Introdução
Centralização já foi sinónimo, em alguns discursos, durante determinados períodos de certos países latino-americanos, de “atraso gerencial e político”, de “obscurantismo”, de “autoritarismo”. Em outras instâncias já foi considerado como possibilidade única de se obter sucesso e racionalidade, mais uma vez política e/ou administrativamente. Mesmo assim, há quem queira fugir dessa discussão, que, além de tudo, é fundamental para o âmbito de Recursos Humanos. Hoje em dia, trabalha-se com o conceito de empowerment, por meio do qual se transfere autoridade decisória, seja aos trabalhadores, seja aos usuários. Na verdade, na área pública em geral e na saúde em particular verifica-se que para ocorrer de fato essa modalidade é necessária uma mudança cultural.
Em geral, os gerentes gostariam de exercer autoridade/poder e admitem que seus usuários e seus subordinados não têm o conhecimento necessário para tomar decisões, tanto as administrativas quanto aquelas referentes à sua própria vida e saúde. Isso contraria os modismos referentes às teorias da qualidade, cujo conteúdo enfatiza a descentralização, mas reflete a realidade, se não o discurso.
Centralização ou Descentralização
A oposição entre centralização e descentralização só poderia ser encarada como tal se os dois fossem vistos como pontos extremos de um continuum, ou seja, não se trata de conceitos opostos, mas sim complementares. Não existe centralização absoluta, a não ser que se trate de uma única pessoa, e descentralização absoluta faria com que ficasse descaracterizada a organização enquanto tal.
Qualquer análise de vantagens da descentralização fica muito mais completa se for feito paralelamente a um estudo das desvantagens. Coincidentemente, poderá ser verificado que de modo geral o que se considera vantagens da centralização é muito semelhante ao que se concebe como desvantagens da descentralização.
E vice-versa. Nem centralização, nem descentralização são entidades absolutas; simplesmente, trata-se de verificar a percentagem de centralização ou de descentralização que se pretende atingir. A figura 5 procura demonstrar as duas categorias como extremos de um continuum e a complementaridade entre suas vantagens e desvantagens.
- Maior envolvimento
- Especialização
- Decisão mais próxima do facto
- Maior conhecimento
- Objectivos parciais
- Decisão demorada
- Propicia conflitos grupo/organização
- Objectivos de grupo restrito
- Decisão distante da realidade
- Propicia alienação
Justificativas mais frequentes
0% 50%
100% 50%
100%
0%
Críticas mais frequentes
- Decisão mais ágil
- Maior racionalidade
A análise amiudada das vantagens e desvantagens da centralização (ou da descentralização) deve ser reconhecida não como uma forma de evitar as desvantagens, mas, sim, conhecendo-as, de tentar minimizar seus efeitos. Do
mesmo modo, quanto às vantagens, não se trata de regozijar-se por que elas existem: trata-se de maximizá-las uma vez que elas não serão surpresas. Prever sucessos ou insucessos não é garantia de que eles irão ocorrer, pois há limites para a previsão. Portanto, algumas vantagens previstas não irão ocorrer ou estarão travestidas de problemas; isso pode ocorrer também com as desvantagens.
A priori, não se pode afirmar que qualquer das situações seja um bem ou um mal: em diferentes circunstâncias, os resultados de maior ou menor concentração de poder podem ser mais ou menos adequados.
Outro aspecto a ressaltar é que as percepções a respeito do lugar no continuum em que se situa a gestão de uma dada organização variam a cada momento de acordo com a posição relativa do observador. Inevitavelmente, aquele que descentraliza tem uma percepção a respeito do grau de descentralização diferente daquele do actor organizacional em cuja direcção está ocorrendo a descentralização.
Para garantir a existência e a eventual unicidade da organização, a descentralização requer mecanismos de controle eficazes, não apenas formais. Para quem considera autonomia como sinónimo de ausência de controle, qualquer
tentativa nesse sentido será percebida como centralizadora e autoritária. Por outro lado, sob o ponto de vista do gerente, há alguns deles que, quando não gostam de uma área ou não a conhecem suficientemente, costumam repassá-la para outros profissionais. Deve ficar claro que esse é um caso típico de desresponsabilização – e não de descentralização –, pois a intenção desse gerente pode ser entendida como a tentativa de livrar-se de uma responsabilidade, possibilidade que de facto não existe, nem no sector público nem no privado.
A tendência à descentralização parece ser um movimento normal para as organizações, à medida que elas passam a confiar mais em seus trabalhadores e lhes oferecem condições de desenvolver novas funções. Na verdade, trata-se
de capacitar os níveis mais periféricos do sistema, de modo a aumentar sua competência e a confiança que a organização venha a depositar neles. Repassar actividades sem aumentar os conhecimentos e sem modificar as relações de confiança entre trabalhador e organização é ilusório e injusto. Esses requisitos, porém, são actividades que consomem tempo e recursos financeiros. Sob o ponto de vista das funções do subsistema de Administração de Recursos Humanos, como já foi visto, eles têm a ver com o desenvolvimento e até com a noção de plano de cargos e planeamento de recursos humanos de modo geral, a rigor, no item suprimento, por meio do qual pode-se prever em quem a organização irá investir e com que finalidade. Decisões súbitas acerca de novas tarefas a serem realizadas por diferentes níveis hierárquicos tendem ao insucesso e à inviabilização de futuras tentativas de descentralização, à custa de novas relações de desconfiança e de descrédito na competência.
Dizem que a qualidade de um trabalhador (principalmente daquele que actua em actividades administrativas) pode ser medida por não se sentir sua ausência por um motivo qualquer – a qualidade dele residiria na sabedoria de delegar actividades, etc. O outro extremo é protagonizado pelo trabalhador que se sente incompetente quando toma conhecimento de que sua falta não foi notada.
Provável comportamento de combate à insegurança faz com que esse actor não repasse informações a ninguém que não seja por ele escolhido, por algum motivo, como seu fiel depositário. Suas férias são um inferno para os colegas, não necessariamente porque seu trabalho seja crítico, mas porque ele centraliza tudo. É aquele que se orgulha de não poder tirar férias porque é consultado diuturnamente sobre telefonemas, papéis, etc.
Esse tipo de comportamento, de grande centralização, reflecte falta de confiança e, a rigor, falta de competência situacional. Não é essa, porém, a incompetência a que os gerentes em geral se referem quando se queixam da
insuficiência qualitativa de seus recursos humanos. No entanto, quando se discute a inteligência emocional, é importante ter em mente o significado desses comportamentos. A utilização de instrumentos de dinâmica de grupo permite verificar essas tendências e determinar formas de lidar com elas.
O continuum que vai da centralização à descentralização é voltado ao grau de autoridade decisória que está concentrado ou disperso. Em geral, concentração (cujo extremo oposto é a desconcentração) é um termo relacionado à alocação de recursos. Enquanto centralização/descentralização lida com poder e/ou autoridade, concentração/ desconcentração se ocupa da gestão de recursos.
Esses dois pares não são necessariamente sincrônicos: na vigência de maior tendência à descentralização pode haver maior ou menor concentração de recursos, e assim por diante. Na administração municipal, a Secretaria da Saúde
pode funcionar de maneira descentralizada, mas as decisões sobre orçamentos e alocação de recursos estão em outras secretarias, como a da Administração.
Competência técnica ou administrativa?
Ninguém é competente em termos absolutos. Um excelente dactilógrafo pode não saber desenhar. Dependendo do que se espera dele, será considerado competentíssimo ou uma nulidade. Se ele precisar desenhar, talvez aprenda essa arte. Se simplesmente um dia chegar essa nova demanda, a probabilidade de que ele a atenda é baixa. Um médico pode ser um expert na sua especialidade, a oftalmologia. Se ele tiver que fazer um parto, talvez fosse melhor chamar alguém para ajudá-lo, pois não é seu diploma de medicina que irá capacitá-lo (mesmo que o habilite) a auxiliar a mulher que vai dar à luz. Mais uma vez, na área técnica trata-se de questão identificável mediante critérios objectivos de supervisão ou de resultados, embora, às vezes, haja problemas de outra ordem que interfiram na vontade que o trabalhador tem de cumprir adequadamente sua tarefa. Actualmente, aumenta no Brasil a preocupação com os riscos que corre a população devido à questionável competência dos que lidam com sua vida e saúde, levando à busca por documentos que comprovem habilitações e actualizações na função, principalmente quando se trata de assistência directa.
Mais difícil é fazer uma análise de desempenho e/ou de competência administrativa, pois há organizações – e gerentes – que valorizam o “não errar”. Exemplo típico são as análises realizadas por órgãos como Tribunal de Contas, que, em geral, se preocupam com erros formais nas actividades meio, não se importando tanto quanto deveriam com os resultados dos processos. A questão parece depender de quem avalia essa competência, o que ajuda a definir e compreender critérios. Por outro lado, existe a possibilidade de esses critérios serem muito localizados. Falar em centralização não necessariamente implica o topo hierárquico da organização. Por exemplo, deixar, de maneira centralizada, a unidade responsável pela selecção definir o tipo de candidato adequado para prestar serviços na recepção implica correr o risco de se contratar uma pessoa de boa aparência, que tenha prazer em atender o público, mas que não consegue dar explicações claras a quem as pede. Quem irá avaliar essa competência durante o trabalho? E, afinal, quem define a composição do cargo? A perspectiva da Administração da Qualidade presume que ninguém melhor do que quem participa da execução de uma tarefa sabe o que é necessário para executá-la
“mais e melhor”. Isso certamente implica descentralizar o suficiente para, pelo menos, ouvir o trabalhador. Uma das funções dos gerentes seria juntar todas essas informações parciais, sob o nome de “coordenação”. Talvez uma parte das críticas à incompetência dos trabalhadores se deva ao não cumprimento dessa importante atividade implícita na função gerencial.
Preceitua ainda a Administração da Qualidade que na definição de cada um de seus processos deve estar claro para seus participantes o “para quem” o fazem (seus clientes principais e os secundários), “para que” o realizam (o que se espera do cumprimento adequado da tarefa) e “por que”, ou seja, o que a justifica ou a torna necessária. Por exemplo, o fornecimento de informações sobre um caso de meningite numa escola pode ter como clientes os demais alunos dessa escola, seus pais e professores, os componentes da Vigilância Epidemiológica, os trabalhadores
dos serviços de saúde do município ou os meios de comunicação.
Dependendo de qual for o cliente considerado principal, em cada um desses casos a forma de finalizar o trabalho será distinta. O resultado também é fundamental na definição do que deverá ser feito, pois diagnosticar (acertadamente) o caso como meningite viral ou bacteriana muda o tipo de atitude a tomar e o de informação a ser passada. Quanto ao por quê, convém que o funcionário que atende o público saiba que é necessário oferecer informações corretas e compreensíveis para garantir a confiança dos cidadãos no SUS.
Qual o limite? Ou a questão de poder
Para definir o limite entre centralização e descentralização, por mais que o gerente (mesmo aquele directamente voltado a Recursos Humanos) tenha a intenção de decidir essa medida, sua influência será, no máximo, sobre tendências.
Em termos absolutos, seus resultados dificilmente estarão próximos da sua expectativa, pois, como em qualquer acção ou intenção de carácter estratégico, deve ser lembrado que há pelo menos duas partes envolvidas e a reacção da “outra parte” em relação ao gerente deve ser levada em conta, mesmo que não seja possível antecipá-la.
Quanto ao limite da competência, é necessário conhecê-lo para superá-lo. Dessa forma, competente será aquele que conseguir cumprir o que a organização espera. À luz dessa definição, gerente será quem conseguir traduzir para seus
trabalhadores aquilo que a organização espera, de modo a obter o resultado almejado (ou evitar que ele ocorra, caso lhe pareça totalmente equivocado). Isso significa considerar o papel dos diferentes gestores na condução dos Recursos Humanos, uma vez que entre as actividades que fazem parte do papel gerencial de motivar e liderar pessoas e grupos há “oferecer direcção”.
Muito pouco do que os dirigentes fazem é oferecer direcção. Eles podem até oferecer directrizes, que terminam por não ser seguidas pelos executores das actividades–fim da organização, por falta de direcção: eles simplesmente não sabem o que fazer! Exortações para fazer o melhor possível não são adequadas, pois por vezes o “melhor possível” não corresponde ao necessário. Às vezes, é mais, ou menos, ou ainda paralelo… o que leva a um desempenho inadequado para as necessidades e/ou expectativas da organização. É o mesmo caso de se ter alguém qualificado demais para uma determinada actividade num processo de selecção: aceitá-lo significa assumir o risco de cansá-lo, frustrá-lo, baixar seu nível de desempenho, torná-lo um trabalhador aquém do que ele gostaria de ser.
A competência é uma questão directamente ligada à centralização e faz parte até mesmo de seu discurso tradicional. Há quem diga que descentralização seria, em tese, a solução mais adequada sempre, mas ela seria muito mais cara,
pois implica mais trabalhadores capacitados em todos os níveis da organização.
Hoje em dia as teorias de organização voltadas às organizações flexíveis preconizam a necessidade de actividades de treinamento e retreinamento constantes, sob pena de se ficar cada vez mais marginalizado dos indicadores de desempenho desejado. Em qualquer circunstância, cabe manter os trabalhadores actualizados, mesmo que no momento de sua entrada na organização só se tenha valorizado seu potencial.
No entanto, nem capacitação, nem direcção, nem liderança fazem sentido se forem encaradas como finalidades em si. A confusão entre a actividade de apoio – no caso, gestão de recursos humanos e/ou treinamento e desenvolvimento – e a finalidade da organização pode levar a sérias distorções, reforçando o corporativismo,
que pode ocorrer se a gestão de recursos humanos for nucleada como competência de uma unidade específica, ou seja, para um treinamento ter eficácia faz-se necessário saber para o que será feito, como, onde, etc.
Centralização e/ou descentralização em si tampouco podem ser vistas como questões de fato, pois são instrumentos organizacionais empregados para chegar a algum resultado, de curto, médio ou longo prazo. Sob essa óptica, como
descentralização implica o aprendizado a respeito da organização, tem menos probabilidade de ser eficaz a curto prazo.
Há algumas organizações em que se trabalha com parcerias claras entre área técnica e Recursos Humanos. Em empresas que adoptam essa filosofia não são mais considerados aceitáveis programas de treinamento propostos e executados quase inteiramente por uma ou por outra das áreas. Pelo contrário, de algum dos lados surge a constatação de que é necessário um programa de capacitação (seja por supervisão directa, seja por sistematização de avaliações, etc.). Aí as duas partes passam a discutir alternativas de programas, considerando carga horária disponível, nível real de necessidades, know-how existente na organização a respeito do assunto, outras fontes de conhecimento, etc. Todos os passos são seguidos até obter o treinamento, como e onde for considerado mais adequado. A avaliação também será realizada pela parceria, considerando como indicadores desde os motivos que geraram o processo específico até a opinião dos superiores imediatos a respeito do novo padrão de desempenho dos funcionários.
Não se pode catalogar claramente esse tipo de solução nem como centralização nem como descentralização. Parcerias nessa área representam a tentativa de fuga da linearidade contida no modelo “ou isto ou aquilo”, na tentativa de chegar à síntese mais do que a soluções muito circunstanciais. A tentativa de fugir dessa linearidade pode levar à revisão da definição de centralização e descentralização como relacionada à dispersão da autoridade decisória. Na verdade, trata-se aqui do exercício do poder como categoria compartilhada e não como um jogo cuja soma final é zero. Portanto, o exercício das parcerias pode aumentar a quantidade de poder disponível numa organização, caso se pretenda seguir o raciocínio aritmético.
O primeiro modelo deriva das noções de centralização e descentralização, admitindo sua linearidade. A grande diferença é que, ao invés de se moverem constantemente para representar um estado dinâmico, todas as forças convergem e tendem a zero. O segundo funciona como somatório de vectores, em que cada trabalhador ou parte da organização é vivo e dispõe de poder. A discussão se resume a verificar se há quem tenha poder e quem não o tenha.
Na verdade, o conceito é muito mais dinâmico, pois obriga a estudar, a cada momento, quem tem mais e quem tem menos poder, para depois encontrar a resultante.
No sistema de parcerias, em que o sentido das forças é o mesmo, o poder total aumenta não de acordo com uma soma aritmética; pelo contrário, existe uma grande potencialização, em que 2+2>4, por definição. Por outro lado, poder só existe se e quando é exercido e, salvo o conceito físico de força, é praticado por e sobre pessoas. Assim, a área organizacional que comporta maior discussão desse tema é aquela voltada às pessoas.