A partir deste capítulo, o texto passa a ser estruturado de modo a trabalhar com os problemas comumente atribuídos à área de Recursos Humanos, mas cuja solução está em outras esferas. Essa linha de raciocínio pode ser útil tanto para os responsáveis pelas unidade de Administração de Recursos Humanos quanto para os que gerenciam Recursos Humanos para obter êxito em outras actividades.
Assim, o foco passa para os grandes problemas atribuídos a Recursos Humanos sob a óptica gerencial, de modo a tentar identificar alternativas para estruturar os problemas e pensar opções para sua solução em diferentes cenários, em que há diferentes actores e jogos de força em acção que podem ser utilizados em diferentes circunstâncias. Para iniciar essa análise, faz-se necessário colocar/recolocar algumas características do sector da saúde e/ou dos
recursos humanos em saúde. Há autores que apresentam como características do sector da saúde:
- Dificuldade de definir/medir saídas ou produtos;
- Quantidade de tarefas de carácter emergencial ou inadiável;
- Gravidade de erros ou imprecisões;
- Maior lealdade à corporação profissional que à organização;
- Interdependência das actividades;
- Actividades altamente especializadas;
- Pouco controle hierárquico sobre o grupo gerador de trabalho, de despesas e de receita (os médicos);
- Papel fundamental do cliente final no processo de trabalho.
Na verdade, qualquer análise dos aspectos acima relacionados, excepto talvez o último, pode ser encontrada em diferentes situações e culturas organizacionais. Nessas condições, característico seria apenas a combinação delas todas. Afinal, interdependência das actividades, por exemplo, faz parte do próprio conceito de organização e de sistema.
Pode-se dizer que os profissionais de qualquer sector gostam de pensar em seus produtos como não definíveis, mensuráveis ou avaliáveis, justamente para evitar tentativas de controles gerenciais, definições de normas e rotinas, etc. Erros e imprecisões podem ser fatais numa cirurgia e muito graves num diagnóstico, mas na condução de um avião e/ou nos cálculos de estrutura de concreto também têm consequências letais. Há de facto muitas tarefas inadiáveis, principalmente na área técnica, mas certamente em qualquer outra organização pode-se obter o rol daquilo que deve ser feito imediatamente. Finalmente, a questão da especialização das actividades traz como indagação a capacitação dos profissionais. No entanto, nunca é demais lembrar que uma percentagem pequena daqueles que lidam com a área (e com a vida e a saúde das pessoas) são especializados; os demais têm educação básica, se e quando a têm completa. Ao mesmo tempo, em qualquer sector, o grupo nuclearmente responsável pelo trabalho (e por responder pela produção e pelas receitas) é pouco controlável. A grande especificidade no caso é que na saúde se trata dos médicos, enquanto em outras áreas podem ser os engenheiros, os advogados, os vendedores, etc.
Grande parte daquilo que se chama “organizações de saúde” tem a ver com seus recursos humanos, fazendo parte daquilo que alguns teóricos chamam de “organizações profissionais”, nas quais se valorizam habilidades e conhecimentos necessários para o desenvolvimento do trabalho final. Isso se junta com a vontade que esses grupos profissionais têm de manter seu poder sobre as decisões que influenciam seu trabalho. Qualquer tentativa de democratização nessas organizações tende a favorecer os profissionais, pois os demais continuam trabalhando
de acordo com aqueles chamados “nucleares”. Daí o termo “paramédico”, usado com tanta liberalidade na saúde. Nessa análise, cabe ainda notificar que na América Latina existe uma alta prevalência de médicos na direcção de
serviços assistenciais, secretarias, etc. No sector da saúde não se costuma notar que a democratização atinja de fato os cidadãos, mesmo na vigência de conselhos municipais de saúde.
Quanto aos aspectos directamente relacionados a Recursos Humanos, não custa repetir que sempre os profissionais nucleares tendem a preservar sua autonomia de acção.
- Os serviços de saúde são, por definição, mãos-de-obra intensivas, mesmo na vigência de alto grau de complexidade de equipamentos, principalmente se for levada em conta a discussão sobre tecnologia, já apresentada;
- Na área da saúde coexiste uma série de profissionais com formação diferente, cada um com suas normas, parâmetros, visões de mundo e noções de ética. Em algumas instituições isso pode ser considerado o começo da formação da equipe multiprofissional; em outras, explica-se a partir daí a inviabilidade do trabalho multiprofissional; ainda em outras, admite-se que é possível trabalhar com equipe multiprofissional, desde que seja sem o médico (entendido como categoria à parte);
- Na saúde, o relacionamento interno responde com frequência ao status das diferentes profissões na sociedade. Um capítulo importante da análise das organizações de saúde é o que discute a introdução de diversas profissões na área. Depois dos economistas, administradores, advogados e informatas, hoje em dia há mercadologistas e comunicadores sociais;
- Na área da saúde, há disparidades entre os níveis mais próximos do topo e os mais próximos da base da pirâmide profissional: ainda mais gritante que a diferença de status é a distorção entre níveis salariais e exigências de cumprimento de tarefas e carga horária, sem contar tipo de supervisão realizada;
- No sector da saúde, a hierarquia gerencial é frequentemente dissociada da hierarquia profissional, dependendo da categoria e do nível hierárquico considerado.
Qualquer análise ambiental preconiza uma verificação de pontos fortes e pontos fracos internos à organização e de oportunidades, necessidades e restrições ambientais. Frequentemente, esquece-se que a conceituação de ponto forte e ponto fraco, oportunidade e restrição é variável de acordo com observador, organização e momento. Tampouco costuma estar presente a percepção de que existe uma categoria à parte, nem problema nem solução, que pode ser
considerada “dado de realidade”. De fato, há coisas que se colocam conjunturalmente para definir o cenário, sendo parte dele ou não se destacando o suficiente para se tornar algo a incentivar ou coibir.
Outro aspecto a considerar é a transição de conceitos sobre figuras jurídicas e tipos de organização no sector. Já há muito discute-se o conceito de organizações de saúde como de finalidade colectiva, por definição, considerando até
mesmo a possibilidade de elas serem entendidas como públicas, mesmo quando não estatais. Actualmente, filantropia, ONGs, organizações sociais passam a ser parte importante do cenário de estudos organizacionais; também verifica-se que a sociedade do futuro será voltada para os serviços. Deve-se então mudar a maneira de se enxergar saúde, com o objectivo de profissionalizá-la e torná-la mais transparente para os usuários. Já existem em organizações de saúde com diversas finalidades instâncias para ouvir reclamações e sugestões de usuários (clientes externos) e de trabalhadores (clientes internos). Algumas dessas unidades têm a finalidade de actuar como relações públicas, outras como amortecedores de tensões e outras, finalmente, parecem de fato associadas à firme intenção de aprimorar os serviços.
Sem os Recursos Humanos, nenhuma organização – pública, privada lucrativa ou filantrópica – será capaz de melhorar sua prestação de serviços.
Nenhuma máquina “atenderá” bem qualquer pessoa. Entre as características a buscar na organização, sempre estão as pessoas que nela trabalham, que podem ser mais ou menos qualificadas, mais ou menos numerosas, mais ou
menos motivadas, mais ou menos favoráveis ao que fazem, mais ou menos felizes. Cada uma dessas discussões se coloca em relação ao diagnóstico de conjuntura. Mas no diagnóstico geral consta, por definição, que sem pessoas
não existem organizações de saúde.