Apontamentos A lógica aristotélica

A lógica aristotélica

Na última unidade, estudamos a hiponímia e o acarretamento. A hiponímia é uma relação de sentidos que pode existir entre dois conceitos. Já que cada palavra é, por definição, a união de um significado (conceito) e um significante, podemos dizer a que a hiponímia é uma possível relação de sentidos que pode existir entre duas palavras.

Uma palavra pode ser hipônima de outra palavra, mas ela não pode acarretar outra. A palavra ‘pêra’ é hipônima da palavra ‘fruta’, mas ela não acarreta ‘fruta’. Acarretamento é uma relação de sentidos que só pode existir entre dois enunciados afirmativos. ‘João comeu uma pêra’ acarreta ‘João comeu uma fruta’.

Talvez você já tenha percebido que a relação de acarretamento lembra uma relação lógica. De fato! A lógica é a parte da filosofia que estuda as relações de sentido entre afirmações. Ela se preocupa em garantir a correta inferência.

Com base no que já sabemos sobre o mundo, o que pode ser concluído a partir de uma certa afirmação? Poder fazer inferências corretas é uma habilidade extremamente importante, não só para detetives como Sherlock Holmes mas também para os cientistas.

Por isso, o estudo da semântica interessa muita gente, e há muito tempo. Os filósofos e os matemáticos também escrevem sobre as relações de sentido, e isso acontece há séculos.

Já vimos que Aristóteles escreveu sobre a categorização, então não deve ser surpresa que ele também tenha se preocupado com a lógica. Ele formulou as regras de inferência lógica do silogismo. Vocês já devem ter visto o mais famoso silogismo de todos os tempos:

Premissa maior: Todo homem é mortal.
Premissa menor: Sócrates é um homem.

Conclusão: Sócrates é mortal. Vamos analisar esse silogismo nos termos que já estudamos. Quando dizemos que Sócrates é um homem, estamos dizendo que Sócrates é uma instância do esquema ‘homem’, e quando dizemos que todo homem é mortal, estamos dizendo que o conceito [HOMEM] é hipônimo do conceito [SER MORTAL].

Outra maneira de dizer a mesma coisa é dizer que Sócrates pertence à categoria HOMEM, e que os homens (todos eles, sem exceção) pertencem à categoria SERES MORTAIS. Sendo assim, sabemos que Sócrates não escapa da mortalidade; isto é, ‘Sócrates é um homem’ acarreta ‘Sócrates é mortal’.

E se ‘Sócrates é mortal’ é falso, será que podemos concluir que ‘Sócrates não é um homem’? Sim. Porque se ele fosse homem, ele teria que ser mortal.

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E se ‘Sócrates é um homem’ é falso, será que podemos concluir que ‘Sócrates não é mortal? Não. Não poderemos concluir nada sobre sua mortalidade, sem saber em qual categoria ele se coloca. Sabemos que não é homem, mas não sabemos se ele é um deus, um bode, ou qualquer outra coisa.

Lembrem o exemplo da pêra. Sabemos que João comeu alguma coisa. Se é possível afirmar que é uma pêra, podemos concluir que ele comeu uma fruta.

Mas se não sabemos que ele comeu uma pêra, não podemos concluir que ele não comeu uma fruta; ele pode ter comido uma banana.

Podemos observar, então, que podemos dizer a mesma coisa da seguinte forma:

(12) Se Sócrates é um homem, então ele é mortal.
(13) Se João comeu uma pêra, então ele comeu uma fruta.

Essas sentenças fazem sentido porque atrás delas temos o conhecimento de outras fatos que, na forma do silogismo, seriam expressas como premissas maiores: (14) é a premissa maior para (12), e (15) é a premissa maior para (13).

(14) O homem é um ser mortal.
(15) A pêra é uma fruta.

Sentenças do tipo ‘Se X, então Y’ são extremamente comuns na nossa linguagem de todo dia. Falamos assim para expressar conclusões às quais chegamos por inferência lógica, baseados nos conhecimentos que temos.

Eis aqui um exemplo da vida real:

(16) Se ela mora lá, ela é neta da D. Laura, porque naquela casa só moram as netas.

Evidentemente, alguém afirmou que uma certa pessoa mora em algum lugar (X). Depois, afirmou que ela era neta da D. Laura (Y), e deu a justificativa pela inferência.

Essa é uma inferência correta. Analisando:

Premissa maior: Todo mundo que mora naquela casa é neta da D. Laura.
Premissa menor: Ela mora naquela casa.
Conclusão: Ela é neta da D. Laura.

Outra maneira de formular o raciocínio:

‘Se ela mora lá, ela é neta da D. Laura’
‘Ela mora lá’
Conclusão: Ela é neta da D. Laura.

(Tudo tomando por base a premissa (conhecimento ou crença) de que ‘naquela casa só moram as netas’.).

Alternativamente, com outros fatos, poderíamos raciocinar assim:
‘Se ela mora lá, ela é neta da D. Laura’

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‘Ela não é neta da D. Laura’
Conclusão: ‘Ela não mora lá’.

(Também com base na mesma premissa maior de que ‘naquela casa só moram as netas’.)

Temos duas maneiras de chegar a uma inferência correta a partir de uma sentença de forma ‘Se X, então Y’:

A. Afirmar X.
B. Negar Y.

No caso A, se você puder afirmar X, então você vai poder afirmar Y também.

No caso B, se você puder negar Y, então você vai poder negar X também.

Mas, atenção! O contrário não pode ser! Se você negar X, você não pode concluir, por isso, que Y também é falso. E se você afirmar Y, você não pode concluir, por isso, que X também é verdade.

Voltando ao exemplo, o que podemos concluir se descobrimos que ela não mora naquela casa (negando X)? Podemos concluir que ela não é neta da D.

Laura (negando Y)? Claro que não! ‘Todo mundo que mora naquela casa é neto da D. Laura’ não é iqual a ‘Todos os netos da D. Laura moram naquela casa’. Se ela não mora naquela casa, ela ainda pode ser uma neta da D.

Laura que mora em outro lugar. E se descobrirmos que ela é de fato uma neta da D. Laura (afirmando Y)? Será que podemos concluir, baseados nessa informação, que ela mora naquela casa (afirmando X)? Também não.

Outro exemplo da vida real:

(17) Não tem ninguém na casa da Paula porque eu chamei e ninguém respondeu.

Esse tipo de raciocínio sofisticado é muito comum. Estamos sempre tentando achar explicações para as coisas que acontecem. Nesse caso, não temos acesso direto à premissa maior, mas podemos adivinhá-la. Veja como:

Premissa menor: Eu chamei [na casa da Paula] e ninguém respondeu.
Conclusão: Não tem ninguém na casa da Paula.

Qual é a informação (ou melhor, a crença) que está faltando? Seria algo como:

Premissa maior: Na casa da Paula, eles sempre atendem o telefone [ou a porta] quando estão em casa.

Como vocês podem ver, a lógica mais simples, a do silogismo, é uma ferramenta de inferência poderosa, até nas nossas conversas de todo dia.

Todos nós somos “lógicos” amadores sem saber.

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