde que o requeira e esteja, à data do pedido, casado há mais de cinco anos;
– filiação: atribuição da nacionalidade aos filhos menores ou incapazes de pai ou mãe com nacionalidade moçambicana adquirida;
– adoção: atribuição de nacionalidade ao filho adotado plenamente por cidadão moçambicano.
II. A naturalização é o mais frequente dos fenómenos por que se dá a aquisição superveniente da nacionalidade, mas como seria de esperar submete-se a pressupostos apertados, que são cumulativos:
(i) residir habitual e regularmente há pelo menos 10 anos em Moçambique;
(ii) ser maior de dezoito anos;
(iii) conhecer o português ou uma língua moçambicana;
(iv) possuir capacidade para reger a sua pessoa e assegurar a sua subsistência;
(v) ter idoneidade cívica;
(vi) preencher os requisitos e oferecer as garantias fixadas na lei.
III. Para a CRM, a nacionalidade moçambicana adquirida não confere ao seu titular uma plenitude de direitos, no mesmo plano do status que a nacionalidade originária confere.
A perda e a reaquisição da nacionalidade; a proibição da eficácia da dupla nacionalidade
I. A nacionalidade moçambicana pode cessar, prevendo a CRM a existência de duas situações:
– renúncia no caso de dupla nacionalidade: “o que, sendo nacional de outro Estado, declare por meios competentes não querer ser moçambicano”;
– renúncia após a maioridade no caso de aquisição por filiação: “aquele a quem, sendo menor, tenha sido atribuída a nacionalidade moçambicana por efeito de declaração do seu representante legal, se declarar, pelos meios competentes até um ano depois de atingir a maioridade, que não quer ser moçambicano e se provar que tem outra nacionalidade”.
II. Mas a LN prevê ainda duas outras situações de perda de nacionalidade de constitucionalidade, no mínimo, duvidosa, e que são as seguintes:
– “O que voluntariamente adquire uma nacionalidade estrangeira”;
– “O que sem licença do Governo aceite prestar quaisquer funções a um Estado estrangeiro”.
III. O texto constitucional igualmente admite a possibilidade da reaquisição da nacionalidade perdida, desde que a pessoa em causa reúna os seguintes requisitos quando formula a pretensão:
– tenha domicílio em Moçambique;
– preencha os requisitos e ofereça as garantias fixadas na lei.
IV. O texto constitucional moçambicano é ainda muito enfático em esclarecer uma questão relevante nos países pós-coloniais, que é a eficácia da dupla nacionalidade (e, por maioria de razão, da plurinacionalidade, havendo
três ou mais).
É uma matéria socialmente relevante dadas as relações de proximidade que, na passagem a Estado independente, não podem ser ignoradas em relação a importantes comunidades, com raízes na antiga metrópole do Estado colonialista, incluindo a sua própria cidadania.
Mas a proibição constitucional é total: “Não é reconhecida nem produz efeitos na ordem jurídica interna qualquer outra nacionalidade aos indivíduos que, nos termos do ordenamento jurídico da República de Moçambique, sejam moçambicanos”.